Ford: empresa anunciou que fechará suas três fábricas no país, em Taubaté, Brasil, em 12 de janeiro de 2021. (Carla Carniel/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 12 de janeiro de 2021 às 21h08.
O anúncio de que a americana Ford vai deixar de fabricar carros no Brasil, na última segunda-feira, pegou muita gente de surpresa. Mas a montadora já vinha dando sinais de que poderia deixar o país há algum tempo.
Em 2019, fechou sua emblemática fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Há alguns anos, não fazia um ciclo de investimentos no país. Como resultado, foi ficando para trás no mercado brasileiro.
Em 2020, a Ford ocupou quinto lugar do ranking nacional de montadoras, atrás das tradicionais General Motors, Volkswagen e Fiat, e até da novata coreana Hyundai.
Outras razões como a queda das vendas por conta da pandemia e a mudança de parâmetros na indústria automobilística global também pesou na decisão da empresa de fechar suas três fábricas no Brasil, onde produzia desde os anos 1950.
O GLOBO ouviu especialistas no setor e traçou os cinco principais fatores por trás desse desfecho. Confira:
Há seis anos, a Ford interrompeu os ciclos de investimentos no país, ao contrário das concorrentes. Na prática, isso significa que a matriz da montadora, nos EUA, já pensava em concentrar seus investimentos em outros países, embora o Brasil seja considerado um grande mercado consumidor.
Há dois anos, o fechamento da emblemática fábrica do ABC paulista provocou forte comoção, mas foi mais um sinal desse processo de esvaziamento da montadora americana no Brasil.
No mercado de entrada do segmento automobilístico, a concorrência é grande e a margem de lucro pequena. O Ford Ka e o Fiesta, ambos do segmento popular da Ford, não evoluíram para embutir novas tecnologias, e a montadora perdeu mercado no Brasil.
Esse foi o principal motivo que a afastou das outras gigantes no país, como GM e VW. Segundo a Ford, a companhia já vinha registrando resultados deficitários na América do Sul, com queda de vendas, há alguns anos.
As grandes montadoras estão se associando ou se fundindo para ter fôlego para novos investimentos, especialmente no desenvolvimento de carros autônomos e elétricos. Na primeira semana deste ano, acionistas da Fiat Chrysler (FCA) e da PSA, dona da Peugeot, aprovaram a fusão iniciada em 2019.
Por enquanto, a Ford não deu nenhum passo significativo nessa direção, o que reduziu sua capacidade para investir.
Em 2019, a Ford firmou uma parceria global de redução de custos para a produção de veículos com a Volkswagen e a Ford para picapes e vans comerciais com a intenção de, mais à frente, compartilhar o desenvolvimento de carros elétricos e autônomos.
Comparativamente ao México e à Argentina, o Brasil ficou mais caro para ser um polo produtor de veículos da montadora americana.
Um cipoal de tributos, sem que a reforma tributária ande, altos custos trabalhistas e logística deficiente levaram a Ford optar pela produção na Argentina para atender o mercado brasileiro.
A volatilidade do câmbio no Brasil, que atrapalha a previsibilidade das empresas para fazer seus planos, também contribuiu.
E a pandemia derrubou as vendas de veículos no país para menos de 2 milhões no ano passado, enquanto o parque industrial do setor está montado para fabricar 5 milhões de unidades por ano por aqui.
Ou seja: as fabricas no país investiram para produzir muito mais carros do que vendem no mercado brasileiro atualmente. O país também não se mostra competitivo como plataforma de exportação.
A Ford deve se concentrar em produzir SUVs premium e aumentar investimentos no desenvolvimento de um carro elétrico e autônomo. Essa é a tendência que está se desenhando no mundo entre as principais montadoras.
Países como Noruega e Reino Unido querem proibir a venda de motores à combustão já a partir de 2025. A Ford já parou de produzir Sedans nos EUA, e caminhões na Europa e no Brasil, o que gera dificuldade global de caixa.
Além disso, a montadora está mais atrasada nessa mudança de paradigma, já que companhias de tecnologia como Google e Apple já fizeram acordos com outras montadoras para ampliar a conectividade e tecnologia embarcada nos carros.
Fontes: Paulo Vicente, professor da área de Estratégia e Gestão Pública da Fundação Dom Cabral; Marcus Ayres, sócio diretor da consultoria Roland Berger e responsável pelo setor automotivo e Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).