Jobs: modo como o gênio deixou sua marca na Apple pode inspirar outras empresas (Reprodução)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2012 às 15h33.
São Paulo – Steve Jobs, o já mitológico fundador da Apple, sempre foi pretexto para uma enxurrada de textos vendendo fórmulas de sucesso e segredos da boa administração. Mas poucos podem escrever com segurança sobre o que Jobs pensava sobre esses assuntos.
Um desses raros privilegiados é Walter Isaacson, o autor da biografia oficial do gênio da tecnologia. Como se sabe, foi do próprio Jobs a ideia de convidá-lo a escrever sobre sua vida – com a garantia de liberdade total.
Agora, Isaacson reuniu 14 lições sobre liderança e gestão, tiradas das conversas com Steve Jobs durante os muitos anos de convivência. O texto foi publicado na edição deste mês da Harvard Business Review.
Veja, a seguir, o que Jobs realmente gostaria de ensinar sobre isso:
Tenha foco
Quando voltou à Apple, em 1997, Jobs deparou-se com uma grande variedade de produtos. Ele passou semanas revisando o portfólio da empresa até perder a paciência e interromper uma das reuniões com um sonoro “Pare! É uma loucura!”
Pegou um pincel atômico e riscou, no quadro branco, uma tabela. Em duas colunas, escreveu “Consumidor” e “Pro”, de profissional. Abaixo, em duas linhas, “Desktop” e “Portátil”. E cravou: a Apple deveria fazer um único bom produto para cada uma destas categorias. O resto deveria ser descartado. “Decidir o que não fazer é tão importante quanto decidir o que fazer”, afirmou Jobs, depois, à Isaacson.
Simplifique
Isaacson cita um dos princípios estampados no primeiro manual da Apple: “A simplicidade é a sofisticação definitiva”. Esta foi uma das ideias mais defendidas por Jobs, e pode ser vista não apenas no design clean de seus produtos, como também nos sistemas operacionais praticamente intuitivos que contêm.
Simplificar, porém, não é ser simplista e meramente ignorar dados fundamentais de um problema. Trata-se de compreender profundamente o desafio e encontrar a solução mais simples e elegante. É fácil de dizer, mas o próprio Jobs reconhecia que isso demandava muito mais esforço do que se pode supor.
Supervisione tudo de ponta-a-ponta
Isaacson lembra que a personalidade extremamente centralizadora de Jobs influenciou seu jeito de administrar a Apple – supervisionando cada detalhe de cada produto. O autor admite, porém, que isso teve um aspecto positivo: permitiu que Jobs criasse “experiências completas” para os consumidores – e não apenas produtos.
Do desenvolvimento dos microprocessadores de seus aparelhos ao design das lojas da Apple, passando pelos aplicativos disponíveis na App Store, tudo deveria oferecer uma experiência única, elegante e simples para o consumidor. “As pessoas têm mais o que fazer, do que se preocupar em como integrar seus computadores e aparelhos”, costumava dizer. Isso deveria ser uma tarefa da empresa – e Jobs a levava muito a sério.
Se estiver atrás, dê um salto
Uma empresa inovadora, segundo Jobs, não é apenas aquela que lidera o lançamento de novidades. Um traço decisivo é a capacidade de promover saltos, quando percebe que está perdendo a corrida em certo mercado.
O exemplo citado por Isaacson é a invenção do iPod. Inicialmente, Jobs idealizou o iMac como uma ferramenta para manipular imagens digitais, mas percebeu que seu ponto fraco era não permitir que as pessoas baixassem músicas e gravassem CDs com elas (uma grande demanda naquela época). Em vez de apenas anexar um driver ao computador, Jobs idealizou o iPod – um modo totalmente revolucionário de lidar com música. E, em vez de descansar, entendeu que a maior ameaça viria dos celulares capazes de armazenar canções – e teve a coragem de canibalizar o iPod com a invenção do iPhone.
Se preocupe com o produto; o lucro é secundário
Esta é uma lição que pode arrepiar alguns gestores, mas é algo no qual Jobs acreditava profundamente. “É ótimo ter lucro, porque é ele que nos permite fazer grandes produtos, mas os produtos, e não o lucro, devem ser a nossa motivação”, afirmou certa vez a Isaacson.
Para Jobs, se o consumidor perceber o quão bom e necessário é o seu produto, estará disposto a pagar por ele – e você lucrará. Basta ver as filas que se formam a cada lançamento da Apple. E Jobs não poupa John Sculley, o executivo que o substituiu no comando da empresa entre 1983 e 1993, ao falar do declínio da Apple neste período. “Quando o pessoal de vendas domina uma empresa, os caras de desenvolvimento de produtos não importam muito, e muitos deles vão embora.” E, se você não tem algo bom para vender, no fundo, não tem mais nada.
Não seja refém de pesquisas
Essa é uma lição já clássica de Jobs. O fundador da Apple simplesmente ignorava pesquisas de mercado, grupos de testes e congêneres. Nunca deixava de lembrar uma máxima de Henry Ford, que revolucionou a indústria automobilística – e inventou a linha de produção. “Se eu perguntasse às pessoas o que desejam, elas me diriam que gostariam de um cavalo mais veloz.”
Jobs também tinha suas tiradas de efeito para justificar seu desprezo por estudos de mercado. A mais conhecida é a que diz que os consumidores não sabem o que querem, até que a empresa lhes mostre. Mas uma bem legal e menos famosa é: “Nossa tarefa é ler o que ainda não foi escrito.”
Faça a realidade dobrar-se a si
Segundo Isaacson, os colaboradores mais próximos de Jobs inventaram um apelido para sua incrível capacidade de fazê-los ignorar a realidade e criar coisas impensáveis: era o “campo de distorção da realidade de Jobs”, termo inspirado em um episódio da série Jornada nas Estrelas.
Jobs simplesmente não aceitava que algo não pudesse ser feito. Seu jeito explosivo e autoritário levou a equipe a desenvolver soluções inéditas – e que nem os próprios funcionários acreditavam serem possíveis. Um exemplo foi a implicância de Jobs com o tempo que o Macintosh demorava para desligar. O engenheiro responsável pelo sistema operacional apenas insinuou que não seria possível reduzi-lo e Jobs disparou: “se isso salvasse a vida de uma pessoa, você encurtaria o tempo em dez segundos?”. Poucas semanas depois, o tempo de desligamento do novo Macintosh foi reduzido em 28 segundos.
Livros são julgados pela capa, sim
Em uma de suas conversas com Isaacson, Jobs lembrou de Mike Markkula, o segundo CEO da Apple e um de seus mentores. “Mike me ensinou que as pessoas julgam, sim, os livros pela capa”, relatou Jobs ao autor de sua biografia.
Na prática, isso se refletiu na obsessão de Jobs com a apresentação de seus produtos. E isso não queria dizer apenas o design dos aparelhos. A preocupação se estendia às embalagens, aos manuais de instrução e até a truques que tinham mais de simbólico do que de útil. Um exemplo foi desenhar o iMac com uma alça para carregá-lo. Ok, poucas pessoas o fariam – mas Jobs percebeu o impacto psicológico da alça: eliminar o temor das pessoas em tocá-lo e manuseá-lo do jeito que quisessem.
Não aceite menos que a perfeição
Jobs não seria Jobs se não fosse perfeccionista. Quem trabalhou com ele sempre soube que, mais dia, menos dia, o empresário entraria na sala de reuniões, olharia a equipe e decidiria recomeçar todo o trabalho – estivesse ele na fase em que estivesse.
Foi assim com o iPhone, quando Jobs decidiu interromper o trabalho após uma noite de insônia e voltar à prancheta, declarando simplesmente: “Eu ainda não o amo”. Ou quando, às vésperas de lançar a App Store, suspendeu tudo para mudar o layout da loja virtual. Em vez de organizá-la por produtos, ele percebeu que poderia apresentá-la por categorias de uso.
Trabalhe apenas com os melhores – e só com eles
A busca de Jobs pela perfeição se estendeu, também, à seleção criteriosa das pessoas com que trabalhava: ele queria os melhores, e apenas eles. Mas cercar-se de pessoas que, talvez, fossem tão geniais quanto ele não o deixava relaxado em nenhum momento.
Jobs nunca deixou de ser explosivo, impaciente e exigente com sua equipe. “Se algo está uma merda (sim, ele falou com essa franqueza a Isaacson), eu digo na cara. Meu trabalho é ser honesto com as pessoas.” Isaacson lembra-se de que, em uma conversa, Jobs até admitiu que poderia conseguir o mesmo resultado, sendo mais educado e contido. “Mas esse não seria eu”, concluiu.
Olhe nos olhos
O criador da Apple era um entusiasta de encontros pessoais. Para Jobs, era uma loucura a ideia de que decisões e projetos pudessem ser tocados com base na troca de e-mails e chats. “A criatividade vem de discussões randômicas em encontros espontâneos”, pregava.
Domine tanto o geral, quanto os detalhes
Segundo Isaacson, alguns CEOs limitam-se a administrar as linhas gerais do negócio. Outros perdem o todo de vista e envolvem-se nos detalhes da operação. Jobs era capaz das duas coisas: inspirar grandes ideias e descer ao nível do detalhe de suas realizações.
Goste de Ciências e de Humanidades
Isaacson lembra o primeiro encontro com Jobs, quando o empresário o convidou para escrever sua biografia. Em determinado momento da conversa, Jobs afirmou: “sempre me vi como um humanista, mas eu também gosto de eletrônica”. Então, ele emendou com a lição de outro de seus gurus, Edwin Land, o inventor da Polaroid. “As pessoas devem permanecer na intersecção das Humanidades e da Ciência, e eu decidi que era isso o que queria para mim.”
“Mantenha-se faminto. Mantenha-se tolo”
Outra lição já clássica de Jobs ao mundo dos negócios, esta é a frase que encerra seu famoso discurso aos formandos da Universidade Stanford em 2005 (em inglês: Stay hungry; stay foolish) – e muito relembrado no final do ano passado, quando ele morreu.
Como se sabe, a frase não é dele, e sim da primeira edição de uma publicação alternativa da época em que Jobs era jovem – a Whole Earth Catalog. Na prática, Jobs transformou esse princípio em base para o seu comportamento rebelde, mesmo quando já era um monstro dos negócios. Com esse espírito, Jobs escreveu os textos da campanha publicitária “Think Diferent”, que marcou seu retorno à Apple. “As pessoas loucas o bastante para pensar que podem mudar o mundo são as únicas que o farão.”