O Grupo Pão de Açúcar chegou a mudar o nome da rede Barateiro para Compre Bem para atender à baixa renda (Arquivo)
Da Redação
Publicado em 3 de fevereiro de 2011 às 05h45.
São Paulo – A cada três meses, os executivos da fabricante de doces e alimentos Arcor saem de seus escritórios com ar condicionado para um encontro de negócios diferente. Sempre em algum galpão próximo às lojas atacadistas da cidade de São Paulo, os engravatados abandonam um pouco a formalidade para tomar um café-da-manhã com cerca de 30 camelôs e vendedores ambulantes. O objetivo é trocar experiências e entender melhor o que se passa no mundo “distante” das classes C e D.
Essa preocupação não é à toa. As classes de baixa renda no Brasil representam 80% da população e a Arcor compreendeu essa necessidade. Segundo Gabriel Porciani, diretor de marketing de guloseimas e chocolates da empresa, seus produtos sempre tiveram um apelo para as camadas de menor poder aquisitivo e os camelôs foram um canal importante encontrado para chegar a esse público. “É impossível saber quanto os camelôs representam nas vendas da Arcor, mas sabemos que é um grupo muito importante para entrar em contato com o consumidor final, a gente vê isso nas ruas”, afirma Porciani.
Para chegar aos vendedores, a empresa entrou primeiro em contato com as lojas de atacado, que vendem para os ambulantes, e pediu indicações de possíveis parceiros. Cada reunião tem membros de diferentes regiões da cidade e ninguém recebe pagamento para contribuir, já que os encontros são estratégicos para ambas as partes. Nas reuniões periódicas, todo mundo fala. Os executivos aproveitam para mostrar os produtos novos e os comerciantes dão suas ideias, fazem críticas sobre os produtos da empresa e falam como vai a concorrência. Mudanças em embalagens, quantidade, tamanho e estratégia de alguns produtos já foram feitas depois das dicas dos participantes, que falam sem medo daquilo que encaram como ineficiente nas vendas.
Mas engana-se quem pensa que esses encontros são uma ação simples. Depois do sucesso na capital paulista, a Arcor tentou aplicar a tática em Recife (Pernambuco), mas não deu certo. “Como nossos escritórios estão concentrados em São Paulo, nós tivemos dificuldade em estabelecer uma periodicidade nas reuniões. Fizemos uns três encontros, mas não conseguimos manter”, diz Porciani. Com a tentativa frustrada, a empresa preferiu adiar os planos de expansão para um futuro indeterminado, mas a possibilidade ainda não está descartada.
Pão de Açúcar
No Grupo Pão de Açúcar, o esquema é diferente. Para começar, o contato dos executivos tem foco no consumidor final. Uma das formas encontradas pela empresa para se aproximar desse público e conhecer melhor suas necessidades foi um estudo etnográfico sobre diferentes estilos de vida na cidade de São Paulo, feito no ano passado.
Inicialmente sem saber que havia executivos entre os observadores, nem que o estudo era para o Pão de Açúcar, pessoas de nove bairros paulistanos foram acompanhadas, observadas e entrevistadas para que a empresa conhecesse a fundo seu público. O anonimato foi uma garantia para a companhia não influenciar ideias e opiniões dos participantes. Também ao contrário da Arcor, nessa ação específica, as pessoas receberam uma ajuda de custo, uma gratificação pela ajuda dada à empresa.
Para a empresa, “esse tipo de estudo permite ir além do que o consumidor fala. É possível observar seu comportamento, entrar em contato com ele em seu mundo real, fato que normalmente o deixa mais a vontade e torna menor o abismo que há entre pesquisador e entrevistado”. Quando realizou iniciativa semelhante em 2005, por exemplo, o Pão de Açúcar resolveu mudar o nome da rede Barateiro para Compre Bem – que hoje se transformou na rede Extra – com base no que viu e ouviu das classes de baixa renda.
Hoje, o grupo conta com compras acompanhadas e reuniões de conselhos de clientes, nas quais os consumidores comparecem às lojas do Pão de Açúcar, a cada dois meses, para dar suas opiniões e falar de suas necessidades. Tudo isso sem descartar a boa e velha pesquisa de satisfação com os clientes, também mantida pela Arcor, mesmo tendo seu contato com os intermediários do processo.