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Para sair da lama, Odebrecht passa por auditoria moral, diz especialista

Em entrevista a EXAME, especialista em compliance contratada pela Odebrecht diz acreditar que a Operação Lava Jato trouxe "mudança real" para o país.

Odebrecht: "Uma empresa precisa ter uma missão, mas precisa ser sincera a respeito dela", diz Divers (Nacho Doce/Reuters)

Odebrecht: "Uma empresa precisa ter uma missão, mas precisa ser sincera a respeito dela", diz Divers (Nacho Doce/Reuters)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 25 de junho de 2018 às 06h00.

Última atualização em 25 de junho de 2018 às 10h21.

São Paulo – Depois da Operação Lava Jato, a Odebrecht ficou com a reputação abalada. O pagamento de propina para obras em 12 países e centenas de políticos fez com que a empresa ficasse conhecida em todo o mundo. Agora, a companhia se esforça para arrumar a casa e, aparentemente, está fazendo a lição de casa do jeito certo.

Eles estão buscando as raízes do problema, afirma Susan Divers, especialista sênior da LRN, empresa norte-americana contratada pela Odebrecht para desenvolver treinamentos sobre compliance e ética para funcionários e líderes. Antes da Lava Jato, a corrupção estava tão entranhada na cultura da Odebrecht que ela tinha uma divisão financeira dedicada especialmente ao pagamento de propina.

Em entrevista a EXAME, Divers falou sobre os acertos e desafios da companhia e lembrou outros casos emblemáticos de empresas pegas em práticas corruptas. A especialista já trabalhou em empresas como a AECOM, de infraestrutura, e a SAIC, montadora de Xangai. Já atuou no gabinete do Assessor Legal do Departamento de Estado nos Estados Unidos e foi membro da delegação dos Estados Unidos na ONU, trabalhando na primeira iniciativa do tratado multilateral anticorrupção.

De acordo com ela, a companhia brasileira está levando o processo de transformação a sério, ao invés de “colocar um Band-Aid na ferida”, como fizeram outras empresas envolvidas em escândalos como Volkswagen ou Wells Fargo.

A Operação Lava Jato causou uma profunda transformação na sociedade brasileira, diz Divers, ainda que a Lei Anticorrupção seja recente na história do país. "As pessoas não estão mais dispostas a aturar regimes corruptos como antes. Estão demandando governos mais limpos e isso é uma força bastante grande", diz.

Para a especialista, o maior desafio hoje, em governança, é ir além das leis e fazer o que é certo. Confira os principais trechos da entrevista abaixo.

EXAME - A senhora trabalha com compliance e ética em empresas há 30 anos. Como esses assuntos mudaram nos últimos anos?

Susan Divers - Mudaram profundamente. Quando a LRN foi fundada, há 25 anos, estava muito focada nas regras e nos aspectos legais de conformidade. A solução para cada problema era criar camadas e mais camadas de regras. Mas o funcionário médio nem conseguia entendê-las, porque eram escritas por e para advogados.

Agora, com os últimos escândalos em todo o mundo, Deutsche Bank, do Dieselgate da Volkswagen, da Wells Fargo e na América Latina, as pessoas começaram a reconhecer que essa abordagem não funciona.

As regras funcionam em parte, mas é necessário moldar e promover comportamentos éticos. Se uma organização tem um propósito comum e valores comuns, ela pode moldar as ações dos funcionários e trabalhar em direção ao propósito comum.

A maior parte das empresas possui missão, visão e valores. Está até em suas paredes. Não é o suficiente?

É só o ponto de partida. Uma empresa precisa ter uma missão, mas precisa ser sincera a respeito dela. A Wells Fargo, por exemplo, tinha uma missão, mas não era sincera.

Para ter certeza que a conformidade é operacional, a empresa precisa saber que exemplos está promovendo. É uma coisa dizer que os negócios são íntegros e que a empresa preza pelos clientes. Mas, se você coloca metas de vendas impossíveis de atingir e demite pessoas que fazem perguntas sobre aquelas metas, sua missão e valores são uma mentira.

A lei anticorrupção nos Estados Unidos é mais madura, criada na década de 1970, depois do escândalo Watergate, enquanto que a do Brasil é de 1993. Elas ainda são relevantes?

As empresas evoluíram muito em vários lugares. No Brasil, por exemplo, depois da corrupção exposta na Operação Lava Jato, houve uma mudança real no país, não apenas política, mas também popular. As pessoas não estão mais dispostas a aturar regimes corruptos como antes. Estão demandando governos mais limpos e isso é uma força bastante grande.

A Malásia é um bom exemplo de país onde isso também ocorreu. O primeiro-ministro que era admirado caiu. Na Islândia o primeiro-ministro renunciou por conta do escândalo Panama Papers. Hoje, não é mais apenas sobre a lei, é mais que isso.

Quais são, hoje, os maiores riscos e desafios para as empresas quando se trata de governança e conformidade?

As empresas não podem mais fazer apenas o que é o certo, legal, o mínimo. Elas precisam fazer o que é certo.

Veja o caso da United Airlines. Eles tinham um livro de regras enorme, que fala sobre cada aspecto do contato com o consumidor e passageiro. Ano passado, removeram um médico de um avião à força. Ocuparam as manchetes de jornais pelo mundo e feriram a marca. Depois mataram um cachorro ao colocá-lo no bagageiro. São exemplos de como seguiram as regras, mas não fizeram a coisa certa.

No caso da Odebrecht, a companhia estava intrinsecamente envolvida no escândalo. Havia até um departamento específico voltado ao pagamento de propina. Qual foi o principal erro que a companhia cometeu?

Emilio Alves Odebrecht, filho do fundador da empresa, disse que o que eles faziam acontecia há 30 anos, que era assim que eles faziam negócios [ele deixou o conselho de administração em abril deste ano]. Não era um modelo de negócios sustentável. Quando esse comportamento começa do topo e é sancionado, se torna a cultura da empresa.

Mas a empresa está fazendo um enorme esforço para mudar e encarar a situação. Não está demitindo apenas duas ou três pessoas e dizendo que a transformação está completa. Quando isso acontece em larga escala, seria como colocar um Band-Aid em um ferimento grave.

Temos que dar o crédito por realmente se esforçar para olhar para as raízes do problema e mudar a cultura da companhia, que é o que é necessário quando se leva a transformação da companhia a sério.

Muitos tinham ações não conformes por causa dos resultados, porque era isso que era visto como sucesso. A “cara do sucesso” precisa mudar nas empresas?

O que sucesso significa, para as empresas, tem mudado bastante. Há 20 anos, se você perguntasse a qualquer CEO qual era o seu propósito, ele diria que era melhorar o balanço e lucrar.

Hoje há um reconhecimento maior que lucrar ao destruir o meio ambiente ou participar de esquemas corruptos não é mais um modelo de negócios sustentável. Para continuar a operar no longo prazo, um modelo sustentável inclui pensar no impacto que você tem na sociedade.

A LRN está trabalhando com a Odebrecht para desenvolver treinamentos para os seus funcionários. Qual é o foco desses treinamentos?

Estamos mudando o foco, para ir além de só recitar as regras. Com esse treinamento, queremos exercitar o que chamamos de músculo ético. No passado, os treinamentos consistiam em passar as regras, mas isso não treina como alguém deve se comportar.

No nosso treinamento, passamos por cenários que podem acontecer na vida do funcionário e o incentivamos a pensar. A situação não é preto no branco, porque queremos ensinar os funcionários a serem reflexivos, mais que recitar a lei. Em um dos nossos vídeos, mostramos em dois minutos o impacto da discriminação, racial, de idade, gênero ou orientação sexual, por exemplo.

As empresas afetadas por esses escândalos, como a Odebrecht, podem se recuperar?

O que a Wells Fargo ou a Volkswagen fizeram, quando os escândalos foram divulgados, foi o que levou a tanto o CEO da financeira quanto da montadora a deixarem o cargo. Eles passaram o pano no problema e disseram que os desvios eram causados apenas por alguns funcionários rebeldes. É sempre um erro tomar essa abordagem ao invés de olhar a fundo o que aconteceu e por quê.

Você precisa fazer uma auditoria moral. É um processo doloroso, porque você precisa investigar o comportamento de pessoas sênior e responsabilizá-las. E isso é muito duro. Por outro lado, a Odebrecht está engajada em fazer a diferença e poderá recuperar a confiança do público.

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