Plataforma da Petrobras na Baia da Guanabara: a estatal deve gastar pelo menos 4,5 bilhões de reais em bônus pelo terreno que já lhe pertenceu (Dado Galdieri/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 21 de outubro de 2013 às 08h35.
A Petrobras terá de desembolsar no leilão desta segunda-feira pelo menos 4,5 bilhões de reais em bônus de assinatura por uma área que já lhe pertenceu.
Limitações na exploração do bloco BS-4, na Bacia de Santos, levaram a anglo-holandesa Shell, a Petrobras e a norte-americana Chevron a devolver uma área onde nove anos mais tarde, sob a camada de sal, foi descoberto o gigante prospecto de Libra, afirmaram à Reuters fontes com conhecimento direto do assunto.
O poço 1-SHELL-5-RJS, fechado e abandonado, está dentro dos limites da área que será licitada pelo governo, mostra relatório sobre Libra elaborado pela consultoria norte-americana IHS Cera, que abriga o maior banco de dados de petróleo no mundo.
Sob operação da Shell, o poço foi perfurado em 2001 muito próximo ao poço da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) que nove anos mais tarde descobriria Libra.
O governo separou Libra, a maior descoberta já realizada no Brasil, com volume de óleo recuperável entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris, para licitar nesta primeira rodada do pré-sal, que estreia o regime de partilha da produção no país. O leilão está marcado para a tarde desta segunda-feira, no Rio de Janeiro.
O relatório da IHS Cera obtido pela Reuters aponta que o poço da Shell atingiu uma profundidade total de quase 4 mil metros, enquanto o poço descobridor de Libra, anos depois, chegou à profundidade de 6 mil metros.
Uma fonte com conhecimento direto do assunto disse à Reuters que a Shell não atingiu o objetivo de profundidade que seria necessário no BS-4 porque usou equipamento que teria sido inadequado. Este seria o argumento de alguns executivos da estatal brasileira contra eventuais negociações entre a Petrobras e a Shell para formar um consórcio no leilão desta segunda.
"Foi um descuido que vai custar caro à Petrobras", disse essa fonte, sob condição de anonimato.
Procurada, a Shell informou que, quando o bloco BS-4 foi parcialmente devolvido, "o consórcio operador tomou a decisão de focar nas consideráveis descobertas já confirmadas no pós-sal". Naquela época, segundo a Shell, "a indústria não reconhecia o potencial do pré-sal na região".
A legislação brasileira determina que após alguns anos explorando um bloco, as petroleiras devem delimitar uma parte da área para mantê-la sob concessão. Outra parte, sem descobertas ou interesse relevante, deve ser devolvida à ANP. Se avaliarem mal uma área, as concessionárias podem acabar devolvendo ao governo reservas desconhecidas de petróleo.
"Naquela época, o pré-sal já era uma forte possibilidade, mas ainda não era o objetivo das petroleiras e com isso vários blocos, ou parte deles, como neste caso, foram devolvidos à ANP, por causa dos prazos exploratórios", disse outra fonte, que acompanhou o assunto na época.
Alguns anos mais tarde, as petroleiras descobriram petróleo no bloco BS-4, mas foi fora da área de Libra, em objetivos que deram origem aos campos de Atlanta e Oliva.
Shell, Petrobras e Chevron acabaram vendendo suas fatias no BS-4. Queiroz Galvão, Barra Energia e mais recentemente a OGX assumiram os direitos de concessão do bloco.
Com o fim do monopólio estatal no final da década de 1990, a Petrobras precisou negociar parcerias com outras petroleiras para dar conta das metas exigidas pelo governo na exploração de vários de seus blocos de petróleo. Uma destas parcerias foi firmada com a Shell e a Chevron no BS-4.
A partir de 2000, a indústria do petróleo já possuía estudos sísmicos capazes de identificar petróleo abaixo da espessa camada de sal. Mas os desafios operacionais impostos pelas condições de temperatura e pressão desanimaram muitos geólogos a prosseguir os trabalhos em profundidades maiores, lembra a fonte.
Várias áreas com potencial de acumulações no pré-sal foram devolvidas no começo dos anos 2000 por falta de descobertas efetivas de petróleo.
As primeiras descobertas do pré-sal da Bacia de Santos ocorreram em meados da década passada, com o reconhecimento de jazidas enormes como Tupi, depois rebatizado de Lula. Mesmo assim, uma parte do entorno de Tupi também teve de ser devolvido pela Petrobras, porque a legislação determina que as petroleiras não podem ficar com toda a concessão após determinado período de tempo.
DIVISÃO NA PETROBRAS Por estas e outras razões, o leilão de Libra sofre restrições não apenas dos operários ligados às manifestações sindicais, mas também de executivos da própria Petrobras. Há um grupo na estatal que é contra o leilão.
Uma terceira fonte consultada pela Reuters afirma, porém, que o episódio foi superado e lembra que Petrobras e Shell formaram parcerias posteriores ao insucesso no poço do bloco BS-4.
Procurados, representantes da Petrobras não foram encontrados para comentar o assunto.
O leilão de Libra ocorrerá em meio a uma onda de protestos, liminares na Justiça tentando barrá-lo e uma greve que afeta as atividades da Petrobras desde a semana passada.
O regime de partilha a ser adotado agora é considerado bem diferente dos outros realizados no Brasil, e é apontado por executivos como inédito no mundo, especialmente pelo forte controle estatal. A Petrobras terá pelo menos 30 por cento dos direitos sobre Libra e, com recém-criada estatal PPSA terá a maioria dos votos para decidir os planos para a área.
Em um modelo de licitação em que o bônus é fixo --15 bilhões de reais no total--, quem oferecer a maior parcela de óleo à União ganhará a licitação. A parcela mínima que caberá ao governo federal é de 41,65 por cento do petróleo de Libra, descontados os custos de produção.