Comunidade de pescadoras de algas de Itapipoca, no Ceará, é fornecedora da L’Occitane au Brésil.
Repórter
Publicado em 2 de janeiro de 2025 às 14h00.
A comunidade de pescadoras de algas de Itapipoca, no Ceará, não imaginava que a matéria-prima que estavam habituadas a pescar poderia servir de base para a indústria cosmética. "A gente não tinha esse conhecimento, de que a alga poderia gerar um produto como um creme”, diz Branca, uma das pescadoras da comunidade. Essa descoberta foi possível com a aproximação da marca de produtos de higiene e beleza L’Occitane au Brésil.
Amparada em pesquisas que mostram que o uso de algas tropicais em cosméticos pode desencadear uma melhora da irrigação da pele, levando nutrientes para a região aplicada, a empresa passou a utilizar as algas marinhas do Ceará em sua linha Mareô.
A colheita, feita de forma sustentável e por uma comunidade de mulheres, acontece quando a maré está baixa. Depois, as algas passam pela secagem, também na comunidade e, em seguida, as plantas são enviadas para um fornecedor da L’Occitane au Brésil, a Assessa, que as transforma no extrato presente nas fórmulas dos produtos. “Mudou muito a nossa vida [vender as algas para a produção de cosméticos], porque a gente não tinha renda fixa”, comenta a pescadora Quinha. “Depois que descobrimos essas algas, a gente nem consegue comparar com antigamente, mudou muito a nossa vida financeira.”
A L’Occitane au Brésil diz fazer um acompanhamento técnico contínuo junto à comunidade, com visitas de monitoramento do engenheiro florestal responsável pelo desenvolvimento da cadeia de fornecimento. Nesse acompanhamento são realizadas oficinas de boas práticas de manejo e a reciclagem de técnicas para o manejo sustentável das espécies.
Fornecer para grandes empresas pode ser transformador, do ponto de vista social e econômico, mas também é um desafio que envolve atender a rigorosos requisitos de qualidade, lidar com prazos, volumes expressivos e contratos complexos.
Assim, com o objetivo de preparar melhor as pequenas empresas para atuarem com mais excelência no mercado, existem diferentes iniciativas no Brasil. Um exemplo é a parceria entre a organização não governamental Aliança Empreendedora, o Sebrae e a Coca-Cola. O projeto “Coca-Cola dá um gás no seu negócio” oferece cursos de capacitação para microempreendedoras. Desde 2022, 7,3 mil mulheres foram capacitadas, em 8 estados de 4 regiões brasileiras. “O foco no público feminino foi uma escolha estratégica, pois acreditamos que apoiar o empreendedorismo entre as mulheres ajuda a impulsionar suas comunidades e contribui para a equidade de gênero no ecossistema empreendedor”, explica Lina Useche Kempf, cofundadora e head de relações institucionais da Aliança Empreendedora.
Renato Perlingeiro, gestor do programa Conexões Corporativas do Sebrae, que existe há 30 anos e articula esse tipo de parceria entre grande empresa e pequenos negócios, observa uma demanda grande de jornadas e projetos que levam intervenção estruturada para o empreendedorismo feminino. “Nosso objetivo é garantir que esses empreendedores, em especial as mulheres em situação de vulnerabilidade, possam ter acesso a ferramentas que contribuam para a autonomia financeira e para o crescimento de suas iniciativas”, afirma Kempf.
O objetivo central do Conexões Corporativas é buscar, de forma conjunta com grandes empresas, desenvolver pequenos negócios que estão na cadeia dessas grandes empresas em diferentes regiões do Brasil. “O Sebrae faz a intervenção nesses pequenos negócios que já estão na cadeia de valor da grande empresa ou que têm potencial de ser fornecedor dessa grande empresa”, explica Perlingeiro. A dinâmica geralmente começa com a identificação de oportunidades, segue com a priorização das necessidades de melhoria da cadeia de fornecimento para, então, se desenhar o projeto, que pode ser de conexão digital, de inovação aberta, modelagem tecnológica, de crédito ou de melhoria da maturidade de gestão.
Em 30 anos, o Conexões Corporativas soma 780 iniciativas em 25 estados, com mais de 10,1 bilhões de reais em negócios gerados, mais de 398 milhões de reais investidos, 541 grandes empresas parceiras, mais de 141 mil negócios atendidos presencialmente e mais de 1,6 milhão de empresários impactados no digital.
Os projetos atendem uma diversidade de setores, como moda, construção civil, celulose, mineração, serviços, varejo, indústria de alimentos, indústria de bebidas e o agronegócio. “Uma mesma metodologia permite construir projetos em diferentes setores”, explica Perlingeiro.
Além do programa com a Coca-Cola, outra iniciativa nesse sentido é o Programa Semear, criado em 2022 por meio de uma parceria entre o Sebrae e a produtora de celulose Suzano. Voltada para o desenvolvimento das comunidades onde a empresa possui atuação, a iniciativa visa contribuir para a economia local.
A primeira edição foi focada na parte de logística de madeira, e a segunda – que recebeu o nome Semear Delas – focou em mulheres empreendedoras, beneficiando cerca de 40 moradoras das comunidades onde a Suzano atua. Agora, a terceira edição tem foco na capacitação do setor de transporte logístico. As atividades começaram no início de novembro e terão duração de seis meses, atendendo 60 empreendedores da região Tocantina (MA).
Ao todo já foram beneficiados pelo programa 141 empreendedores que são “responsáveis oficiais das transportadoras de madeira” e, desse total, cerca de 77% são mulheres.
Claudia Vargas Rocha, gerente de operações florestais da Suzano, explica que os principais gargalos enfrentados pelas pequenas empresas para fornecer
para grandes empresas geralmente estão relacionados a questões como capacitação técnica, adequação às exigências de qualidade e gestão eficiente. “Em todos os cursos oferecidos, a Suzano tem como prioridade garantir que os participantes recebam uma formação de excelência, com conteúdo e metodologias que proporcionem o desenvolvimento de habilidades práticas e teóricas de alta qualidade”, afirma.
“A empresa se dedica a proporcionar não apenas o aprendizado técnico, mas também as aptidões necessárias para que seja possível aplicar o conhecimento adquirido com confiança e competência no mercado de trabalho. Cada curso é cuidadosamente estruturado, permitindo que eles se tornem profissionais mais capacitados e preparados para enfrentar os desafios do dia a dia.”
Fátima Torres, presidente da Unicafes Nacional (União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária), que reúne 700 cooperativas filiadas, totalizando 255 mil pessoas envolvidas, explica que o cooperativismo e a capacitação são de extrema importância para os pequenos produtores poderem alcançar o mercado e fornecer para grandes empresas. “Os pequenos não têm capital, não conseguem sozinhos assessoramento técnico, e através da cooperativa conseguem essa parte de formação técnica, desenvolvimento de produto, de embalagem”, explica. “O custo para contratar esses serviços fica mais baixo.”
Com esse trabalho de reunir os pequenos e capacitá-los, a Unicafes já conseguiu ampliar o mercado desses produtores, que hoje vendem para marcas como as redes de supermercados Carrefour e Pão de Açúcar e a rede de lojas em aeroportos Duty Free.
Hoje, uma das lutas da Unicafes é ampliar a participação feminina nas cooperativas. Hoje está em 30%, e a meta é chegar a 50%. “Por muitos anos o trabalho da mulher foi invisibilizado”, diz Torres.
À frente do Grupo J.Braga, de produção de carnes no Rio Grande do Norte, Jardeline Braga fala dos desafios de fornecer para grandes empresas. Filha mais nova, ela assumiu os negócios da família em 2021, quando seu pai faleceu em função da Covid. “Fui tocar os negócios da família e senti que precisava evoluir em algumas coisas”, conta a empreendedora, que é fisioterapeuta de formação. “Você precisa ter um outro padrão de qualidade para atender as grandes empresas, e tudo faz diferença para a qualidade [da carne] do animal. A grande empresa exige mais, e isso custa, você tem que diminuir margem para chegar às grandes redes, para o produto estar na prateleira mais visível. Mas é bom porque a marca ganha visibilidade.”
As carnes do Grupo J.Braga estão presentes em grandes redes de supermercados regionais e, para aprimorar a qualidade, Braga implementou, com apoio do Sebrae, um sistema na fazenda que permite ter informações em tempo real. “Principalmente na avicultura, era uma dor gigante, a gente ficava às cegas, também no monitoramento do rebanho, onde trabalhamos reprodução natural. Hoje é tudo mapeado”, explica.
Claudia Stehling, coordenadora do núcleo de agronegócio, alimentos e bebidas da unidade de competitividade do Sebrae Nacional, explica que pelo programa Conexões Corporativas a instituição consegue contribuir com os resultados das grandes empresas, trabalhando na cadeia de valor com os pequenos negócios, promovendo melhorias nos processos e capacitação dos empreendedores rurais. “Isso para que possam entregar produtos de melhor qualidade, potencializar sua produtividade, melhorar processos produtivos, entregar mais valor às grandes empresas, e também serem mais bem remunerados”, afirma.
Ela comenta, ainda, que o protagonismo da mulher no agronegócio vem em uma curva crescente. “As mulheres passaram a ocupar um espaço maior e elas vêm buscando conhecimento para se posicionar melhor nas suas atividades, se capacitar, se profissionalizar. Já temos vários casos de sucesso em vários segmentos do agronegócio.”
Jardeline Braga é um exemplo disso. “Enfrentei muitas barreiras por ser mulher”, desabafa a empreendedora. “No início foi difícil, porque vinha com a imagem de menina bonitinha que não sabia fazer as coisas, mas fui mostrando que não era isso, com muita disposição.”
As mulheres empreendedoras estão no foco desta outra parceria do Sebrae, aqui com a indústria de alimentos Kraft Heinz. A iniciativa “Quando eu Quero Acontece”, idealizada pela marca Quero, organizou encontros este ano com 50 mulheres empreendedoras de São Luís (MA) que se dedicam ao preparo e comercialização de alimentos. Elas participaram de palestras e dinâmicas focadas no desenvolvimento de suas habilidades técnicas, emocionais e empreendedoras.
Entre os temas abordados estiveram marketing digital, gestão de empresas, empreendedorismo feminino, gerenciamento da rotina e boas práticas de manipulação de alimentos, além de um desafio proposto pela chef da marca
Quero, Roberta Garcia, com a temática “Milho Quero”. A ideia do desafio foi incentivar as profissionais a usarem a criatividade para preparar uma receita com milho. As cinco cozinheiras com as receitas mais gostosas foram premiadas com uma nova identidade visual para os seus estabelecimentos, além de terem suas receitas presentes no e-book exclusivo que a marca lançará.
Cristina Monteiro, CMO da Kraft Heinz Brasil, explica que o surgimento do projeto vem do reconhecimento da dificuldade das empreendedoras na construção e manutenção de seus negócios. “Quisemos apoiar e oferecer capacitações para que elas toquem os seus negócios ainda mais inspiradas e preparadas para o mercado”, diz.
A escolha pelo Maranhão para a primeira edição se deu pelo estado ter o segundo pior IDH do Brasil, de acordo com o mais recente índice elaborado pelo Atlas do Desenvolvimento no Brasil (Pnud Brasil, IPEA e FJP, com base em dados do IBGE). “Acreditamos no potencial de transformação que podemos gerar enquanto marca e este é o principal objetivo.”
Sheila Souza, empreendedora e participante do projeto, comenta: “Foi sensacional aprender a empreender com profissionais que entendem da área do
empreendedorismo feminino. Além da capacitação, fomos desafiadas a fazer uma receita com os produtos Quero e foi um sucesso ver cada uma de nós mostrando seus dons e talentos na cozinha”, conclui.