KitKat: marca de chocolate serviu de exemplo para estudo de economia comportamental para determinar a disposição de compra (Foto: Divulgação)
Escola de Negócios
Publicado em 3 de março de 2024 às 06h30.
Última atualização em 4 de março de 2024 às 10h22.
Independentemente do ramo de negócio, seja cerveja, BMW ou serviços de contabilidade, uma das decisões mais importantes enfrentadas pelas empresas é o quanto cobrar dos clientes.
Se o preço for muito alto, poderá deixar de atrair comprador algum. Se o preço for muito baixo, poderá gerar grande demanda, mas se estará deixando de lucrar. Nenhum desses resultados é ideal, e os profissionais de marketing há muito estão incumbidos da tarefa de determinar a “disposição a pagar” dos consumidores, ou seja, qual o maior preço que um cliente estará disposto a gastar para obter um produto ou serviço.
“Fundamentalmente, este é um problema clássico", diz Derek Rucker, professor de marketing da Kellogg. “Na verdade, está entre os problemas mais antigos e importantes que enfrentamos como profissionais de marketing”.
Quando Rucker e Eric Anderson, professor de marketing da Kellogg, juntamente com Sharlene He, ex-aluna da Kellogg, agora membro do corpo docente da Universidade Concordia, analisaram a literatura acadêmica sobre este tema, descobriram que o consenso predominante sobre como a disposição a pagar deveria ser concebida era de fato vago e deixava de incluir componentes críticos.
Além disso, a maioria dos métodos existentes referentes a medir a disposição a pagar apresentou sérias desvantagens. “Os métodos atuais não levam em consideração o contexto nem a concorrência como deveriam", diz Rucker. “É possível que os profissionais de marketing estejam tomando decisões de negócios baseadas em estimativas imprecisas referente à disposição a pagar por parte dos seus clientes".
Assim, Rucker, Anderson e He procuraram encontrar uma abordagem melhor para medir a disposição a pagar. Em um novo artigo publicado no Journal of Marketing, os autores fazem exatamente isso, apresentando o que chamam de Método Comparativo de Avaliação, que foi validado em treze estudos.
Ao longo das décadas passadas, foram desenvolvidas várias abordagens diferentes para se medir a disposição a pagar. No entanto, todas apresentaram limitações em sua capacidade de capturar a disposição a pagar com base em fenômenos que os estudiosos de marketing sabem ser verdadeiros.
Pesquisas anteriores muitas vezes encontraram diferenças na disposição a pagar das pessoas em diferentes contextos. Por exemplo, as pessoas estão dispostas a pagar mais por uma cerveja em um bar de hotel do que de um barzinho à beira-mar.
No entanto, muitos estudos mediram a disposição a pagar simplesmente perguntando às pessoas o quanto gastariam em um produto, sem fornecer detalhes sobre a situação da compra ou as alternativas disponíveis.
“Neste exemplo simples, é possível ver o problema", diz Eric Anderson. "Uma pessoa pode pagar mais de US$ 10 por sua cerveja favorita em um bar de hotel chique, mas apenas US$ 5 pela mesma cerveja de um vendedor ambulante à beira-mar. Essa diferença na disposição a pagar pode ser completamente racional e impulsionada pelas alternativas disponíveis naquela situação. Simplesmente perguntar aos consumidores o quanto estão dispostos a pagar faz com que falte um aspecto crítico da métrica, que são as comparações que os consumidores estão levando em consideração”.
A maioria das abordagens para medir a disposição a pagar apresenta aos clientes um produto ou serviço isoladamente, como se a opção fosse comprar o produto ou ir para casa de mãos vazias. Embora certamente existam algumas situações de compras em que os consumidores optarão por não comprar, na maioria das vezes a questão é "isso ou aquilo", em vez de "isso ou nada".
Rucker aprendeu essa lição em primeira mão quando sua filha adolescente precisou de um vestido para um baile formal na escola. Não comprar um vestido nunca foi uma opção, a questão foi sempre qual vestido.
Mesmo as abordagens que levam em consideração diversas alternativas nem sempre levam em conta o fato de que, dependendo da situação, a alternativa mais relevante será diferente. Será a melhor opção comparativa o vestido vermelho por US$ 75? O azul por US$ 45? O vestido que já tem no armário?
Para ilustrar a importância de explicar a comparação relevante, considere como ela pode diferir entre os diferentes segmentos de clientes. Um consumidor que pensa em assinar o Disney Plus provavelmente terá uma comparação diferente em mente - e, portanto, uma disposição a pagar diferente - se já assinar a Netflix ou se atualmente tiver TV a cabo. A comparação certa está fundamentalmente ligada ao segmento-alvo pretendido e à estratégia de posicionamento da empresa.
Entra em cena o Método Comparativo de Avaliação.
O Método Comparativo de Avaliação baseia-se em outra abordagem popular, conhecida como o método Becker-DeGroot-Marschak (BDM). Com o BDM, os consumidores devem apresentar uma medida de sua disposição a pagar para um produto-alvo - digamos, uma barra de chocolate KitKat - e, em seguida, ver um número aleatório. Se esse número for menor ou igual à sua disposição a pagar, eles devem comprar o KitKat. Se for acima desse valor, eles não compram.
Este procedimento tem a vantagem de manter os participantes honestos sobre o quanto o Kit Kat realmente vale para eles, mas fica aquém por todas as razões descritas anteriormente.
Portanto, o Método Comparativo de Avaliação adota esse aspecto de loteria aleatória do BDM, mas depois o expande.
“O que é fundamentalmente diferente em nosso procedimento é que, em vez de simplesmente perguntar se uma pessoa compraria ou não algo, primeiro queremos entender quem é a concorrência”, diz He. “Queremos perguntar o seguinte: se a pessoa não comprasse este produto, o que compraria em vez dele? Essa será a comparação relevante que moldará a disposição a pagar de uma pessoa. Não levamos em consideração a resposta ser que ela não compraria nada”.
Na prática, significa introduzir algumas etapas antes do início do procedimento de loteria. Primeiro, os participantes escolhem entre várias opções comparativas. Se o produto alvo for uma barra de KitKat, por exemplo, os participantes escolherão compará-la com M&M a US$ 1,10, Reese a US$ 1,05 e Snickers a US$ 1,15. Essa configuração garante que o produto alvo seja comparado a uma alternativa viável e realista para esse consumidor.
Em seguida, os participantes dão uma estimativa inicial para a disposição a pagar respondendo à pergunta: "Qual preço do KitKat deixaria você igualmente feliz em comprar a barra de KitKat por tal preço ou comprar a opção de M&M por US$ 1,10?"
Em seguida, vem o procedimento da loteria, onde os participantes põem em prática o que debateram. A distribuição de todos os números resultantes da pesquisa sobre a disposição a pagar, em uma ampla gama de contextos, pode, portanto, ser usada para informar os preços.
Uma vantagem da disposição a pagar é que ela permite que os profissionais de marketing vejam as alternativas consideradas pelos consumidores. A metodologia é também flexível e pode ser personalizada para diferentes situações. Por exemplo, se um profissional de marketing quiser entender a disposição a pagar referente a KitKats no contexto restrito de uma máquina de venda automática, pode testá-la contra outras barras de chocolate; se quiser entendê-la no contexto de uma mercearia repleta de opções de lanches, pode testá-la em relação a outras barras de chocolate, e (digamos) maçãs e bolachas.
Os pesquisadores realizaram diversos estudos empíricos para testar a disposição a pagar como uma ferramenta e para explorar suas aplicações gerenciais.
Os estudos empíricos levaram vários anos e contaram com quase 3.000 participantes, pessoalmente e por meio de plataformas online, como o Amazon Mechanical Turk. “Aprendemos coisas diferentes em cada estudo”, diz Ele. “Cada um aborda o problema de modo diferente”.
Por exemplo, em um estudo, os pesquisadores testaram a disposição a pagar para uma versão premium do Kraft Lunchables que inclui uma bebida. Nesse caso, a empresa estava tentando converter clientes de Lunchables existentes em consumidores do produto premium. Para isso, os pesquisadores testaram a versão premium de três sabores de Lunchables normais, sem bebidas, todos a US$ 1,36 (o preço no Walmart no momento do estudo). Também incluíram a opção de "não comprar", projetada para identificar consumidores que provavelmente não comprariam nenhum produto da Lunchable e, portanto, clientes não realistas. Anderson observa: "O legal foi que realizamos estudos que refletem situações reais e problemas que os profissionais de marketing estão tentando resolver!"
Entre os consumidores que selecionaram uma das variedades básicas, a disposição a pagar média para a versão premium foi de US$ 2,33, enquanto entre o grupo que não comprou o produto, a disposição a pagar foi de apenas US$ 1,35, menor até do que o preço dos Lunchables normais. Graças à capacidade de o Método Comparativo de Avaliação identificar esses diferentes segmentos (ou seja, grupos de “compra” e “não compra”), os pesquisadores obtiveram informações importantes sobre porque alguns consumidores tinham uma disposição a pagar muito menor do que outros compradores. Em outras palavras, ter visibilidade da opção comparativa que um consumidor considera facilita identificar a verdadeira disposição a pagar, neste caso, US$ 2,33- de clientes realistas.
O Método Comparativo de Avaliação também provou ser um método útil para explorar fatores situacionais, como dar algo de presente, ou para avaliar como a alteração da garantia de um produto possa afetar a disposição a pagar das pessoas para diferentes marcas de geladeiras de luxo.
Notavelmente, os pesquisadores também realizaram um experimento em que testaram o Método Comparativo de Avaliação em relação ao seu antecessor, o método BDM. Quando as disposições a pagar produzidas por esses dois métodos foram comparadas em um teste real de comportamento de compra, o Método Comparativo de Avaliação superou seu antecessor. “Para ser claro", diz ele, "não é que o BDM não seja útil, mas melhoramos esse método para oferecer algo com maior precisão".
Os pesquisadores também demonstraram quando o Método Comparativo de Avaliação supera a análise conjoint, outro método popular de estimativa da disposição a pagar. Embora a análise conjoint seja útil como uma forma eficiente de explorar a disposição a pagar em muitos contextos diferentes, o Método Comparativo de Avaliação se sai melhor quando há opções comparativas claras.
O Método Comparativo de Avaliação contribui para a crescente literatura acadêmica sobre economia comportamental, esclarecendo como diferentes objetivos situacionais ou opções comparativas podem afetar direta ou indiretamente a disposição a pagar dos clientes.
No entanto, pode também ser adotado imediatamente pelos profissionais de marketing. “Como profissional de marketing, é necessário não apenas entender o que a marca oferece, mas também entender contra quem se está competindo", diz Anderson. “Não podemos nos tornar tão centrados na marca a ponto de nos concentrarmos apenas em nós mesmos. Temos que saber quais alternativas os consumidores estão considerando em relação ao que ofertamos”.
Em trabalhos futuros, os pesquisadores planejam expandir seu foco investigando como a própria publicidade de uma marca e a dos concorrentes afetam a disposição dos clientes de pagar por um produto - uma direção que deve oferecer insights ainda mais práticos para os profissionais de marketing. Os três autores esperam continuar a compartilhar novas descobertas sobre a disposição a pagar com estudantes de MBA e executivos que, por sua vez, podem continuar a testar teorias em contextos do mundo real.
“De forma alguma resolvemos o problema em que podemos dizer a alguém com 100% de precisão o preço certo para um produto", diz Anderson. “Mas demos um passo na direção certa, esclarecendo a definição de disposição a pagar e dando às pessoas uma metodologia que leva diretamente em conta a comparação e o contexto para melhor aproximar as situações de compra do mundo real”.