Para a conselheira, cinco maiores bancos em operação no País têm muito poder de mercado (Sergio Moraes/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de junho de 2018 às 12h24.
Última atualização em 23 de junho de 2018 às 12h25.
Brasília - Voto vencido no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no julgamento da compra da XP pela Itaú, a conselheira Cristiane Alkmin defende que o Banco Central reprove ou imponha restrições mais duras do que as estipuladas pelo órgão antitruste na análise da operação. "Para ser coerente com o meu voto, considero que a operação deve ser reprovada. Se eu fosse o Ilan, eu vetaria", afirmou.
Para a conselheira, os cinco maiores bancos em operação no País têm muito poder de mercado. Cristiane acredita que o Estado deve estimular - e não atrapalhar - a entrada de novos concorrentes, sobretudo as fintechs (startups voltadas para o mercado financeiro). Procurados, XP e Itaú preferiram não comentar.
O mercado bancário brasileiro é concentrado?
O ponto central é o problema do poder de mercado, não exatamente a concentração. Os cinco maiores bancos do Brasil detêm, aproximadamente, 85% dos depósitos bancários. O poder de mercado dos bancos se dá também de forma vertical, estão nos mercados de investimento, de crédito, de cartões de crédito, de seguradoras e, agora, de bureaus de crédito. E com o poder conglomeral, hoje há uma preocupação em relação ao montante de dados que têm acesso. A competição no setor bancário está vindo destes pequenos players que trazem tecnologias disruptivas, que estão de alguma maneira chacoalhando com o status quo daqueles elefantes, que têm estruturas mais pesadas.
A operação entre Itaú e XP atrapalha este processo?
Pode atrapalhar. Essa operação não vai acabar com o processo de desbancarização, mas pode atrasá-lo.
Em seu voto, a senhora sugeriu que a operação entre Itaú e XP seria uma carta branca para que outros bancos continuem comprando pequenas plataformas.
Se eu aceitar um caso em que o maior banco privado está comprando a maior corretora de plataforma aberta, que é a XP, que tem praticamente 50% do mercado, como vou evitar que outra instituição compre a segunda plataforma, que tem 10% ou 15% do mercado? Como o Cade falará não para essa operação? A plataforma da XP era, definitivamente, a maior, muito longe da segunda colocada. A razão da operação é que os clientes do Itaú estavam migrando para essa nova plataforma. E os clientes futuros do Itaú já não iriam para o Itaú, e sim para a plataforma. Então, no fundo, essa é uma operação em que o Itaú quis recomprar seus clientes.
O BC deve ser mais duro do que o Cade foi?
Não quero aqui confrontar ou pedir que o BC corrija um ato do Cade, não existe isso. Mas, para ser coerente com o meu voto, considero que a operação deve ser reprovada. O Itaú é um minoritário megapoderoso. Eu acho que seria uma ótima sinalização se o BC reprovasse essa operação, mas já seria uma boa sinalização a retirada da possibilidade de o Itaú ser o controlador. Talvez isso não trouxesse tanto risco para o processo de desbancarização. De qualquer forma, se eu fosse o (presidente do Banco Central) Ilan Goldfajn, como sinalização, eu vetaria essa operação. E diria que o BC estará de olho quando um dos cinco maiores bancos estiver comprando fintechs.
Mas seria função do BC fazer isso? O veto não devia ter ocorrido no Cade, mais indicado para colocar este tipo de freio?
Devia. Mas agora já temos um memorando que diz que as duas instituições (Cade e BC) podem agir na área de fusões de aquisições.
Então, o BC não está olhando somente o risco sistêmico.
As duas instituições analisam atos de concentração. Olhando agora, depois que o ato XP/Itaú foi aprovado pelo Cade, acho bom haver dois crivos, o do Cade e o do BC. O memorando (que estabelece trabalho conjunto dos órgãos para analisar atos de concentração) foi uma boa saída. Antigamente, olhávamos o BC apenas como uma autoridade monetária. Hoje, ele está muito dividido no papel de regulador e de autoridade monetária.
O Cade errou ao permitir que bancos se tornassem proprietários de credenciadoras de cartões?
O Cade agiu de duas maneiras. Uma delas, aprovando atos de concentração que eu, como conselheira independente, não aprovaria. É o caso de Itaú com Mastercard. Acredito que este caso não deveria ter sido aprovado. Por outro lado, o Cade tem atuado por meio de acordos com as empresas de cartão. A atuação do BC junto ao Cade tem sido boa. Enquanto o BC pensa numa maneira estrutural para resolver o problema, o Cade faz acordos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.