Eletrobras: "A Eletrobras é um buraco sem fundo", disse uma das fontes (Pilar Olivares/Reuters)
Reuters
Publicado em 29 de agosto de 2017 às 17h36.
São Paulo/Rio de Janeiro- Os planos do presidente Michel Temer de vender o controle da maior empresa de energia elétrica do Brasil, lançados após o país reconhecer um maior rombo fiscal neste ano, podem se tornar uma verdadeira corrida de obstáculos, uma vez que questões legais e políticas ameaçam atrasar o andamento do negócio.
O governo optou por privatizar a Eletrobras após ver crescer resistências da alta cúpula da companhia a alguns dos planos previstos para a recuperação da estatal, disseram à Reuters quatro fontes com conhecimento do assunto. Os investidores ficaram eufóricos com a notícia, que fez as ações ordinárias da empresa dispararem 50 por cento em um dia.
Embora a equipe do governo tenha dado um prazo até o final desta semana para explicar como o plano será executado, segundo uma das fontes, os envolvidos no negócio ainda precisam avaliar como estruturar a transação e se a desestatização exigirá aprovação no Congresso Nacional.
Tornar a Eletrobras uma companhia com controle pulverizado poderia tirar os políticos brasileiros do controle de uma elétrica que por décadas proporcionou empregos lucrativos a eles e seus aliados.
O partido de Temer, PMDB, sempre teve força sobre as nomeações na Eletrobras, o que evidencia a ousadia do esforço de Temer em incluir a elétrica em seu plano de reduzir o papel do Estado no país mesmo em meio à insatisfação popular com a crise econômica e o enorme escândalo de corrupção revelado por autoridades na famosa Operação Lava Jato.
Se bem-sucedido, o negócio poderia transformar uma indústria que há tempos sofre com erráticas intervenções estatais e uma crônica falta de investimento, além de ajudar a reduzir as tarifas no longo prazo, disse o analista do UBS Marcelo Sá.
Temer espera que seu programa de austeridade reduza um rombo orçamentário recorde e acabe com aportes de recursos em estatais deficitárias. O Tesouro Nacional usou mais de 4 bilhões de reais dos contribuintes para apoiar a Eletrobras apenas em 2016.
"A Eletrobras é um buraco sem fundo", disse uma das fontes, que pediu anonimato porque os planos seguem privados.
As ações da Eletrobras têm sustentado a maior parte dos ganhos desde o anúncio da desestatização, o que sinaliza que os investidores esperam que o negócio seja concretizado rapidamente, disse Marcelo Gomes, chefe da unidade brasileira da consultoria empresarial Alvarez & Marsal. Ele recebeu muitas chamadas de clientes ansiosos para saber sobre o plano no dia seguinte ao anúncio.
A disparada aliviou a resistência de acionistas preferenciais da Eletrobras que têm direitos a dividendos especiais e poderiam travar o negócio, disse uma das fontes.
A Presidência da República disse que não iria tratar do tema. O Ministério de Minas e Energia não respondeu a um pedido de comentário.
A Eletrobras disse em nota que não tem como comentar o processo porque o assunto ainda está em debate no governo federal.
Antes de cantar vitória, Temer precisará resolver a intrincada estrutura corporativa da Eletrobras para viabilizar a privatização.
Menos de uma dúzia de autoridades estão trabalhando no plano, que envolverá a cisão de dois ativos estratégicos da Eletrobras que não podem ser vendidos a investidores privados: a subsidiária Eletronuclear, investigada por corrupção nas obras da usina de Angra 3; e a fatia brasileira na hidrelétrica binacional de Itaipu.
O sócio do escritório Siqueira Castro Advogados, Carlos Roberto Siqueira Castro, disse que a depender do modelo a cisão de Itaipu pode exigir aprovação no Congresso ou até uma autorização formal do Paraguai, uma vez que a administração da usina pela Eletrobras consta do Tratado Internacional de Itaipu.
Há dúvidas também sobre a viabilidade de listar a Eletrobras no Novo Mercado, segmento de maior governança da bolsa B3, além de preocupações com o pouco tempo para concretizar o negócio antes das eleições presidenciais de outubro de 2018.
A necessidade de aprovação pelo Congresso também é vista como um assunto delicado, ainda mais dado o potencial explosivo que discussões sobre privatizações de grandes estatais costumam ter no debate político brasileiro.
Uma lei de 1961 que criou a Eletrobras define que o governo precisa deter o controle da companhia, mas uma lei de 1997 poderia abrir espaço para a privatização. O governo também pode colocar um aval à operação em uma medida provisória que deve ir ao Congresso em outubro com propostas de mudanças nas regras do setor elétrico.
"Parece que o plano foi estruturado de trás para a frente, para enfrentar a resistência de qualquer um dos lados envolvidos", disse o sócio da consultoria Modena Capital, Marcos Elías, que alertou a seus clientes com antecedência sobre a possibilidade de a Eletrobras ser privatizada.
O fim do controle do governo sobre a Eletrobras também pode obrigar à renegociação de parte dos 48 bilhões de reais em dívidas da companhia para evitar um vencimento antecipado, disse uma das fontes.
A Eletrobras também precisará explicar como pretende lidar com 65 bilhões de reais em contingências para as quais não foram feitas provisões.
O anúncio sobre a desestatização na semana passada, após o fechamento do mercado, surpreendeu até executivos da Eletrobras, refletindo a preocupação do governo em manter a proposta em sigilo para evitar resistências que poderiam interromper o processo, disseram as fontes.
Além disso, o modelo previsto para a privatização pode levar a uma alta de curto prazo nas já elevadas tarifas de eletricidade do Brasil, o que também pode gerar resistência de consumidores residenciais e industriais ao negócio, disseram analistas.
Há expectativa ainda de que caciques políticos do partido de Temer tentem excluir subsidiárias da Eletrobras da privatização, como Chesf, Furnas e Eletronorte, disse o analista do Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves.
Embora o forte envolvimento da Eletrobras com a política date desde a proposta de sua criação, por Getúlio Vargas, em 1954, o impacto do ativismo estatal sobre a companhia aumentou principalmente nos últimos cinco anos, quando a antecessora de Temer, Dilma Rousseff, forçou a companhia a assumir perdas para bancar uma forte redução nas tarifas em 2013.
O movimento levou a estatal a acumular bilhões de prejuízos entre 2012 e 2015 e facilitou a decisão da atual gestão pela venda do controle da companhia.
A privatização é uma ideia mais atraente para o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., do que planos anteriores do governo que previam a venda de grandes hidrelétricas e linhas de transmissão da empresa, disseram as fontes.
O plano deve permitir que o executivo, que veio da privada CPFL Energia, dê continuidade ao projeto de reestruturar a elétrica em sua gestão, iniciada em meados do ano passado.
Segundo as fontes, o executivo e o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, divergiram sobre como conduzir a recuperação da Eletrobras. Enquanto o ministro queria ampliar as vendas de ativos, Ferreira argumentou que isso poderia matar a companhia.
No fim, a visão de Ferreira prevaleceu, porque ele conhece melhor a companhia e sabe que os problemas só iriam piorar se a Eletrobras fosse "desmantelada", disse uma das fontes.