Daniel Randon, da Randoncorp: “A lógica hoje é essa: quem estiver melhor preparado para lidar com turbulência vai sair na frente." (Leandro Fonseca /Exame)
Publicado em 10 de abril de 2025 às 10h50.
Última atualização em 11 de abril de 2025 às 10h40.
PORTO ALEGRE (RS) -- A onda de tarifaços dos Estados Unidos e a guerra comercial travada especialmente com a China até podem dar a impressão de que um novo arranjo produtivo global está começando agora. Para Daniel Randon, presidente da Randoncorp — uma das gigantes brasileiras de autopeças —, porém, esse movimento não é propriamente novo. Para ele, a reconfiguração das cadeias já começou com a pandemia e o que acontece agora é uma continuação desse processo.
“A ideia da cadeia global única, que se sustentava antes da pandemia, já não se sustenta mais. As empresas perceberam que não podem depender de uma única origem para seus insumos ou produção”, afirma Randon em entrevista à EXAME durante o South Summit Brazil, evento de inovação que acontece em Porto Alegre nesta semana.
Às empresas, cabe a necessidade de interpretar o cenário da melhor maneira possível e se adaptar. Com cerca de 30% da receita vinda do mercado internacional, a Randoncorp está revendo planos fora do Brasil. Parte do foco se volta aos Estados Unidos, onde projetos que estavam no horizonte para os próximos anos podem ser antecipados.
“Estamos revisitando projetos nos Estados Unidos e pode ser que alguns investimentos sejam antecipados. É o momento de sentar, revisar o cenário e agir”, diz.
O colapso logístico vivido durante a pandemia expôs uma fragilidade estrutural das cadeias longas e concentradas — especialmente nas que dependem de poucos países como fornecedores globais.
“Os países perceberam que não podem depender de um único país. Se esse país para, por uma pandemia ou outro motivo, a empresa fica na mão”, afirma Randon. “Essa discussão começou com a covid e agora foi acelerada pelas tensões comerciais.”
A resposta da Randoncorp foi construir uma presença global com maior exposição local. Hoje, a companhia tem fábricas e centros de distribuição nos Estados Unidos, México, Índia, China e Argentina. A compra da mexicana Kuo Refacciones, feita ano passado por 1,2 bilhão de dólares, reforçou a presença da empresa na América do Norte e deu acesso direto à frota de 55 milhões de veículos do México.
“No México, 90% das vendas são para o próprio mercado interno. Isso cria estabilidade e reduz nossa exposição ao câmbio e às tarifas”, afirma Randon.
Para o CEO, o maior desafio das lideranças hoje é lidar com um mundo que muda de direção com velocidade cada vez maior.
“O vento está a favor, e de repente muda. O que diferencia uma liderança forte é a capacidade de ajustar a vela rapidamente para continuar avançando”, diz.
Randon descreve um ambiente de negócios em que os ciclos são mais curtos e os riscos mais distribuídos. O estudo da antecipação de investimentos nos Estados Unidos, por exemplo, nasce dessa agilidade de revisão.
“A gente tinha alguns investimentos previstos para os próximos anos. Talvez vamos antecipar. O projeto já estava ali — a diferença é que o cenário mudou e ele passou a ser mais estratégico agora.”
Com um plano estratégico de cinco anos e metas operacionais a cada três, a empresa mantém revisões constantes diante da velocidade das mudanças.
“A lógica hoje é essa: tem que chegar no ponto B. A questão é que o caminho muda. A estratégia precisa mudar junto”, afirma.
Quando os grandes entram em conflito, sobram brechas para quem sabe jogar
A escalada tarifária entre EUA e China tem efeitos colaterais para todos os mercados — inclusive o Brasil, que foi incluído na nova tarifa de 10% sobre importações. Ainda assim, Randon enxerga que o momento pode criar janelas para empresas e países menores.
“Quando os grandes brigam, os menores podem encontrar oportunidades. Mas é preciso saber negociar, como o México tem feito. Eles não enfrentam diretamente, mas se movem bem nos bastidores”, diz. “Vejo que estão indo bem nesse aspecto.”
O Brasil, na visão do executivo, ainda precisa construir essa capacidade de reação rápida. “A gente precisa entender que o mundo não vai voltar ao que era. A estrutura das cadeias globais mudou — e vai continuar mudando”, afirma.
Ele reforça que empresas com histórico de internacionalização estão mais preparadas. “Gerdau, WEG, Marcopolo, Randon... São empresas que há décadas se abriram para o mundo. Estão se adaptando porque já estavam no jogo.”
“A lógica hoje é essa: quem estiver melhor preparado para lidar com turbulência vai sair na frente. E a internacionalização faz parte dessa proteção.”