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Pagseguro: o futuro incerto da dona da “moderninha”

A Pagseguro prevê levantar até US$ 1,9 bi com IPO. Será que ela tem lenha para superar os desafios de concorrência e de regulação?

Moderninha: para continuar crescendo, a Pagseguro não poderá economizar em marketing, segundo especialistas do setor (PagSeguro/Reprodução)

Moderninha: para continuar crescendo, a Pagseguro não poderá economizar em marketing, segundo especialistas do setor (PagSeguro/Reprodução)

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Letícia Toledo

Publicado em 12 de janeiro de 2018 às 17h41.

Última atualização em 24 de janeiro de 2018 às 07h52.

Para um país carente de unicórnios, as startups de tecnologia avaliadas em 1 bilhão de dólares, o Brasil ganhou logo dois em 2018. O primeiro já foi, é a empresa de transportes, 99, vendida à chinesa Didi no dia 3. O segundo ainda precisa ser confirmado: é a PagSeguro, processadora de pagamentos com cartão, que anunciou que vai ofertar suas ações na Bolsa de Nova York com um preço entre 17,50 e 20,50 dólares cada, o que pode avaliá-la em até 1,9 bilhão de dólares ou 6,1 bilhões de reais.

A empresa iniciou esta semana a conversa com investidores na Europa e nos Estados Unidos para convencê-los a participar de sua oferta inicial de ações (IPO).

Com foco em pequenos empresários e trabalhadores autônomos, a companhia tem mais de 2,45 milhões de clientes ativos e processou 24,8 bilhões de reais de transações nos nove primeiros meses do ano. O faturamento no mesmo período foi de 1,7 bilhão de reais.

“Eles desenvolveram um modelo de negócios diferente de tudo o que havia no setor e conseguiram conquistar os pequenos e médios varejistas”, diz um executivo concorrente. Em 2013 a PagSeguro lançou um modelo que, ao invés do tradicional aluguel mensal cobrado dos varejistas, vendia suas maquininhas, a “moderninha” e a “minizinha”, por um preço acessível a todos os bolsos. Com isso, a empresa conquistou clientes que o até então oligopólio formado por Cielo (do Bradesco e do Banco do Brasil) e Rede (do Itaú) não miravam.

O IPO seria a coroação de um crescimento espetacular durante os últimos anos. A receita mais que quintuplicou desde 2014, quando a empresa faturou 325 milhões de reais. O lucro, que em 2014 fechou o ano em 25 milhões de reais, chegou a 290 milhões apenas nos primeiros nove meses de 2017 (o resultado do último trimestre ainda não foi divulgado). O desafio, para a Pagseguro, vai ser mostrar aos investidores que tem lenha para manter o ritmo num mercado em transformação.

O primeiro passo vai ser mostrar que é uma empresa de tecnologia, como tem se vendido, e não uma eficiente empresa de transações, que ganha dinheiro ao vender as maquininhas e adiantar recebíveis aos varejistas -- o tradicional do setor.

A receita com transações somou 791,2 milhões de reais em receita nos primeiros nove meses de 2017, o equivalente a 46,75% de sua receita total. A receita com antecipação de recebíveis, por sua vez, representou 31,65% do faturamento no mesmo período, totalizando 535,7 milhões de reais.

A antecipação de recebíveis, além de não ser nada tecnológica, pode não cair bem com os gringos. É, afinal, mais uma jabuticaba brasileira. Enquanto em outros países o repasse do valor pago no cartão é feito ao lojista em um dia após o cliente realizar o pagamento, no Brasil esse só é transferido 30 dias após a compra. Como o lojista muitas vezes precisa do dinheiro para fazer seu negócio girar, acaba pedindo adiantamento dos valores a receber pagando, para isso, uma taxa extra.

O sistema é o mesmo de Cielo, Rede e todas as outras empresas no setor. Na Pagseguro, do total de 3,26 bilhões de reais em ativos que a companhia possuía até o fim de setembro, 2,98 bilhões de reais correspondiam a notas de valores que tinha de recebíveis. Se, por um lado, a necessidade do micro e pequeno empresário de antecipar sua receita para girar o caixa é maior e garante uma gorda receita para a Pagseguro, por outro, o risco de inadimplência desse grupo acaba sendo maior.

Além disso, o Banco Central ameaçou, no fim de 2016, reduzir o prazo que os lojistas têm para receber de 30 para dois dias, o que acabaria com toda a taxa cobrada por empresas como a PagSeguro. “A discussão não foi para frente devido à pressão das empresas, mas deve voltar ao radar do Banco Central”, diz um executivo do setor.

À frente, o futuro 

Outro risco da empresa é a própria existência das maquininhas. A PagSeguro argumenta que o mercado brasileiro ainda tem muito o que crescer porque apenas 30% dos consumidores utilizam cartão de crédito como meio de pagamento, enquanto nos Estados Unidos o patamar é de 45% e no Reino Unidos, 55%. Mas uma possibilidade discutida no setor é que os brasileiros migrem do dinheiro diretamente para os smartphones como meio de pagamento. Empresários do setor dizem que é apenas uma questão de tempo para que as maquininhas entrem para a história assim como o vídeo cassete ou disc man.

O país mais avançado nessa transição é a China. Por lá, em 2016, o volume de pagamentos feitos com o smartphone chegou a 5,5 trilhões de dólares. A mudança é impulsionada por um aumento de 31% no PIB per capita, para 6.500 dólares, e de 30% na taxa de uso da internet, para 50 em cada 100 chineses, nos últimos sete anos.

Um relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento coloca o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de usuários de internet, com 120 milhões de pessoas conectadas (atrás de China, Índia e EUA). Uma outra pesquisa da Fundação Getúlio Vargas afirma que o número de smartphones no país já se igualou ao de habitantes (são 207,66 milhões) em outubro do ano passado e, nos próximos dois anos, o total poderá chegar a 236 milhões de aparelhos. “Os smartphones devem eliminar as empresas que hoje intermedeiam as relações dos clientes com os bancos, como as maquininhas de cartões”, prevê um executivo do setor.

Isso fará com que, de largada, a PagSeguro perca a receita da venda das maquininhas, mas não é o fim da linha, já que a empresa pode se modernizar para fornecer as novas soluções disponíveis no futuro. Acontece que a própria empresa admite, em seu prospecto de abertura de capital nos EUA, que pode não conseguir fazer isso na velocidade necessária (já que terceiriza parte do desenvolvimento de produtos), e, neste novo cenário teria que enfrentar uma enorme leva de novos competidores, que vão da chinesa Tencent à varejista Mercado Livre.

Se ninguém sabe dizer quando isso vai acontecer, o Pagseguro enfrenta muitas ameaças reais também no curto prazo. Enquanto a substituição não vem, a concorrência aumenta na mesma velocidade que os indicadores financeiros da dona da “moderninha”. Se o setor antigamente era dominado pelas gigantes Cielo e Rede, hoje tem empresas como Getnet (do Santander), Stone, Bin, Global Payments, First Data, Safra Pay, Adyen, WorldPay, Adiq (do BS2, antigo Banco Bonsucesso) e Vero (do Banrisul).

“A PagSeguro precisa se manter com alto investimento em marketing para ser lembrada, atrair novos lojistas e continuar com uma base crescente de clientes”, diz um executivo do setor.

O segredo para a sobrevivência do Pagseguro, na visão de especialistas, está em oferecer o maior número de serviços possíveis ao seus clientes. A visão é que, na medida em que esses micro e pequenos empreendedores crescerem, vão precisar de outros serviços bancários, como crédito e seguro. Pensando nisso, a empresa comprou, no fim do ano passado, o controle da plataforma de empréstimos Biva por 18,4 milhões de reais. Segundo informações da própria Biva, a empresa, fundada em 2015, já fez 35 milhões de reais em empréstimos e ter mais de 10.000 investidores cadastrados.

As oportunidades falarão mais alto que os desafios? É o que deve vir à tona no próximo dia 23, para quando a precificação das ações está prevista.

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