Wilson Ferreira, da Eletrobras: em um ano no cargo, ele mudou muita coisa, mas falta muito mais (Germano Lüders/Site Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 28 de julho de 2017 às 18h51.
Última atualização em 28 de julho de 2017 às 18h51.
Há um ano o engenheiro Wilson Ferreira assumiu uma das tarefas mais difíceis do país – tirar a Eletrobras da lama. Encontrou uma empresa com prejuízos consecutivos, uma descomunal dívida de quase 40 bilhões de reais, ações suspensas, corrupção e nomeações políticas espalhadas por todos os cantos. Um ano após sua chegada, a estatal de energia elétrica Eletrobras mudou um bocado, mas ainda está muito longe da normalidade.
Na bolsa, a companhia vale apenas 19,5 bilhões de reais – um terço de seu faturamento em 2016. Quando Ferreira assumiu, com apoio e otimismo do mercado, a empresa valia 23,9 bilhões de reais.
Em outubro do ano passado, no auge de sua valorização nos últimos 12 meses, a Eletrobras chegou a ter valor próximo dos 35 bilhões de reais. De lá para cá, no entanto, ficou claro que as dificuldades para se mudar uma empresa do tamanho da Eletrobras são maiores do que se imaginava.
“Alguns episódios políticos afetaram o desempenho das ações. Além disso, a dificuldade ea lentidão de implementação dos planos feitos por Ferreira fizeram o valor das ações cair”, diz um analista que acompanha a empresa.
Ferreira enfrenta uma realidade dura dentro e fora da companhia. Da porta para fora, um ambiente político conturbado joga para baixo o preço da companhia, com o receio dos investidores de que Ferreira não tenha tempo hábil para cumprir seus ambiciosos planos.
O mandato do executivo vai até abril de 2019, mas as eleições de 2018 podem encurtar o mandato e fazer ruir todos os avanços vistos até aqui.
“Um risco constante na Eletrobras é de uma mudança de toda a equipe. Qualquer mudança na política pode afetar o trabalho que vem sendo feito. Para o mercado isso é um grande risco, poderíamos acabar retrocedendo anos com a substituição da diretoria”, diz Marco Saravalle, analista da XP Investimentos.
O fator político não afeta apenas a Eletrobras. Em meio ao otimismo da nova gestão, o valor de mercado da Petrobras chegou a 246 bilhões de reais, em outubro do ano passado. Hoje, o valor da companhia está em 179 bilhões.
Mas os maiores desafios da Eletrobras são internos mesmo. Entre as maiores vitórias acumuladas por Ferreira até aqui, o primeiro destaque foi a entrega dos balanços da empresa dos anos 2014 e 2015 auditados à SEC, a agência que regula o mercado financeiro americano, em 11 de outubro do ano passado. Era a data limite estabelecida pela SEC para que as informações fossem entregues. Caso Ferreira não conseguisse, a estatal seria expulsa da bolsa de Nova York.
Os números do balanço da empresa também melhoraram. De 2012 a 2015, a Eletrobras teve um prejuízo somado de 31 bilhões de reais. Em 2016, o balanço finalmente voltou para o azul, fechando em 3,42 bilhões de reais. No primeiro trimestre deste ano, o resultado foi um lucro de 1,39 bilhão de reais.
No fim do ano passado, a Eletrobras apresentou um plano diretor de negócios e gestão para cumprir até 2021. Pelo plano, o ano de 2017 é de reestruturação interna e de redução em 5 bilhões de reais da dívida de 37,9 bilhões de reais.
A reestruturação interna é um passo e tanto para um grupo que tem 17 empresas sob seu controle e participações minoritárias em 178 sociedades de propósito específico (SPEs), como são chamados os diferentes projetos da companhia.
Desde junho do ano passado, foram realizadas mais de 50 alterações em conselhos de administração e 60 em diretorias nas 17 empresas controladas pelo grupo – o que representa cerca de 70% das vagas passíveis de alteração pela Eletrobras.
Na maioria dos casos, a Eletrobras tem nomeado executivos de carreira. Mas a pressão por apadrinhamentos em uma empresa conhecida por ser o cabide de emprego para aliados do governo continua. Um exemplo recente foi a nomeação do até então diretor de administração de Furnas, Júlio Cesar Andrade, para a presidência da subsidiária.
A nomeação, segundo executivos ouvidos por EXAME, teria sido feita para agradar à ala mineira do PMDB. Em reunião no último dia 30 de junho, o conselho de administração da Eletrobras vetou a mudança. “Era uma troca política, não havia nenhuma outra justificativa para mudar o presidente da Furnas”, diz um conselheiro.
EXAME ouviu de pessoas ligadas à empresa que, apesar da lei das estatais, aprovada no ano passado, indicações políticas continuam acontecendo. Em muitos casos, as indicações são aprovadas porque a lei acaba não impedindo que as indicações políticas aconteçam, desde que sejam de pessoas com experiência no setor. “O conselho tem vetado alguns casos, mas ainda há outros acontecendo. Tudo isso cria um ambiente hostil para as mudanças na Eletrobras”, diz um executivo da empresa.
O segundo plano da Eletrobras para 2017, o de desinvestimentos, também caminha a passos mais lentos do que o mercado gostaria. Para analistas, parte do valor baixo da empresa na bolsa é justificado porque os investidores estão à espera da venda desses ativos.
Na semana passada, a Eletrobras divulgou a lista de 74 SPEs nas quais possui participação por meio das suas controladas e que serão transferidas à holding para quitação de dívidas. Com isso, o objetivo da Eletrobras é vendê-las ainda no terceiro trimestre deste ano prazo – um prazo considerado apertado.
O mais difícil, porém ainda está por vir: a venda das seis distribuidoras de energia que a Eletrobras pretende realizar no fim do ano. Vai ser difícil. A Amazonas Energia, por exemplo, acumula dívidas de 8 bilhões de reais por subsídios ao funcionamento de termoelétricas na região Norte.
Segundo pessoas próximas à operação, o BNDES, que está realizando os estudos para a venda das distribuidoras, está atrasado, o que aperta ainda mais o cronograma. Além disso, a concorrência disputa o interesse dos potenciais compradores. A Cemig colocou à venda sua participação na distribuidora Light e também em sua participação na usina Santo Antônio enquanto o Estado de São Paulo está vendendo a Companhia Energética de São Paulo.
“Temos conversado com pessoas do mercado e sabemos que há interesse pelos ativos. A questão é o preço, a Celg-D é um exemplo disso”, diz Jorge Pereira da Costa, sócio-diretor da consultoria Rolland Berger.
A distribuidora goiana Celg-D, da Eletrobras, foi vendida em novembro do ano passado por 2,18 bilhões de reais à empresa italiana Enel. A primeira tentativa de leilão da empresa, em agosto do ano passado, havia sido cancelada por falta de interessados no preço de 2,8 bilhões de reais.
O embate de Ferreira com os sindicatos que representam os trabalhadores é emblemático das dificuldades que tem enfrentado. No início de junho, em um encontro com sindicatos, o executivo usou adjetivos como “vagabundos” e “safados” para descrever funcionários.
“São 40% da Eletrobras de caras inúteis, que não servem para nada, ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária. Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo, em particular, no serviço público”, disse.
O encontro com os sindicatos aconteceu em meio às discussões da estatal para reduzir o número de funcionário de cerca de 23.000 para 12.000. Com a venda das distribuidoras, 6.000 devem deixar o grupo, e o restante da redução virá com planos de incentivo ao desligamento.
Emanuel Mendes, diretor da a Associação dos Empregados da Eletrobras e do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro e Região, conta que desde que Ferreira assumiu, o sindicato só conseguiu marcar duas reuniões com ele.
“Ele veio com uma missão de fazer uma série de modificações que atinge diretamente o trabalhador, como demissão voluntária e reestruturação do organograma. Quando se mexe com isso é preciso conversar com as entidades sindicais”, afirma Mendes. Procurada, a Eletrobras não concedeu entrevista.
A Eletrobras pode ter mais modificações se o projeto do novo marco legal do setor elétrico avançar da forma como o Ministério de Minas e Energia propôs no início deste mês. Pelas mudanças, a Eletrobras pode privatizar até 14 usinas hidrelétrica pertencentes às subsidiárias Chesf, Furnas e Eletronorte. Se desejar, a proposta prevê ainda que Eletrobras poderá vender até suas subsidiárias, como Furnas, Eletronorte, Eletrosul e Chesf.
No mercado, analistas afirmam que a venda das usinas poderia ser benéfica para a empresa, mas depende do preço. “A lei dá à Eletrobras novas possibilidades, mas tudo ainda está muito no início. É preciso ver o que é benéfico para a companhia, para o caixa. O importante é que dessa vez a decisão será técnica”, diz Elena Landau, presidente do conselho da Eletrobras.
As possíveis vendas deixam em aberto uma pergunta importante: que cara terá a Eletrobras no futuro? Por enquanto, tudo que se sabe é que a companhia deve deixar de vez a distribuição e focar em geração e transmissão de energia. Pelos planos atuais de Ferreira, analistas estimam que a dívida da empresa deve passar de nove vezes sua geração de caixa para algo em torno de quatro vezes a geração. Com este patamar, a companhia poderá até mesmo olhar novos projetos. Para chegar lá, Ferreira não pode perder tempo. Se o Brasil ajudar, muito melhor.