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Zara quer combater trabalho escravo, sem ser vinculada a ele

Marca é suspensa do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, enquanto investe em ações de combate à prática e contesta, na Justiça, as acusações levantadas contra ela


	Zara quer anular na Justiça os 48 autos de infração pela prática de trabalho escravo em oficinas subcontratadas pela rede
 (Alexander Joe/AFP)

Zara quer anular na Justiça os 48 autos de infração pela prática de trabalho escravo em oficinas subcontratadas pela rede (Alexander Joe/AFP)

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Da Redação

Publicado em 24 de agosto de 2012 às 14h58.

São Paulo – A Zara vive uma aparente contradição em um tema espinhoso: seu suposto envolvimento com um caso de trabalho escravo. De um lado, a empresa quer mostrar que apoia o combate à prática, e já investiu 1,3 milhão de reais no amparo de imigrantes e na capacitação de mão-de-obra. De outro, foi suspensa do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por afirmar que a “lista suja” de empresas envolvidas nestes casos é inconstitucional – uma lista em que corre o risco de entrar, caso a Justiça decida que as acusações que pesam contra ela são pertinentes.

O dilema mostra como a Zara tem atuado, desde a eclosão de suspeitas sobre seu envolvimento em um caso de violação de direitos trabalhistas. Entre junho e agosto do ano passado, equipes de fiscalização em São Paulo encontraram funcionários em condições precárias em oficinas da AHA Indústria e Comércio de Roupas, contratada pela Zara para a produção de suas peças.

Em documento da Justiça do Trabalho ao qual EXAME.com teve acesso, a varejista pede a anulação de todos os 48 autos de infração recebidos. Entre outras irregularidades, os autos apontam a imposição de jornadas excessivas, a manutenção de ambientes insalubres e o pagamento de salários baixíssimos a empregados não regularizados, bolivianos em sua maioria.

Uma das principais alegações da Zara é que os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego teriam partido do pressuposto que os funcionários da AHA seriam efetivamente colaboradores da Zara, "extrapolando os limites de sua competência” e deixando de autuar a verdadeira empregadora. Por isso, a Zara sustenta que a apuração teria sido enviesada desde o começo, feita com o objetivo de incriminá-la, apenas.

"Não obstante a AHA ser fornecedora de diversas outras marcas, a fiscalização imputou a responsabilidade jurídica e exclusiva sobre a Zara, não tendo a AHA sofrido qualquer tipo de punição, nem tampouco as outras marcas", diz trecho do processo movido pela empresa, elaborado pelo escritório Machado Meyer.

O fato de a AHA ter regularizado o registro dos seus colaboradores durante a fiscalização mostraria, sempre segundo a Zara, que a subcontratada teria reafirmado sua responsabilidade direta, o que teria sido ignorado pelos fiscais. O relatório do MTE, por sua vez, aponta que 91% das peças produzidos pela AHA nos três meses que antecederam as operações eram destinadas à Zara, o que provaria o vínculo da empresa  em um esquema "para encobrir o real empregador e esconder a alocação de trabalhadores em atividades permanentes e essenciais ao objeto de negócio da autuada - a confecção das roupas que comercializava". 

Outra linha de defesa adotada pela Zara é que ela seria uma empresa de comércio e não uma indústria. Portanto, não teria que responder pelo processo de produção das roupas. Caso os autos não sejam anulados pela Justiça, a companhia pede a redução da multa proposta por discriminação dos funcionários, estipulada em 585.330,60 reais, e a não inclusão do seu nome na dívida ativa da União.

Esconde-esconde

A Zara requisitou à Justiça que a análise de todos esses pontos corresse em segredo, alegando que, na época dos flagrantes, o assunto já causara sua cota de estragos: a divulgação na mídia teria acarretado "prejuízos patrimoniais e morais", além de "exposição desnecessária” aos funcionários resgatados de situação irregular.


Mas a Justiça do Trabalho negou o pedido, em uma decisão que acabaria levando à suspensão da Zara do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho. Isso porque no processo que move contra a União, a Zara também pediu o bloqueio da sua possível inclusão na chamada "lista suja". Procurada por EXAME.com, a Zara não comentou o desligamento do Pacto ou o andamento da ação na Justiça, reforçando que não se manifesta sobre processos que ainda estão tramitando.

Criado pelo governo em 2004 para coibir a contratação de mão de obra ilegal, o cadastro funciona como um SPC para os inadimplentes: com o nome sujo na praça, não é possível obter financiamento junto a bancos públicos. A inclusão, é claro, não deixa de arranhar a imagem das companhias. Na atualização semestral da lista, publicada no começo de agosto, a construtora MRV engrossou o rol dos 398 nomes apontados no cadastro. Em dois dias, suas ações mergulharam 9,4%.

A Zara chegou a argumentar que a "lista suja" seria inconstitucional, já que a entrada das empresas acontece antes do julgamento efetivo na Justiça, o que violaria o princípio de presunção de inocência. Disse ainda que sua indicação acarretaria "danos irreparáveis e irreversíveis". A juíza Paula Becker Montibeller acabou concedendo liminar impedindo a inclusão, afirmando que isso poderia penalizar a empresa excessivamente e até atrapalhar o andamento da ação.

A decisão ainda pode ser modificada, mas o que seria uma primeira vitória para a empresa acabou virando outra dor de cabeça. Com o processo público, as investidas da Zara no sentido de questionar a "lista suja" caíram no colo do Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto de Erradicação do Trabalho Escravo, que não gostou nada de ver a companhia criticar o cadastro. Pressionada pelo Comitê, a Zara não arredou o pé - e acabou sendo afastada do grupo.

Dele, fazem parte empresas como a C&A e grandes empregadoras como Brasil Foods e JBS. Composto pelo Instituto Ethos, Instituto Observatório Social, ONG Repórter Brasil e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto propõe que setor empresarial e sociedade não comprem produtos de empresas que usaram trabalho escravo em sua cadeia produtiva - a "lista suja" seria uma das principais ferramentas para separar o joio do trigo.

Sob os holofotes

A Zara aderiu à iniciativa em novembro do ano passado, antes mesmo de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho. Se a empresa se esforça nos bastidores para não responder juridicamente pelas irregularidades constatadas, suas contrapartidas sociais sempre foram divulgadas publicamente.

A princípio, o MPT determinou que a Zara pagasse uma indenização por dano moral coletivo no valor de 20 milhões de reais. No acordo fechado em dezembro, ficou estabelecido que o desembolso será de 17% desse valor - ou 3,4 milhões -, revertido em "investimentos sociais". Parte do montante já foi gasto em ações como a regularização de imigrantes ilegais no país e a criação de um fundo de emergência para suprir suas necessidades básicas. Até o meio do ano, a Zara havia feito 260 auditorias completas, abrangendo seus 40 fornecedores e 208 oficinas externas.

Luís Alexandre Faria, auditor fiscal que comandou as investigações envolvendo a varejista, chegou a afirmar à EXAME.com que a conduta da Zara seria "arrojada" e estaria "no caminho certo".

Na visão do Comitê do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo, no entanto, a crítica à "lista suja" não deixaria de representar uma incoerência. No mesmo comunicado em que saudou os projetos da Zara para combater o trabalho escravo, o Comitê disse que a atitude da empresa "afronta" princípios do Pacto e "enseja sua violação".

Segundo balanço anual da empresa, a Zara possui 1.936 funcionários no Brasil. O contingente de envolvidos na produção das peças que levam sua etiqueta é mais de dez vezes superior a esse número. Enquanto segue na luta para se desvencilhar das consequências judiciais da utilização de trabalho escravo em oficinas subcontratadas, a varejista aguarda, em silêncio, o desfecho do caso. A próxima batalha entre a empresa e a União está marcada para o dia 13 de setembro, na 3ª Vara do Trabalho de São Paulo.

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