SEDE DO NYT: no mês passado, o jornal chegou a 5 milhões de assinantes. (Jeenah Moon/The New York Times)
Janaína Ribeiro
Publicado em 16 de março de 2020 às 20h00.
Última atualização em 16 de março de 2020 às 20h03.
A primeira vez que encontrei A.G. Sulzberger, editor do "The New York Times", tentei contratá-lo.
Isso foi nos dias mais difíceis da mídia digital em 2014, e eu estava no BuzzFeed News, uma das poucas startups se preparando para passar por cima das empresas de mídia tradicionais e moribundas como o "The Times".
As ações do "The Times" ainda estavam em baixa, e a empresa tinha vendido tudo, menos seus móveis, para continuar pagando pelo jornalismo.
Sulzberger, então o provável futuro líder do jornal, educadamente recusou minha oferta. E hoje, depois de oito anos como editor-chefe do BuzzFeed, sou seu empregado, o novo colunista de mídia.
Estou ocupando o cargo iniciado há uma década por David Carr, o falecido colunista que narrou a explosão de novos canais on-line. Meu foco provavelmente será o oposto: a consolidação de tudo, de filmes a notícias, à medida que a indústria da mídia é esvaziada pelas mesmas forças ricas e vencedoras que remodelaram os negócios, desde companhias aéreas até indústrias farmacêuticas.
E a história de consolidação na mídia é a história da própria publicação.
O abismo entre o "The Times" e o resto da indústria é vasto e continua crescendo: a empresa agora tem mais assinantes digitais do que o "The Wall Street Journal", o "The Washington Post" e os 250 jornais locais da Gannett combinados, de acordo com os dados mais recentes. E emprega 1.700 jornalistas – um número enorme num setor em que o emprego total nacionalmente caiu para algo entre 20 mil e 38 mil.
O "The New York Times" domina tanto o negócio de notícias que absorveu muitas das pessoas que já o ameaçaram: os ex-editores de Gawker, Recode e Quartz estão todos aqui, assim como muitos dos repórteres que iniciaram o Politico, leitura obrigatória em Washington.
Passei toda a minha carreira competindo com o "The Times"; portanto, trabalhar nele é um pouco como ceder. E me preocupa que o sucesso do jornal esteja esvaziando a competição.
"O 'The New York Times' será basicamente um monopólio. Vai ficar maior e o nicho vai ficar mais nicho, e nada mais vai sobreviver'', previu Jim VandeHei, o fundador do Axios, que começou em 2016 com planos de vender assinaturas digitais, mas ainda não o fez.
Janice Min, a editora que criou a ''Us Weekly'' e reinventou ''The Hollywood Reporter'', disse que a ampliação do mix de conteúdo do "The Times" representa um obstáculo formidável para outros negócios de assinatura digital.
"Como estamos falando do setor de publicação, ainda é meio triste, mas, nesse universo paralelo, as pessoas falam do 'The New York Times' da maneira como o pessoal de Hollywood fala da Netflix. É a cauda que abana o cão, e é também o cão", disse Min.
A ascensão do "The Times" de gigante ferido a colosso reinante tem sido tão magnífica quanto a de qualquer startup. Recentemente, em 2014, a publicidade impressa estava entrando em colapso e a ideia de que os assinantes pagariam o suficiente para apoiar o caro setor de notícias globais do jornal parecia um sonho.
"Vendemos cada pedaço da empresa que poderia ser vendido, para manter nosso investimento em jornalismo o mais estável possível. Todas as pessoas inteligentes da mídia pensavam que era loucura, todos os nossos acionistas pensavam que era financeiramente irresponsável", disse em entrevista Sulzberger, que se tornou editor em 2018.
Apenas alguns anos depois, em meio a uma crise aprofundada no jornalismo americano, que é constantemente atacado pelo presidente dos Estados Unidos, as ações do "The Times" se recuperaram e a redação adicionou 400 funcionários. O salário inicial da maioria dos repórteres é de US$ 104.600 anuais.
O jornal agora está comprando, discretamente, o domínio em uma indústria adjacente: o áudio. Está em negociações exclusivas para adquirir a Serial Productions, o estúdio de podcasts inovador que já conta com mais de 300 milhões de downloads.
A compra exige muito dinheiro: a Serial estava à venda pelo preço avaliado de cerca de US$ 75 milhões, de acordo com duas pessoas que têm informações sobre o negócio, embora o "The Times" deva pagar bem menos. (Foi o "The Wall Street Journal" que informou que a Serial estava à venda.)
O acordo, juntamente com The Daily, o popular podcast do "The Times", poderia formar a base para um novo produto ambicioso – como os aplicativos Cooking e Crossword da empresa –, que os executivos acreditam que poderia se tornar a HBO dos podcasts.
Quando falei com Sulzberger, lembrei-me de outras figuras dessa economia digital que tiveram sucesso em escala e velocidade vertiginosas, e mesmo assim não conseguem acreditar quando se menciona a palavra "monopólio".
Ele vê muita concorrência para o "The Times" – citou notícias a cabo, embora seu futuro seja incerto. Além disso, diz ele, os americanos comprarão mais de uma assinatura de notícias. Ele acredita que o "The Times" não está dominando o mercado, mas sim criando um.
"O que realmente acho que você está vendo não é uma dinâmica vencedora – o que você está realmente vendo é uma maré crescente que eleva o dinamismo de todos os barcos", disse Sulzberger.
Seu otimismo é compartilhado, pelo menos publicamente, pelo pequeno punhado de organizações de notícias que subsistem com assinaturas locais.
"O 'The Times' mostrou ao resto da indústria um caminho para algum sucesso", disse Brian McGrory, editor do "The Boston Globe", que conta com mais de cem mil assinantes digitais.
Os executivos do "The Times" dizem que também estão procurando uma maneira de ajudar seus primos mais fracos, dada a ameaça que o colapso do jornalismo local representa para a democracia.
"Mas, como dizem nos aviões, coloque sua própria máscara de oxigênio antes de começar a ajudar os outros", disse Mark Thompson, executivo-chefe do jornal.
Como o "The Times" agora ofusca grande parte do setor, as batalhas culturais e ideológicas que costumavam eclodir entre organizações de notícias – como talvez dizer que o presidente Donald Trump mentiu – agora são travadas dentro do jornal.
E este englobou tanto do que antes era chamado de nova mídia que pode ser visto como uma competição inquietante de tradições díspares: a seção Style é um Gawker mais polido, enquanto as páginas de opinião refletem o melhor e o pior das provocações da "The Atlantic". A revista publica argumentos ousados sobre raça e história americana, e a cobertura da campanha presidencial canaliza a agressividade do Politico.
Estou orgulhoso de deixar o BuzzFeed News como uma das redações fortes e independentes que ainda perseveram em meio aos escombros da consolidação. Mas sinto falta do momento, há dez anos, em que estávamos entre uma onda de novos jogadores reimaginando o que as notícias significavam.
Meu trabalho como colunista do "The Times" será emocionante e desconfortável – cobrindo essa nova era da mídia de dentro de um de seus titãs.
E espero que a era anterior da inovação não tenha existido apenas para criar uma equipe agrícola e algumas lições para o jornal equivalente ao New York Yankees de 1927.
"O fosso é tão grande agora que não consigo ver ninguém entrando nele. Não há nenhuma coisa nova aparecendo. E o editor do BuzzFeed News, que provavelmente era o principal insurgente, está escrevendo esta coluna no 'The New York Times'", disse em entrevista Josh Tyrangiel, ex-vice-presidente sênior de notícias da Vice, que agora está produzindo televisão e documentários.