BRF: até as 12h desta sexta-feira as ações da companhia estavam em queda de 1,6% (Germano Lüders/Exame)
Denyse Godoy
Publicado em 31 de maio de 2019 às 12h26.
Última atualização em 31 de maio de 2019 às 16h07.
Esqueça picanhas, sobre-coxas ou hambúrgueres. A principal razão para as fabricantes de alimentos BRF e Marfrig estudarem uma fusão, segundo plano divulgado oficialmente pelas duas empresas na quinta-feira à noite, é financeira. EXAME ouviu executivos, analistas e investidores para entender as motivações da união que criaria um gigante com 28 bilhões de reais de valor de mercado.
A fusão vai ajudar a BRF a cumprir mais rapidamente a meta de reduzir a sua dívida, que atualmente é de 22 bilhões de reais, o equivalente a 7 vezes os ganhos operacionais. Diminuir a alavancagem é uma das principais missões de Pedro Parente, que no ano passado assumiu a liderança do conselho de administração da companhia dona das marcas Sadia e Perdigão colocando fim a uma dura briga de acionistas.
Desde abril de 2018, Parente tenta consertar os erros de gestão que levaram a BRF a registrar em 2016 o seu primeiro prejuízo anual da história, de 372 milhões de reais – ano passado, novo prejuízo, de 4,4 bilhões de reais.
Apesar de todos os esforços, a BRF ficou a 800 milhões de reais de cumprir a meta de vender 5 bilhões de reais em ativos até o final de 2018 para abater a dívida. E os resultados vêm reagindo lentamente: a empresa registrou prejuízo de 1 bilhão de reais no período de janeiro a março deste ano, o terceiro trimestre consecutivo de perdas.
Se concretizada a fusão, a companhia resultante teria endividamento de 3,7 vezes os ganhos operacionais, com receita total de cerca de 80 bilhões de reais. Ajudaria para a conta o fato de o Marfrig ter, no final de março, um endividamento menor, de 2,7 vezes a geração de caixa.
“A nossa primeira impressão é de que a BRF pode se tornar uma empresa mais saudável. A transação poderia trazer uma melhora na nota de crédito da empresa e redução de despesas financeiras no futuro”, os analistas do banco Credit Suisse escreveram em relatórios a clientes hoje.
Do lado operacional, entretanto, sobram dúvidas. A operação surpreendeu porque significa uma forte guinada nas estratégias que as duas empresas vinham adotado.
Ainda tentando reorganizar a sua longa e complexa cadeia produtiva, que junta uma operação agropecuária com uma industrial, a BRF dizia nos últimos meses que pretendia focar no que sabia fazer melhor, criar frangos e porcos, e simplificar as suas operações. Uma volta ao essencial, como seus executivos não cansavam de repetir. Esse processo de reorganização está apenas no meio. Na Marfrig, o plano era acelerar a expansão internacional.
Não queria, agora quero
Com a transação, as duas companhias vão reincorporar atividades das quais haviam se livrado porque não se encaixavam bem nos seus negócios.
Por alguns anos, analistas do mercado financeiro especularam sobre a possibilidade de uma fusão entre a BRF e a produtora de carne bovina Minerva, a terceira maior do país. A BRF chegou a deter uma participação de 6% na Minerva, sua mais importante fornecedora de carne bovina, mas a ideia de uma união nunca se materializou.
A Marfrig, por sua vez, teve a sua própria uma BRF. Em 2009, comprou a produtora de frango, suínos, embutidos e pratos prontos Seara da americana Cargill por 900 milhões de dólares. Por causa do alto endividamento e com dificuldade para integrar as operações, vendeu a Seara quatro anos depois para a JBS por 5,8 bilhões de reais.
No final do ano passado, em meio aos esforços para reduzir o seu endividamento, a BRF vendeu para a Marfrig a sua subsidiária argentina de carne bovina QuickFood e uma fábrica de hambúrgueres, almôndegas e quibes bovinos em Mato Grosso. A BRF e a Marfrig também fizeram uma parceria para distribuir juntas esses produtos em quiosques nos supermercados. Foi então que as duas produtoras de alimentos começaram a conversar sobre a possibilidade de se unirem definitivamente.
Para a Marfrig, a fusão é a chance de dar o salto global que a empresa tanto ensaiou e deixou escapar quando vendeu a Seara. Depois de anunciar a venda de unidades na Europa e na Tailândia, a BRF vê na Marfrig a oportunidade de ganhar terreno nos Estados Unidos e no restante da América Latina, onde a sua potencial nova sócia é bem forte.
Essa diversificação geográfica ajuda a companhia a diminuir riscos e amortecer eventuais perdas de receita quando enfrenta alguma dificuldade específica em determinada operação. No ano passado, por exemplo, unidades produtoras de frango da BRF foram impedidas de vender para a Europa por causa de questionamentos de qualidade decorrentes da Operação Carne Fraca da Polícia Federal, que investigava a falsificação de laudos sanitários.
O mercado de carnes e derivados está sempre sujeito a imprevistos. O da vez é a peste suína na China, que favorece essa operação ao aumentar a demanda do país asiático por carne importada. “Estima-se que leve pelo menos dois anos para a matriz suína se recuperar na China”, diz Illan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
A disparada neste ano de quase 50% no preço do milho, a principal base da ração animal, também pode ser mais bem enfrentada por uma empresa com maior poder de negociação com os fornecedores.
Como as fábricas devem continuar separadas, já que os processos de processamento de frangos, suínos, bovinos, peixes e frutos do mar – que a Marfrig produz no Chile – são muito diferentes, as possibilidades de ganhos com a integração de operações são limitadas. As maiores oportunidades aparecem nas áreas administrativas, de marketing, distribuição e comercialização, e na compra de insumos.
Mas nada que incite um otimismo entre analistas. “Temos opinião mais cautelosa aqui por conta da falta de sinergias vista nas últimas transações do setor, como a compra da Seara pela Marfrig e a fusão da Sadia com a Perdigão”, Thiago Duarte e Henrique Brustolin, analistas do banco de investimentos BTG Pactual, escreveram em relatório a clientes hoje.
O grau de aprendizado da BRF e da Marfrig com as suas recentes agruras vai determinar o sucesso ou fracasso da nova tentativa. Os acionistas da BRF não estão exatamente otimistas: até as 12h desta sexta-feira as ações da companhia estavam em queda de 1,6%.