Pedro Valério e Marciano Testa, do Instituto Caldeira: hub de inovação reabriu depois de ser destruído pelas enchentes (Instituto Caldeira/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 3 de outubro de 2024 às 08h12.
Última atualização em 3 de outubro de 2024 às 09h15.
As imagens da enchente em maio em Porto Alegre traziam uma realidade difícil de assimilar. Uma cidade que, nos últimos anos, trabalhava para restabelecer sua vocação econômica influenciada pelas palavras “tecnologia” e “inovação”, via os símbolos desse trabalho afundarem.
O Cais Mauá, espaço que recebe há três anos o South Summit Brasil, um dos principais eventos de inovação do país, estava embaixo d'água. A poucos quilômetros dali, na região conhecida como Quarto Distrito, na Zona Norte da capital, o Instituto Caldeira, principal hub de inovação gaúcho, tinha um andar totalmente submergido.
Hoje, cinco meses depois, as imagens trazem uma outra realidade -- bem mais fácil (e menos dolorosa) de entender: a da capacidade de resiliência e de reconstrução, principalmente quando há trabalho em conjunto.
O Cais Mauá está retornando e já se prepara para receber a nova edição do South Summit no ano que vem.
O Caldeira, depois de um intenso trabalho de reforma e limpeza, está totalmente aberto novamente. Na última semana, os executivos que lideram a iniciativa inauguram o novo térreo, que, há poucos meses, estava tomado de lama e água.
“Muitas startups tinham suas sedes lá, então a gente precisava rapidamente voltar. E eu acho que isso virou um símbolo de resiliência e resistência para o nosso estado”, diz Marciano Testa, fundador do banco Agibank e presidente do conselho do Instituto Caldeira.
O Caldeira surge numa época em que o Rio Grande do Sul buscava uma maneira de superar seus desafios mais estruturais: a capacidade de diversificar a matriz econômica e manter talentos dentro do Estado. À época, por volta do ano 2018, o Estado saia de uma grave crise de segurança e muitos empresários e potenciais talentos preferiam migrar para São Paulo do que ficar por ali.
“Nós fizemos, naquele momento, duas frentes. Uma de curto prazo para apoiar na segurança pública, que se tornou o Instituto Floresta. E outra, de mais longo prazo, para pensar no futuro do Rio Grande do Sul, e virou o Caldeira”, diz Testa.
Marciano Testa, fundador do Agibank, esteve à frente desse movimento durante toda a construção do projeto.
Natural de um povoado de colonização italiana de Veranópolis (RS), na Serra Gaúcha, onde hoje fica o município Fagundes Varela, Marciano saiu de casa cedo para trabalhar e empreender, primeiro no setor têxtil, e logo depois, no mercado financeiro. Ao perceber que muitos clientes tinham dificuldades de acesso ao crédito, abriu em 1999, aos 23 anos, o Agiplan, que chegou a ser o maior o maior distribuidor de crédito consignado do Bradesco.
Em 2012, ampliou o leque de serviços financeiros até fazer com que a companhia se tornasse um banco em 2016. Em 2020, a partir de um aporte de 400 milhões de reais do fundo de investimentos Vinci Partners, transformou a operação no Agibank, uma mistura de banco tradicional e virtual que usa muita tecnologia para o atendimento dos clientes.
Com esse histórico, Marciano também observou as dificuldades de reter talentos de tecnologia do Estado.
“Nesse ambiente, eu provoquei 40 grandes empresas gaúchas no sentido de que deveríamos ter uma iniciativa para estimular a inovação, trazendo o privado, o público e o acadêmico juntos”, diz.
O primeiro movimento para lançar o hub no Estado foi reunir as maiores universidades gaúchas num pacto pela inovação. Ao mesmo tempo, encontraram exemplos fora do Brasil que já tinham criado distritos de inovação. O principal foi o Arroba22, em Barcelona. Chamaram um dos idealizadores da iniciativa para que ele ajudasse a replicá-la em Porto Alegre.
“Mas tudo isso, na verdade, era um plano de fundo para poder de fato ter algum material”, diz. “Foi quando convoquei 40 empresários, chamei a mídia, e apresentei a ideia de termos um polo de inovação no Estado”.
Um dos convidados era José Galló, das Lojas Renner. A família tinha uma antiga fábrica parada no Quarto Distrito que poderia servir de espaço físico para o projeto de inovação. O marco mais simbólico desse espaço: uma caldeira que era acesa para fazer a energia da fábrica no início dos anos 1900.
“Quando vi aquele local, entendi que era lá que deveria ficar nosso instituto”, diz. “Marquei uma reunião com potenciais fundadores, uma noite de inverno, sem energia elétrica, sem nada. Botamos um gerador para fazer a apresentação e apresentei o hub de inovação. 90% deles não acreditavam que aquilo era uma ideia viável. Era realmente muito utópico, considerando a situação, aquilo estava tomado por pombos e ratos, e mesmo assim, eles me deram o benefício da dúvida. E começamos o projeto”.
Com o dinheiro dos investidores começando a entrar, Marciano foi atrás de um executivo para tocar o dia a dia do Caldeira. Encontrou o gaúcho Pedro Valério, CEO do espaço até hoje. Valério já vinha trabalhando com a nova economia na plataforma de cursos StarSe. Antes disso, foi diretor de Produto & Mercado na Opus Entretenimento, e embaixador para a Região Sul da Escola Sueca de Inovação, Hyper Island.
“Eu tive a sorte de ter aquelas variáveis todas alinhadas”, afirma. “O estado num momento difícil, onde as empresas estavam sentindo essa dor, a gente estava num processo muito forte de digitalização dos negócios, e muito negócio precisando se reinventar, reeducar os executivos, os próprios fundadores. Então eles viram ali uma necessidade de respirar esse ar de inovação, e o instituto poderia ser o portal tanto para trazer oportunidades, sair da universidade, e ter ali um processo, uma esteira de inovação para continuar seu negócio”.
O Instituto Caldeira opera como um hub de inovação que reúne empresas de diferentes portes, startups e universidades, criando um ambiente colaborativo e voltado para o desenvolvimento tecnológico.
“Empresas grandes, como uma Gerdau, por exemplo, e pequenas startups dividem o mesmo espaço no Caldeira”, diz Testa. “Isso cria um ambiente dinâmico, em que as grandes podem solucionar suas dores de transformação digital, enquanto as pequenas empresas conseguem vender seus serviços e ganhar tração no mercado”.
Além disso, o Caldeira oferece programas estruturados para capacitar empreendedores e acelerar o desenvolvimento de novas ideias.
“Nós criamos programas intensos e de alto valor para apoiar aqueles que estão começando a empreender, oferecendo o suporte necessário para que as startups cresçam”, diz Testa.
Desde sua criação, o Instituto Caldeira enfrentou duas grandes crises que colocaram à prova sua capacidade de adaptação e resiliência: a pandemia de covid-19 e as enchentes que devastaram Porto Alegre no início deste ano.
“Nós tínhamos acabado de lançar um espaço físico voltado para a inovação, e de repente, todo mundo teve que trabalhar de casa”, afirma. “Tivemos que provar nossa resiliência desde o início, adaptando rapidamente o funcionamento do instituto para um ambiente remoto”, explica Testa.
Mesmo com as incertezas geradas pelo isolamento social, o Caldeira conseguiu manter suas atividades e apoiar as empresas a acelerar suas próprias transformações digitais.
Em maio, outro grande teste chegou com a enchente que inundou o Quarto Distrito e deixou o Instituto Caldeira com três metros de água em toda sua sede. A comunidade do Instituto, porém, se mobilizou para reabrir o quanto antes.
“Fomos o primeiro espaço a voltar a operar”, diz. “Assim que a água baixou, mesmo sem energia, montamos um caminho de acesso, colocamos geradores e abrimos o espaço para que a comunidade pudesse voltar a usufruir do ecossistema”.
A reação ágil do Caldeira se tornou um símbolo de resiliência e resistência para o Rio Grande do Sul.
“A volta rápida do Instituto mostrou que somos capazes de superar os desafios e continuar impulsionando a inovação, mesmo em meio a crises tão severas como essa”, diz Testa.
Ao refletir sobre o futuro do estado, Marciano Testa vê o Caldeira como parte essencial na transformação econômica do Rio Grande do Sul, que precisa enfrentar o desafio de diversificar sua matriz econômica.
"O Rio Grande do Sul precisa criar uma vocação tecnológica e de inovação. Temos todos os elementos para isso: universidades de excelência, parques tecnológicos e hubs de inovação como o Caldeira", afirma Testa.
Outro ponto crucial, segundo Testa, é a retenção e atração de talentos. Ele destaca que o estado vem enfrentando uma desaceleração demográfica, o que torna ainda mais urgente a criação de oportunidades no setor de tecnologia. “Nossa missão é educar, reter e atrair talentos, criando um ambiente que respire inovação. Se conseguirmos isso, o Rio Grande do Sul será capaz de se reposicionar como um polo de tecnologia no Brasil”, diz.