Negócios

País das massas, Itália vive uma guerra pelo melhor biscoito de avelã

As gigantes Ferrero e Barilla estão por trás da competição para abocanhar maior fatia do mercado de lanches italiano

Pan di Stelle: o biscoito com estrelinhas do grupo Barilla agora compete com o Nutella Biscuits (Barilla/Divulgação)

Pan di Stelle: o biscoito com estrelinhas do grupo Barilla agora compete com o Nutella Biscuits (Barilla/Divulgação)

AO

Agência O Globo

Publicado em 26 de dezembro de 2019 às 12h24.

Milão, Itália — Na imaginação popular, a Itália é um país de tomates maduros, massas frescas, azeite e outros itens básicos da dieta mediterrânea. Na prática, italianos cada vez mais corpulentos —  especialmente as crianças — estão unidos por uma fome insaciável de lanches.

O consumo de biscoitos no café da manhã por crianças e adultos está cada vez mais comum. São os chamados merendine, miniaturas industrializadas de tortas e bolos tradicionais italianos. Um mercado disputado pelas gigantes do setor.

Após dez anos de pesquisa e um investimento de US$ 133 milhões, o Nutella Biscuits (controlada pela Ferrero) chegou às prateleiras italianas mordendo uma fatia do mercado do tradicional Pan di Stelle Biscocrema (que pertence ao grupo Barilla), famosa por seus biscoitos redondos de cacau pontilhados com 11 estrelas de açúcar branco.

A guerra entre os cookies é tão forte que chegou até a política. O líder populista Matteo Salvini  postou uma foto sua em um supermercado dividido entre Pan di Stelle e Nutella Biscuits. Isso depois de ter criticado o biscoito da Nutella, quando descobriu que ele era, em parte, feito com avelãs turcas.

E quando o governo considerou criar um imposto sobre o açúcar embutido nos lanches neste ano, o populista rival do país, Luigi Di Maio, ministro das Relações Exteriores e líder do Movimento Cinco Estrelas, fez uma forte oposição.

O resultado é que o orçamento aprovado, na última segunda-feira, inclui o imposto sobre o açúcar, mas este se aplica apenas aos refrigerantes.

A batalha de biscoitos de Natal entre duas pedras culturais e culinárias italianas, Pan di Stelle e Nutella, e suas empresas controladoras atinge a aorta italiana.

— Quando se trata de Barilla e Ferrero, pode haver uma guerra. É uma competição entre os últimos gigantes da comida da Itália que permaneceram italianos —  disse Michele Boroni, especialista em marketing de Milão.

A guerra civil, com filosofias concorrentes em saúde, desmatamento, liberdade e preenchimento de creme, tem raízes no boom do pós-guerra.

O site Merendine Italiane, uma autoridade em lanches italianos, relata que o primeiro lanche italiano foi uma versão em miniatura do bolo de Natal Motta Panettone nos anos de 1950.

Em 1964, o cenário de junk food italiano e global foi transformado por Michele Ferrero, que criou a Nutella. Em 1984, a propagação do creme de  cacau e avelã permeava a cultura italiana, aparecendo até no filme "Bianca", no qual Nanni Moretti, o querido diretor da esquerda italiana, come nu em um barril de Nutella na altura dos ombros.

O mercado de biscoitos ganhou um forte competidor nos anos 1980. Em 1983, a Barilla apresentou aos italianos a Pan di Stelle e seus biscoitos de chocolate para o café da manhã, adquirindo uma legião de fãs.

Na maior parte do tempo, as duas empresas respeitavam as fronteiras uma da outra. A relação azedou em janeiro de 2018, quando a Barilla introduziu no mercado frascos de Pan di Stelle Crema, uma mistura feita de 100% de avelãs italianas e chocolate 'onírico', segundo o comunicado da empresa.

A Ferrero não estava disposta a deixar o ataque sem resposta. E aumentou as apostas no início de 2019, atravessando silenciosamente a fronteira italiana e testando os biscoitos Nutella em outros países.

Em abril, lançou o biscoito na França para começar a espalhar agitação e demanda entre os italianos que vivem e viajam para o exterior.

— Este é o nosso modus operandi — disse Claudia Millo, porta-voz da Nutella.

A empresa foi "comendo" o mercado pelas beiradas para chegar, em novembro, com os biscoitos de Nutella em grande estilo à Itália, com  uma vultuosa campanha publicitária, com anúncios em estações de metrô, na televisão e na principal estação ferroviária de Roma.

A estratégia foi um enorme sucesso. A Nutella vendeu 5,9 milhões de caixas de biscoitos nas primeiras quatro semanas, segundo a IRI, uma empresa que faz pesquisa de dados de vendas.

Um mês depois, a Pan di Stelle respondeu, com o lançamento do Pan di Stelle Biscocrema em Milão. A nova versão do biscoito é coberta com uma estrela sólida feita de creme.

— Eles são uma joia, uma obra de arte — disse Julia Schwoerer, vice-presidente da divisão de marketing Mulino Bianco e Pan di Stelle.

Mas a Barilla, que investiu em uma fundação dedicada à sustentabilidade ambiental e a melhorar a nutrição, quer deixar claro que os biscoitos são guloseimas ocasionais, não para consumo diário como o pão.

— Isso deve ser apenas uma pequena parte de sua dieta —  disse Luca Di Leo, chefe de relações com a mídia da empresa. — É por isso que é um pacote pequeno.

A Nutella, ao contrário, oferece uma sacola inteira e basicamente aposta que você não pode comer apenas um.

A concorrente Barilla também promoveu sua rejeição ao óleo de palma, uma gordura saturada cuja planta já provocou um desmatamento devastador.

Mas o ato politicamente correto não impediu consequências negativas para o meio ambiente. Segundo os ambientalistas italianos, a guerra entre as duas gigantes do setor de alimentos já trouxe prejuízo à biodiversidade do país, com a expansão do plantio de avelãs.

Acompanhe tudo sobre:AlimentosBarillaFerreroIndústrias de alimentosItália

Mais de Negócios

15 franquias baratas a partir de R$ 300 para quem quer deixar de ser CLT em 2025

De ex-condenado a bilionário: como ele construiu uma fortuna de US$ 8 bi vendendo carros usados

Como a mulher mais rica do mundo gasta sua fortuna de R$ 522 bilhões

Ele saiu do zero, superou o burnout e hoje faz R$ 500 milhões com tecnologia