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O cemitério de ideias chamado Brasil tem solução?

Após a maior crise econômica em um século de história, o Brasil precisa voltar a crescer e a gerar riqueza

PECUÁRIA: inovação para fertilidade continua longe do mercado mesmo após 12 milhões de reais investidos  / Frederic Jean/EXAME.com (Frederic Jean/Exame)

PECUÁRIA: inovação para fertilidade continua longe do mercado mesmo após 12 milhões de reais investidos / Frederic Jean/EXAME.com (Frederic Jean/Exame)

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Flávia Furlan

Publicado em 23 de maio de 2018 às 18h00.

Última atualização em 23 de maio de 2018 às 18h38.

A Inprenha, uma empresa de Jaboticabal, no interior paulista, vive uma verdadeira saga. Em 2009, a empresa desenvolveu uma molécula para aumentar o reconhecimento de embriões pelas mães, aumentando a fertilidade de animais quando realizada uma inseminação artificial. O grupo chegou a uma molécula que estimula a produção da proteína responsável por fazer o reconhecimento materno. Segundo os testes, a tecnologia eleva de 43% para 64% a taxa de fertilização em vacas, um ganho econômico enorme aos criadores desses animais. Com tamanha descoberta, a empresa entrou em 2010 com o pedido de patente da tecnologia no Brasil e, em 2012, na África do Sul, nos Estados Unidos, no Japão e na Rússia. Todas já foram concedidas, menos a brasileira.

A insegurança quanto à propriedade intelectual, porém, não é o único problema. Em 2011, a empresa pediu o registro da molécula ao Ministério da Agricultura. A lei brasileira, muito restrita, separa os produtos veterinários em fármacos (quando tratam doenças) e biológicos (quando produzem anticorpos). Só a discussão para determinar em que grupo estava a tecnologia levou quatro anos, até que a molécula foi considerada um biológico e a empresa pôde, enfim, investir 12 milhões de reais para montar um laboratório. Em dezembro de 2015, dando prosseguimento ao processo, a Inprenha entrou com o pedido de venda do produto. Até agora não conseguiu. Procurado, o Ministério da Agricultura disse que está reformulando o setor de fiscalização de produtos veterinários, com a informatização dos sistemas, e que editou uma portaria em junho de 2017 para tratar em caráter prioritário os pedidos de registro de produtos comprovadamente inovadores.

O caso da Inprenha não é único. Muitas ideias, inovações e empresas menores morrem ou demoram a chegar ao mercado no Brasil porque o Estado, em vez de ajudar, acaba atrapalhando com uma legislação arcaica, com a demora nos processos e a intervenção nos mercados. O tema é urgente. O Brasil acaba de sair da maior crise econômica em um século de história, mas o crescimento mais robusto está demorando a aparecer. A cada novo Boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, as projeções para o produto interno bruto para 2018 caem – estavam em 2,70% no início do ano, mas estão em 2,50%. O banco Itaú, por exemplo, que esperava um crescimento 3% para este ano, agora prevê 2%.

Qual o caminho para o crescimento? A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, grupo das 35 nações ricas, divulgou recentemente um relatório que mostra que o Brasil precisa reduzir a burocracia. Segundo os dados, a cada ano, o PIB poderia ser 0,3 ponto maior se o governo facilitasse novos empreendimentos, cortando custos administrativos e acelerando a emissão de licenças. “O Brasil precisa elevar a produtividade e uma forma de fazer isso é facilitar que os negócios prosperem”, diz Jens Arnold, economista-chefe da OCDE para o Brasil.

O cemitério de ideias no país é gigantesco. Apesar de o país ser o décimo terceiro do mundo em produção de artigos científicos, é apenas o trigésimo em registro de patentes, o que os especialistas creditam à distância que existe entre quem produz conhecimento (universidade) e quem usa na prática (empresa). O Brasil tem 192 técnicos para analisar as patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, ante 7 928 nos Estados Unidos. Além disso, o processo de emissão de patentes demora, em média, 11 anos para terminar no Brasil. O lado perverso dessa demora é simplesmente o desestímulo à inovação. “Durante esse tempo que a patente não é emitida, o inventor fica desprotegido e pode ter dificuldades em conseguir recursos com terceiros para desenvolver sua tecnologia”, diz Fernanda de Negri, doutora em economia e técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

O papel do estado

Mesmo quem consegue desenvolver um produto e abrir uma empresa para comercializá-lo se depara com um ambiente hostil para os negócios, como por exemplo para o financiamento. Segundo o Sebrae, a cada 100 empresas abertas, 23 fecham as portas antes de dois anos de vida. O farmacêutico bioquímico Ebert Hanna criou em 2013 uma vacina que permite o controle de uma bactéria que causa pneumonia em cavalos, hoje tratada com doses altas de antibióticos. A descoberta foi tida por um consórcio mundial de cientistas uma das cinco mais importantes no tratamento da doença no mundo e grandes farmacêuticas estão interessadas no produto. Mas Hanna está numa encruzilhada: tentou levantar recursos públicos para os testes finais, porém o governo exige que o experimento seja feito no Brasil e não há laboratórios aqui preparados para os testes. A saída é levantar recursos privados, o que tem sido difícil. “A vacina está guardada em uma geladeira até conseguirmos resolver o problema”, diz Hanna.

Há uma tentativa no Brasil de mudar a história. Especialistas em tecnologia estão montando um marco legal para as startups, que trará regras mais brandas para os investidores que apostarem nesses negócios em estágio inicial de vida. Hoje, o Brasil já reconhece a figura do investidor-anjo, sem responsabilizá-lo dos problemas que a empresa possa vir a ter (como ocorre em outros tipos de negócios de porte maior), o que já garante mais segurança. No entanto, esse investidor ainda tem uma tributação sobre o ganho de capital como qualquer outro, o que acaba por afastá-lo de muitos empreendimentos promissores.

Por que, no Brasil, a situação é tão complicada assim? A americana Deirdre McCloskey, professora de economia da Universidade de Illinois, em Chicago, aponta como resposta o conceito do nacional-desenvolvimentismo, uma ideia que vai e volta no país e que defende a interferência do governo nos mercados. Ela começou a se desenvolver na década de 30 no país, foi reforçada pelo regime militar e, mais recentemente, foi retomada pelo governo de Dilma Rousseff. “Essa ideia consiste no entendimento de que o Estado irá criar riqueza para o país. Mas a melhora de renda virá das ideias criativas das pessoas.”

Não faltam exemplos para superar o problema. A China começou imitando as ideias do Ocidente e agora incentiva a inovação. O governo foi decisivo: desde 2006, premia as melhores patentes e lança planos nacionais de inovação. Um deles quer tornar o país líder em inteligência artificial em 2030 e será capaz, segundo a consultoria McKinsey, de elevar o PIB em até 1,4 ponto ao ano. A Índia também evolui, já é o quinto país em produção cientifica e promove desde 2014 reformas para reduzir a burocracia para os negócios. Com esses e outros avanços, a China ultrapassou recentemente o PIB per capita brasileiro e, nas próximas décadas, a Índia também pode alcançar o feito. “Esses países deixaram a ideia de regulamentação forte para trás”, diz Deirdre. “O Brasil está preso às decisões tomadas em Brasília.” Mudar a direção é um passo para o país voltar a crescer.

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