O que você faz quando está sobrecarregado com a maior dívida da indústria petrolífera, o crédito secou e alguns de seus principais fornecedores estão sob pressão? Você liga para a China.
A estratégia da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de recorrer à China, parceira do BRICS, para financiar a estatal Petrobras, de grande importância para o país, está compensando.
Ela e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, anunciaram um inédito financiamento de US$ 10 bilhões para a Petrobras em um momento crítico para a empresa.
Os empréstimos trazem alívio para a companhia, que pretende deixar para trás a maior crise de seus 62 anos de história.
A Petróleo Brasileiro SA, como a empresa é formalmente conhecida, está no centro de um escândalo de corrupção que provocou arrepios na elite dos negócios e da política do país e praticamente fechou o acesso aos mercados de bonds, enquanto projetos mal planificados causaram US$ 15 bilhões em baixas contábeis.
As denúncias da Operação Lava Jato da Polícia Federal, como a investigação ficou conhecida, forçaram a empresa registrar perdas de US$ 6,2 bilhões ligadas à corrupção no balanço de 2014.
“Isso mostra que a Petrobras está em busca de todas as alternativas que tem à disposição para não ter problemas de caixa neste ano”, disse o analista da corretora Coinvalores, Bruno Caloni, por telefone, de São Paulo.
“Entendo que está sendo construída uma relação de confiança com a China”.
O anúncio de US$ 10 bilhões inclui um empréstimo de US$ 5 bilhões do China Development Bank, dos quais US$ 3,5 bilhões foram desembolsados no mês passado, e dois acordos iniciais que juntos somam US$ 5 bilhões com o Banco Industrial e Comercial (ICBC) e o Export-Import Bank da China.
O valor ultrapassa os US$ 8,5 bilhões obtidos pela Petrobras em março de 2014 em uma captação externa -- a última feita por ela no mercado de dívida internacional.
“O objetivo principal é garantir o fornecimento de petróleo, mesmo que haja um viés político”, disse Reinaldo Ma, sócio da TozziniFreire Advogados.
Laços mais estreitos
Os empréstimos chineses fornecerão parte do dinheiro de que a Petrobras precisa para financiar expansões, disse Danilo Onorino, gerente de portfólio da Dogma Capital SA, que possui bonds da Petrobras.
“A China está ajudando a empresa a executar seus investimentos de capital porque precisará dessa produção extra de petróleo da Petrobras”, disse ele por telefone, de Lugano, Suíça. “Os laços entre a China e o Brasil são mais estreitos do que pensamos”.
Os termos dos acordos não foram revelados nos comunicados de terça-feira.
O diretor financeiro da empresa, Ivan Monteiro, disse a repórteres, na semana passada, que a porção de US$ 3,5 bilhões, anunciada em abril, não envolveu nenhuma negociação por petróleo e que estava conectada a acordos anteriores, sem dar detalhes.
“Esse acordo dá continuidade a uma parceria estratégica”, disse a Petrobras em comunicado, acrescentando que a cooperação entre os dois países está sendo fortalecida. Em um e-mail de resposta a perguntas, a empresa não deu mais detalhes.
Termos desconhecidos
Apesar de os anúncios de terça-feira reforçarem o balanço da Petrobras, ainda há incertezas em relação às garantias exigidas pela China, disse Caloni, da Coinvalores.
“A Petrobras não informou qual é a contrapartida. Este é um ponto que vai exigir maiores esclarecimentos nos próximos dias”, disse Caloni.
Os acordos com a China são simplesmente um novo passo para a reestruturação da Petrobras para financiamento de investimentos, disse o ministro de Minas e Energia do Brasil, Eduardo Braga.
“A Petrobras está promovendo uma nova engenharia financeira”, disse ele a repórteres no Rio, na quarta-feira. “Isso demandará mais medidas, porque esta é uma empresa muito grande que está realizando investimentos muito grandes”.
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1. Parceria
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1/8 (Roberto Stuckert Filho/PR)
São Paulo - A presidente
Dilma Rousseff e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, assinaram nesta terça-feira em Brasília
35 acordos no valor de US$ 53 bilhões. Foram contemplados temas que vão do esporte à carne, passando por energia e
infraestrutura. Grandes empresas como
Petrobras, Vale e Embraer estão envolvidas diretamente. Resta ver até que ponto os investimentos vão sair do papel; o histórico nesse sentido é dúbio. A visita de Keqiang, que incluiu uma comitiva com 150 empresários, acontece
quase um ano após a do presidente Xi Jinping. A
China é nosso principal parceiro comercial, com troca total de US$ 77,9 bilhões em 2014. O Brasil teve superávit de US$ 3,3 bilhões, mas costuma
pedir por mais diversificação e valor agregado na pauta, focada em produtos agrícolas e minério de ferro. Depois de décadas acumulando reservas, os chineses entraram em um plano de internacionalização agressivo. Pela primeira vez, o país deve ser
mais fonte do que destino de investimento, além de ter se tornado
um tipo de proto-FMI que socorre países em dificuldade. Do lado de dentro, o país
está mudando de perfil - menos focado em investimento
e mais em consumo, uma forma de rebalancear uma economia
em franca desaceleração. Veja a seguir 7 dos principais acordos firmados hoje entre
Brasil e China:
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2. Fundo de infraestrutura
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2/8 (Dado Galdieri/Bloomberg)
China e Brasil anunciaram um fundo de US$ 50 bilhões para financiamento de projetos de infraestrutura, assinado entre a Caixa Econômica Federal e o Banco Industrial e Comercial da China. É uma aposta do governo brasileiro para diversificar as fontes de recursos e estimular a atividade econômica em um contexto de piora da liquidez global e crise interna, incluindo aí os efeitos da
Operação Lava Jato. A falta de financiamento é um dos gargalos que impedem a melhora da infraestrutura brasileira e o aumento da taxa de investimento, historicamente baixa na comparação com países desenvolvidos e emergentes. Em meados do ano passado, os
BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) anunciaram um banco próprio de fomento com o mesmo objetivo e capital inicial também de US$ 50 bilhões.
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3. Ferrovia Transoceânica
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3/8 (Bloomberg)
O projeto mais ambicioso (e incerto) do pacote é a
criação de uma ferrovia que cruze o continente, atravesse o Peru e permita um canal de escoamento das
exportações brasileiras para a China pelo Oceano Pacífico. Ela começaria no Rio de Janeiro e atravessaria 6 estados, cruzando a Amazônia e a Cordilheira dos Andes; analistas estimam o custo em pelo menos US$ 10 bilhões. O programa de concessões de 2012 já incluía alguns trechos, que não foram licitados.
De acordo com a Folha, as negociações estão avançadas no pedaço entre Goiás e Lucas do Rio Verde (MT), principal trajeto para a produção nacional de grãos. “É um novo caminho que se abrirá para a Ásia, reduzindo distâncias e custos", disse a presidente Dilma Rousseff. Por enquanto, o que foi assinado é um memorando de entendimento para que sejam feitos estudos de viabilidade.
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4. Exportação de carne bovina
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4/8 (Paulo Whitaker/Reuters/Reuters)
Durante a visita do presidente chinês Xi Jinping em julho do ano passado, foi anunciado o fim do embargo chinês à carne brasileira, vigente desde 2012 por causa de um caso não confirmado de mal da vaca louca. Agora,
foi assinado o protocolo sanitário habilitando os primeiros 8 frigoríficos brasileiros, e mais 9 já estão na lista: “É o marco jurídico necessário para a retomada da exportação de carne bovina para a China, de forma sustentável, que será implementada com a habilitação feita pela China dos primeiros oito estabelecimentos brasileiros (...) vamos liberar [os próximos] de forma bem acelerada.”, disse Dilma. O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, mas o volume fechou o primeiro trimestre de 2015 com queda de 17,6% em relação ao mesmo período do ano passado,
segundo a ABIEC. Os frigoríficos dispararam na Bolsa com a notícia e cálculos antigos estimam que as exportações do produto podem ser
30 vezes maiores com a liberação.
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5. Financiamento da Petrobras
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5/8 (Germano Lüders/EXAME)
Os acordos com a China também incluem US$ 7 bilhões em financiamentos para a Petrobras: US$ 5 bilhões pelo Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e US$ 2 bilhões para financiamento de projetos com o Banco de Exportações-Importações da China (China Exim), além de um "acordo de cooperação para a criação de relacionamento de longo prazo". No começo de abril, o CDB
já havia emprestado US$ 3,5 bilhões para a empresa com termos não divulgados. A China tem um histórico longo de ajuda a países e companhias em dificuldades financeiras, incluindo Argentina, Venezuela e Rússia. De acordo com a presidente Dilma, os empréstimos refletem confiança na empresa e colaboram para o fortalecimento do pré-sal. Duas empresas chinesas, a CNPC e a CNOOC, já estão ao lado da Petrobras no campo de Libra, com 10% de participação cada uma.
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6. Navios da Vale
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6/8 (Paulo Whitaker/Files/Reuters)
A China absorve metade do minério de ferro exportado pela
Vale, e a meta da empresa é
duplicar esse volume de vendas no período de 4 a 5 anos. É neste contexto que a empresa acaba de
fechar um acordo para vender 4 navios gigantes (VLOCs), conhecidos como Valemax, para a China Merchants Energy Shipping (CMES). O entendimento começou em setembro e deve ser concluído nos próximos meses. A Vale também informou que concluiu a venda de quatro VLOCs para a China Ocean Shipping Company (Cosco), o maior armador e transportador de granéis sólidos da China, uma transação de US$ 445 milhões. No início do ano, os navios Valemax passaram a ser autorizados a se atracar na China após um período de resistência das duas companhias chinesas.
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7. Aviões da Embraer
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7/8 (Reprodução/Youtube)
Um dos acordos assinados hoje é para que a
Embraer exporte 40 aviões E-195 para a Hainan Airlines, maior companhia privada aérea chinesa. O valor do négocio é de até US$ 1,3 bilhão e será financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (
BNDES) e pelo Banco de Exportações-Importações da China (China Exim). A primeira etapa, com venda de 22 aviões, já estava prevista em uma lista firmado em julho do ano passado entre os dois bancos durante a visita do presidente Xi Jinping. "Trata-se do primeiro acordo de financiamento do BNDES para exportações de aeronaves brasileiras com a China e envolverá, na etapa inicial, até dez aeronaves entre 2016 e 2017", disse o banco brasileiro em nota.
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8. Compra do banco BBM
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8/8 (.)
O Banco de Comunicações da China (BoCom), estatal e o 5º maior do país, escolheu o Brasil para fazer sua primeira aquisição no exterior. O BoCom
comprou o controle de 80% do capital do banco brasileiro BBM, que tem sede no Rio de Janeiro e foco em crédito e finanças privadas. Seus ativos são de R$ 3 bilhões, mas o valor da transação não foi revelado e é estimado em R$ 525 milhões. A compra ainda precisa passar pelo crivo das instituições regulatórias de ambos os países. "As crescentes e sólidas relações econômicas entre Brasil e China seguirão gerando oportunidades para a construção de instituições financeiras cada vez mais fortes e dinâmicas, capazes de oferecer crédito e serviços a clientes brasileiros e estrangeiros em todo o país", afirmaram as instituições em comunicado conjunto.