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O Brasil pode ter sua própria DeepSeek? Plano quer acelerar a IA no país

Um evento na EXAME para alunos da escola de negócios Saint Paul reuniu especialistas para debater o Plano Brasil Digital 2030+ e os desafios de infraestrutura para o país seguir os passos da China e Estados Unidos no domínio da inteligência artificial

Affonso Parga Nina (Brasscom), Ana Paula Zamper (Saint Paul/EXAME), Rodolfo Fücher (Abes) e Felipe Hildebrand (Oliver Wyman), em evento na EXAME: estratégias para o avanço da economia digital (Eduardo Frazão/Exame)

Affonso Parga Nina (Brasscom), Ana Paula Zamper (Saint Paul/EXAME), Rodolfo Fücher (Abes) e Felipe Hildebrand (Oliver Wyman), em evento na EXAME: estratégias para o avanço da economia digital (Eduardo Frazão/Exame)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 29 de janeiro de 2025 às 14h00.

Última atualização em 29 de janeiro de 2025 às 14h05.

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A startup chinesa DeepSeek movimentou o mercado financeiro nesta segunda-feira, 27, ao revelar um avanço significativo na corrida da inteligência artificial generativa. A empresa apresentou um modelo de IA tão potente quanto o ChatGPT, mas que exige apenas uma fração da capacidade computacional das soluções desenvolvidas nos Estados Unidos. 

A longo prazo, o feito pode redesenhar o equilíbrio global no setor, reduzindo custos de operação e tornando a IA mais acessível para empresas e governos — e, ao mesmo tempo, derrubando o valor de mercado de fornecedoras de tecnologias para datacenters, como a gigante de chips NVidia.

A sensação causada pelo DeepSeek reforça o papel estratégico que a China atribui à tecnologia. O país investe pesadamente na criação de um ecossistema próprio de IA, chips e computação avançada, buscando diminuir a dependência de soluções americanas e consolidar sua liderança global. Enquanto isso, outras nações correm para definir suas estratégias digitais e garantir competitividade no novo cenário.

O Brasil ainda está longe dessa disputa, mas começou a se movimentar. O governo federal recriou uma comissão interministerial para transformação digital e quer levar adiante o Plano Brasil Digital 2030+, que pretende acelerar a digitalização da economia e criar um ambiente mais favorável à inovação tecnológica.

Um evento para formar líderes em IA

O tema foi discutido em um evento exclusivo da sede da EXAME, em São Paulo, realizado na terça-feira, 28, como parte de uma agenda de encontros promovida pela Saint Paul, escola de negócios que faz parte do grupo EXAME

O debate foi voltado para os alunos do High Impact Program (HIP) da Saint Paul, uma formação executiva voltada a lideranças que desejam aprofundar seus conhecimentos em vários temas. Neste caso, a plateia era formada por alunos do HIIP em inteligência artificial aplicada aos negócios.

Na mesa, estavam Rodolfo Fücher, presidente do conselho da Abes, Affonso Nina, presidente executivo da Brasscom, e Felipe Hildebrand, sócio da consultoria Oliver Wyman. Os três são autores do Plano Brasil Digital 2030+ e debateram com os alunos da Saint Paul os desafios e oportunidades do Plano Brasil Digital 2030+, abordando desde infraestrutura e regulação até educação e inovação.

O debate foi moderado por Ana Paula Zamper, diretora do programa de Inteligência Artificial para Executivos na Saint Paul Escola de Negócios.

O que é o Plano Brasil Digital 2030+

Desenvolvido pela Brasscom, com apoio da Abes e de diversas entidades do setor, o Plano Brasil Digital 2030+ é uma estratégia para impulsionar a digitalização da economia e a inovação tecnológica no Brasil. A proposta busca coordenar esforços do setor público e privado, garantindo competitividade global e inclusão digital.

O plano se baseia em seis pilares estratégicos:

  1. Infraestrutura para a transformação digital – Expansão da conectividade, inclusão digital e políticas de cibersegurança.
  2. Tecnologias estratégicas – Definição de prioridades para o desenvolvimento e adoção de novas tecnologias no país.
  3. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – Maior conexão entre universidades e empresas para estimular inovação aplicada.
  4. Educação e capacitação digital – Formação e requalificação de profissionais para a economia digital.
  5. Inclusão social e digital – Democratização do acesso a serviços digitais, especialmente em regiões de baixa conectividade.
  6. Ambiente de negócios – Modernização da legislação e incentivos para startups e empresas de tecnologia.

Apresentado na metade do ano passado, o Plano já abriu os olhos de gente interessada no tema. Em dezembro, o governo federal recriou o Comitê Interministerial para Transformação Digital (CITDigital), que será responsável por articular as ações dentro da máquina pública. O setor privado também terá um papel ativo, por meio de um Conselho Consultivo, reunindo empresas e especialistas para acompanhar e sugerir ajustes ao plano.

O Brasil pode competir globalmente?

Os painelistas foram diretos: o Brasil tem potencial, mas precisa de decisão política e investimentos coordenados para se posicionar na economia digital.

“A gente olha para a China e vê que o governo definiu claramente que tecnologia é prioridade. Lá, 100% dos investimentos do governo chinês vão para ciência e tecnologia. No Brasil, não temos essa clareza. Estamos investindo em setores estratégicos? Estamos coordenando os esforços? Essas são as perguntas que o governo precisa responder”, afirmou Rodolfo Fücher.

Um dos maiores desafios apontados no debate foi a falta de coordenação entre as iniciativas digitais no país. Segundo Affonso Parga Nina, há pelo menos 3.000 programas governamentais ligados à transformação digital, mas sem articulação entre si.

“O governo já tem diversas ações, mas muitas vezes elas não conversam. Se cada ministério toca um projeto separado, sem integração, o impacto é limitado. O plano vem justamente para alinhar e direcionar todos esses esforços”, explicou Nina.

Felipe Hildebrand destacou outro ponto crítico: a formação de profissionais. Enquanto o Brasil forma menos de 50.000 especialistas por ano em tecnologia, a China forma mais de 4 milhões anualmente.

“Sem gente qualificada, qualquer plano digital fica no papel. Precisamos de um programa massivo de requalificação profissional e incentivo para atrair talentos para a tecnologia. Se não fizermos isso, não vamos sair da posição de consumidores de tecnologia para produtores”, afirmou Hildebrand.

IA, infraestrutura e competitividade

Outro ponto de destaque no debate foi a necessidade de melhorar a infraestrutura digital. Segundo Fücher, o Brasil importa anualmente bilhões de dólares em serviços de processamento de dados, uma dependência que poderia ser reduzida com investimentos em data centers locais.

“Em 2013, o Brasil importava 6 bilhões de dólares em serviços de processamento de dados. Dez anos depois, esse número subiu para mais de 3,6 bilhões ao mês. Isso significa que estamos terceirizando nosso poder computacional para o exterior, em vez de construir essa infraestrutura aqui”, disse Fücher.

Nina complementou, destacando que a infraestrutura não é apenas sobre servidores e cabos de fibra ótica, mas também sobre energia.

“Os grandes centros de processamento de IA consomem volumes gigantescos de energia. O Brasil tem uma matriz energética limpa e renovável, o que nos dá uma vantagem competitiva. Mas, para atrair investimentos, precisamos de políticas que incentivem a instalação desses centros aqui”, explicou Nina.

O que vem pela frente

O Plano Brasil Digital 2030+ já foi entregue ao governo e deve avançar nos próximos meses. No entanto, a transição do plano para ações concretas ainda depende de decisões políticas e articulação com o setor privado.

Hildebrand destacou que um erro comum em políticas públicas é a falta de pragmatismo.

“Não adianta criar um plano ambicioso e deixá-lo na gaveta. Precisamos de metas claras, indicadores de impacto e, principalmente, de execução rápida. Não há mais tempo a perder”, afirmou.

O setor privado também terá um papel crucial no processo. Grandes empresas, startups e universidades precisarão atuar como protagonistas, seja no desenvolvimento de tecnologias estratégicas, seja na formação de novos talentos.

“O Brasil tem duas opções: pode continuar apenas consumindo tecnologia estrangeira ou pode produzi-la e exportá-la. O plano dá um caminho para isso, mas depende da nossa capacidade de colocá-lo em prática”, diz Fücher.

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