Correios (Elza Fiuza/Agência Brasil)
Mariana Desidério
Publicado em 14 de março de 2018 às 10h45.
Última atualização em 14 de março de 2018 às 11h04.
São Paulo – A recente greve dos funcionários dos Correios, que terminou ontem na maioria dos Estados, é mais um capítulo da crise instalada há anos na estatal. Reclamações de usuários insatisfeitos brotam aos montes na internet, com relatos de atrasos e extravios de entregas.
Junto a isso vem a briga com um de seus principais clientes, o Mercado Livre, que recentemente ganhou na Justiça uma liminar contra o aumento do preço do frete.
E, é claro, há ainda as perdas bilionárias: há cinco anos que empresa opera no vermelho; só em 2017 o prejuízo foi de 2 bilhões de reais.
Um cenário tão sombrio obviamente não surge da noite para o dia. E o fato é que os Correios têm tomado decisões ruins há muito tempo. Um relatório da CGU (Controladoria Geral da União) publicado no final do ano passado apontava que os Correios corriam o risco de se tornarem uma empresa dependente do Estado, caso não fizesse mudanças drásticas em sua administração.
O site EXAME conversou com analistas para entender quais foram os principais erros da companhia que a levaram ladeira abaixo – e quais os caminhos de saída ainda restam para a empresa. Veja a seguir:
O uso dos cargos de direção dos Correios como moeda de troca política é apontado como o principal nó causador de estragos na companhia ao longo dos anos. A indicação política de diretores, e até de cargos de escalões mais baixos, tem colocado a estatal nas mãos de pessoas com pouca experiência em gestão, avaliam os analistas.
Com mais de 100 mil funcionários e 6 mil agências espalhadas pelo país, a estatal tem uma estrutura complexa e precisa ser administrada por quem entenda sua operação.
“A politização cresceu na empresa. Hoje os políticos indicam, se brincar, até chefe da agencia. Isso comprometeu a qualidade da gestão. Essas pessoas adotam medidas que só pioram a situação, querem economizar cortando onde não pode cortar”, afirma Marcos César Alves Silva, representante dos funcionários no Conselho de Administração da empresa.
Nos últimos anos, o governo federal retirou nada menos que 6 bilhões de reais do caixa dos Correios, segundo o presidente da estatal Guilherme Campos, o que comprometeu a saúde financeira da empresa.
O estatuto dos Correios determina um percentual mínimo de 25% do lucro líquido ajustado para pagamento de dividendos à União.
Porém, uma auditoria feita pela CGU (Controladoria Geral da União) mostrou que as retiradas nos últimos anos têm ficado bem acima desse montante, com “a destinação de dividendos na ordem de 50% do lucro, por determinação da União, desde o exercício de 2006”, diz o relatório.
Não bastassem as gordas retiradas, o governo federal também definiu o congelamento das tarifas no período entre 2012 e 2014, o que levou a uma perda de receita da ordem de 1,2 bilhão de reais na época, afirma Silva.
Somado a isso, em 2014 também entrou em vigor uma regra que obriga os Correios a considerarem em seu balanço os benefícios pós-emprego. Esses benefícios são destinados aos empregados aposentados e são compostos, basicamente, por serviços médicos para eles e seus dependentes e previdência complementar. Os custos do pós-emprego são altos e comeram os lucros.
As medidas relatadas acima deixaram a estatal com o caixa super apertado e uma solução foi reduzir a empresa. Só em 2017, os Correios fizeram três planos de demissão voluntária, com a meta de fechar 8.200 vagas. Outra estratégia foi fechar agências. No ano passado a empresa anunciou o fechamento de 250 unidades.
Porém, isso se refletiu numa queda na qualidade do serviço, sentida pelo usuário que demora mais tempo para receber a correspondência ou precisa ir mais longe para encontrar uma agêncial postal.
“O foco era diminuir custos da folha salarial, mas fizeram isso sem correlacionar com a qualidade do serviço prestado”, avalia Tadeu Gomes Teixeira, professor de administração na Universidade Federal do Maranhão e autor de um livro sobre os Correios.
“A empresa precisa redimensionar o tamanho dos distritos de distribuição e contratar mais carteiros, pois a população que não é atendida que percebe o quanto o serviço está ruim, além das atividades empresariais que precisam do serviço postal”, completa.
Paradoxalmente, a crise dos Correios acontece num momento em que o mercado de encomendas cresce em todo o mundo, devido à expansão do e-commerce. Segundo a ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), esse mercado tem crescido a uma média 20% ao ano, alta que não tem sido acompanhada pela estatal.
“Eles têm perdido oportunidades, as lojas virtuais estão buscando transportadoras privadas, e a participação dos Correios nas entregas tem diminuído”, afirma Mauricio Salvador, presidente da entidade.
Salvador cita experiências internacionais que mostram caminhos possíveis aos Correios, como os serviços postais da França e da Alemanha. Segundo ele, um ponto crucial é o investimento em tecnologia.
“Há uma má gestão em relação ao uso do capital. Eles poderiam investir em integração de sistemas e automação dos centros de distribuição. A tendência lá fora é essa. A DHL é totalmente automatizada, isso reduz preço e aumenta o nível de qualidade e rapidez das entregas”, afirma.
Com tantos problemas, o governo federal já levantou a possibilidade de privatizar a ECT, ou ainda abrir o capital da empresa. Salvador, da ABComm, é uma das vozes favoráveis à privatização. “O governo não tem competência para administrar”, avalia.
Porém, há o temor de que, privatizada, a empresa deixe de atender lugares distantes, pouco lucrativos para a operação. Para Tadeu Teixeira, a privatização não deve ser a primeira opção, mas a abertura do capital da empresa. "No contexto da União Europeia, as privatizações conduziram a um rápido processo de formação de oligopólios. Além disso, o atendimento a áreas não rentáveis ficaria em risco", avalia.
Já o conselheiro Marcos César Alves Silva, acredita que a discussão sobre a privatização surge de forma equivocada. “A solução é fazer a gestão profissional da empresa. Não tenho dúvidas de que com isso seríamos uma empresa lucrativa.”
Seja qual for o caminho escolhido, uma coisa é certa: algo precisa mudar.