Petrobras: endividada e com pouco dinheiro para investir, a "nova Petrobras", ainda enfrenta o descrédito do mercado financeiro e de parceiros desde a Lava Jato (REUTERS/Paulo Whitaker)
Da Redação
Publicado em 15 de fevereiro de 2016 às 10h48.
Rio e São Paulo - A crise provocada pela queda livre ocorrida nos preços do petróleo desde outubro de 2014 é mais severa no Brasil do que aquela que força empresas produtoras do mundo todo a se adequarem ao cenário adverso, vendendo ativos e cortando custos.
Altamente endividada e com pouco dinheiro para investir, a "nova Petrobras", que começou a surgir sob a gestão de Aldemir Bendine, ainda enfrenta o descrédito do mercado financeiro e de parceiros desde que a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, revelou a existência de um esquema de corrupção envolvendo a empresa e fornecedores.
Para conseguir retomar o crescimento, a Petrobras decidiu encolher de tamanho e abandonar várias áreas de negócio. Na semana passada mesmo, a empresa deu os primeiros passos para sua retirada do setor elétrico e colocou à venda 21 usinas térmicas e gasodutos por onde circula o gás que as abastece.
O foco, agora, é a produção de petróleo, principalmente nas áreas do pré-sal - embora, ao mesmo tempo, haja uma movimentação do governo no sentido de permitir maior flexibilização na operação dessas áreas.
Sem fôlego para investimentos de porte, a Petrobras já não quer dominar todo o elo da cadeia e, na medida em que se retira de projetos, demite e provoca falência de fornecedoras, principalmente no setor naval.
Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), falta estratégia de longo prazo à nova Petrobras, ao contrário do que ocorre com outras empresas.
"A Shell, por exemplo, já produz mais gás natural do que petróleo, porque é mais barato e menos poluente. Ele será o combustível da transição, mas a Petrobras está diminuindo a importância da área, vendendo ativos. Está se tornando uma outsider", pondera o consultor.
O diretor da consultoria MaxiQuim, Otávio Carvalho, diz ainda que "as grandes petroleiras globais possuem um braço petroquímico para que, em momentos como o atual, quando margens de exploração e produção são menores, elas se beneficiem nessa outra ponta".
Flexibilização
Na Petrobras, depois da substituição de toda a diretoria, em fevereiro de 2015, o caminho foi abrir espaço para que outras petroleiras atuem no Brasil e resgatem a indústria fornecedora, que vem minguando. A presidente Dilma, que por anos se negou a atender aos pedidos das estrangeiras para que mais leilões de concessão de reservatórios fossem feitos e para que a operação no pré-sal fosse flexibilizada, já dá sinais de que está disposta a negociar.
A Lei da Partilha (12.351/2010), que trata do pré-sal, define que a Petrobras deve liderar todo o investimento na área, com ao menos 30% de participação nos desembolsos.
Mas Dilma, diante da falta de capacidade de investimento da companhia, tem se reunido com presidentes de multinacionais e com o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, para elaborar um pacote de medidas que, na prática, servirá para acabar com o predomínio da Petrobras no pré-sal e a dependência que os fornecedores têm da estatal.
A flexibilização do setor vai começar pela venda de áreas de pré-sal contínuas a outras, já em fase de exploração e produção. O processo é conhecido tecnicamente como unitização.
Porém, há um impasse sobre quem deve operá-las, se o concessionário do bloco original, se a Petrobras - por ser área de pré-sal - ou uma empresa nova. A dúvida ocorre porque as concessões originais foram feitas antes do marco regulatório do pré-sal, que exige a participação de 30% da Petrobras.
Como solução, o governo planeja realizar um leilão dos blocos de unitização no pré-sal. As companhias vencedoras terão o direito de negociar diretamente com a operadora dos blocos originais um arranjo societário capaz de solucionar o impasse. Como a Petrobras é a dona da maior parte dessas áreas, caberá a ela escolher em quais dessas áreas de pré-sal quer continuar e quais quer vender, dentro do seu plano de desinvestimento.
"O pré-sal é um dos grandes diferenciais da Petrobras, pelo seu custo de produção de US$ 8", afirmou Bendine, ao anunciar os ajustes no plano de investimentos dos próximos quatro anos, em janeiro.
Tamanho
Ao todo, a Petrobras abriu três frentes de atuação para reduzir de tamanho. A estatal planeja vender US$ 57 bilhões do seu patrimônio até 2019, investirá menos e ainda cortará custos operacionais.
A companhia já anunciou o repasse de 49% da subsidiária de distribuição de gás natural, a Gaspetro, para a japonesa Mitsui. Também elaborou um cardápio de ativos dos quais quer se desfazer, incluindo parte da BR Distribuidora.
Em linha com a proposta de focar o investimento na produção de petróleo, já em 2015 começou a priorizar o gasto com obras, em projetos onde está disposta a crescer, na diretoria de exploração e produção. Dos R$ 51 bilhões despendidos em novas construções, 69% foram para essa diretoria, principalmente para o pré-sal.
Segundo análise de Eric Barret, professor do Insper e diretor da consultoria M2M, a área de abastecimento - produção e comercialização de combustíveis -, a segunda a receber mais dinheiro, ficou com apenas 16% do total. A subsidiária de biocombustíveis, a Pbio, responsável pela geração de energia alternativa, ficou sem verba para crescer.
O corte de investimento é bilionário. Até outubro do ano passado, o plano era gastar US$ 23 bilhões de 2015 a 2019. No mês passado, a empresa ajustou o número para US$ 20 bilhões e um valor ainda menor deve ser divulgado até março, já com as projeções para 2020. Os gastos operacionais ainda estão em estudo.
A projeção inicial era de US$ 29 bilhões, mas a Petrobras colocou o orçamento em revisão, sem indicar a que valor vai chegar. A maior parte da economia virá das demissões e reestruturação interna, que está em processo.
Para Adriano Pires, o comando da estatal "abandonou a obsessão ideológica para adotar uma obsessão financista", em referência ao foco em disciplina de capital para diminuir o comprometimento do caixa com o pagamento de dívidas.
"Isso é necessário, mas só faz sentido se estiver incorporado a uma estratégia de longo prazo, para a empresa voltar a ser relevante daqui a cinco anos", reafirma Pires.
"Não adianta capitalizar se não houver definição de futuro. Hoje, os investidores não sabem qual é essa estratégia porque ela não existe", completa.