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Nas empresas, rédea curta com “pedaladas”

Desde que o processo de impeachment foi deflagrado, no início de 2015, a presidente afastada Dilma Rousseff procurou minimizar o impacto das manobras contábeis realizadas para maquiar as contas públicas. Mesmo diante das evidências de que cometera “crime de responsabilidade”, ao dar seu aval às chamadas “pedaladas fiscais”, Dilma se julga injustiçada e diz ter […]

BOLSA DE NOVA YORK: o perigo é que os ativos supervalorizados e os empréstimos de alto risco possam perder valor e causar uma desaceleração econômica / / Reuters (Brendan McDermid/Reuters)

BOLSA DE NOVA YORK: o perigo é que os ativos supervalorizados e os empréstimos de alto risco possam perder valor e causar uma desaceleração econômica / / Reuters (Brendan McDermid/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2016 às 13h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

Desde que o processo de impeachment foi deflagrado, no início de 2015, a presidente afastada Dilma Rousseff procurou minimizar o impacto das manobras contábeis realizadas para maquiar as contas públicas. Mesmo diante das evidências de que cometera “crime de responsabilidade”, ao dar seu aval às chamadas “pedaladas fiscais”, Dilma se julga injustiçada e diz ter sido vítima de um “golpe”. Durante o debate do impeachment no Senado Federal, a senadora petista Gleisi Hoffmann, uma das mais aguerridas defensoras de Dilma, chegou a afirmar que as pedaladas não seriam suficientes para justificar o seu afastamento. “O impeachment é desproporcional”, disse. “É como penalizar com pena de morte uma infração de trânsito.”

Embora seja improvável a reversão da situação de Dilma no Senado não é impossível que isso aconteça. Em Brasília, tudo pode ocorrer, ainda que a contabilidade oficial revele um retrato sem retoques das manobras de Dilma e a legislação ampare a sua punição. Agora, se Dilma estivesse no comando de uma empresa privada, especialmente se fosse de capital aberto, ela provavelmente seria responsabilizada pelas fraudes e poderia até ir para a cadeia, caso as investigações dos órgãos de fiscalização apontassem a ocorrência de crime. O mesmo aconteceria com alguns de seus auxiliares, como o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ex-Secretário do Tesouro, Arno Augustin, acusados de executar os truques contábeis em seu governo.

Em geral, tais manobras são realizadas para mascarar o desempenho da empresa, diminuir a dívida ou aumentar a receita de forma artificial, com o objetivo de manter os preços dos papéis em alta na bolsa. Os resultados também podem ser inflados para garantir o pagamento de bônus polpudos aos executivos. Por induzirem os investidores a erros de avaliação na compra e venda de ações, as fraudes contábeis, como as que Dilma é acusada de cometer, costumam ser punidas de forma exemplar pelos órgãos reguladores. Na esfera administrativa, as penas podem ir de uma simples advertência a multas pesadas e à inabilitação de administrador e conselheiros fiscais por até vinte anos. Mesmo a omissão de informações está sujeita a penalidades legais. Na esfera criminal, os acusados podem a ficar longos anos atrás das grades.

As manobras contábeis surgiram, provavelmente, ao mesmo tempo que a contabilidade. Mas, nos últimos 15 anos, os casos de empresas, empresários e executivos, no Brasil e no exterior, que tombaram por recorrer à “contabilidade criativa”, para dourar os números apresentados aos acionistas, se multiplicaram de forma surpreendente. Nos Estados Unidos, o caso da Enron, a gigante do setor de energia, foi um dos maiores escândalos corporativos de todos os tempos. Com a anuência da Arthur Andersen, uma das maiores empresas de auditoria do mundo, a Enron, que foi à falência em 2001, transmitia a imagem de uma empresa sólida e lucrativa. Mas depois descobriu-se que ela usava a compra de participações em empresas de menor porte para esconder bilhões de dólares em dívidas.

A Enron também vendia bens por preços turbinados, para gerar falsas receitas. Só no último balanço, os lucros foram superestimados em 600 milhões de dólares e quase 650 milhões de dólares em dívidas desapareceram. No total, estima-se que as perdas para os acionistas chegaram a 74 bilhões de dólares. Diante de um escândalo dessa magnitude na “escala Richter” de terremotos corporativos, as penas para os executivos variaram de multas de 500.000 dólares à proibição de exercer a direção de empresas com ações negociadas em Bolsa pelo resto da vida e penas de até 24 anos na prisão, como aconteceu com o ex-presidente da Enron, Jeffrey Skilling.

O caso da Worldcom, hoje MCI, que já foi a segunda maior empresa americana de telefonia de longa distância, veio na sequência, em 2002. A Worldcom inflou seus ativos em 11 bilhões de dólares, subestimando os custos das linhas, e inflacionou receitas com registros contábeis falsos. Ela colocou no balanço 3,8 bilhões de dólares como investimentos, que podiam ser depreciados lentamente, em vez de registrá-los como despesas, que tem de ser reconhecidas de imediato. Provocou uma perda estimada em 180 bilhões de dólares para os investidores. Com a descoberta das fraudes, o ex-presidente da empresa, Bernard Ebbers foi condenado a 25 anos de prisão.

O efeito Enron

Como as pedaladas de Dilma criaram uma crise de confiança em relação às contas públicas brasileiras, os dois escândalos, o da Worldcom e o da Enron, geraram dúvidas profundas quanto à confiabilidade dos balanços das empresas nos EUA. Em 2002, por conta disso, foi aprovada a Lei Sarbanes-Oxley, também chamada de Lei de Reforma Contábil e Proteção ao Investidor de Companhias Abertas. A nova lei introduziu as maiores mudanças na regulação das empresas de capital aberto desde 1930, impondo um maior controle nas práticas contábeis e maior governança das empresas. Também ampliou a responsabilidade dos presidentes das companhias e do comitê de auditoria interna em casos de fraudes, estabelecendo multas de até 5 milhões de dólares e penas de até 20 anos para os responsáveis.

Em 2011, a SEC, o xerife do mercado acionário americano, regulamentou uma lei aprovada no ano anterior que promoveu uma reformulação nas regras do sistema financeiro e do mercado de capitais do país, na tentativa de evitar crises sistêmicas como a de 2008. A nova legislação prevê o pagamento de “prêmios” para quem delatar casos de fraudes contábeis, equivalentes a um percentual do total envolvido em cada caso. Estimulados pelas comissões dos delatores, que pode variar de 10% a 30% dos valores arrecadados pelos órgãos reguladores, os “caçadores de recompensa” proliferaram no país. O médico William LaCorte, que já recebeu 38 milhões de dólares em prêmios com denúncias contra empresas que comentem fraudes na área da saúde, ocupa o topo do ranking das maiores recompensas acumuladas até o momento.

Também em 2011, no Japão, a Olympus, tradicional fabricante de máquinas fotográficas e equipamentos óticos e eletrônicos, admitiu que usou durante décadas uma série de aquisições para acobertar prejuízos em seus balanços, num sinal de que as fraudes contábeis e a “contabilidade criativa” não têm fronteiras. As investigações levaram à prisão 11 executivos, auditores e banqueiros envolvidos nas fraudes no período. Em 2015, a Toshiba, outro mamute corporativo japonês, quinto maior produtor mundial de computadores, foi acusada de acobertar fraudes de 1,9 bilhão de dólares. Ao final, acabou recebendo uma multa de 60 milhões de dólares, a maior da história aplicada no Japão em casos de fraudes contábeis.

No Brasil, nos últimos anos, uma série de penas foram impostas a empresários, revelando que os tempos de vistas grossas à “contabilidade criativa” parecem estar ficando para trás. Manobras contábeis perpetradas por executivos e controladores de empresas como Sadia, Aracruz, e Banco Panamericano foram punidas com todo o rigor da lei, tanto no campo administrativo como no criminal. No momento, em meio ao petrolão, quem está na berlinda é a Petrobras, cujos ativos ficaram sob suspeita de sobrevalorização por parte de investidores do Brasil e dos Estados Unidos em dezenas de processos.

No caso da Sadia, os riscos assumidos pela empresa no mercado de derivativos de câmbio se mostraram muito maiores do que os informados aos acionistas e provocaram um prejuízo de 2,5 bilhões de reais em 2008, com a valorização do dólar frente ao real durante a eclosão da crise global. Isso levou à incorporação da Sadia pela Perdigão, sua maior concorrente, para formar a BR Foods. Em processo aberto para apurar a fraude dos derivativos da Sadia, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela fiscalização do mercado de capitais do país, condenou nove executivos e membros do conselho de administração da empresa, aplicando multas que variaram de R$ 200.000 a 400.000, num total de 2,6 milhões. A KPMG, a empresa que auditava o balanço da Sadia, também entrou na confusão. Foi acusada de ter desrespeitado procedimentos técnicos, ao não alertar os investidores dos riscos assumidos pela empresa no mercado futuro, e fechou um acordo com a CVM para pagar uma multa de 1,5 milhão de reais e se ver livre do processo.

O público vs. o privado 

Com a Aracruz, aconteceu algo parecido. A empresa, que acabou incorporada pela VCP Celulose, do Grupo Votorantim, hoje rebatizada de Fibria, a maior produtora mundial de celulose branqueada de eucalipto, perdeu cerca de 5 bilhões de reais no mercado de derivativos de câmbio, também em 2008. Quatro anos depois, finalmente a CVM chegou a um acordo com a executivos e membros do conselho de administração para encerrar o processo na autarquia e na Justiça. No total, as multas pagas por eles somaram 13,2 milhões de reais e ficaram entre as maiores em todos os tempos.

No caso do banco Panamericano, que era controlado pelo empresário e apresentador Silvio Santos e tinha a Caixa como sócia, as fraudes contábeis chegaram a 4,5 bilhões de reais e praticamente quebraram o banco, que acabou vendido ao BTG Pactual, do banqueiro André Esteves por 450 milhões de reais. Antes de abrir o capital, em 2007, o Panamericano começou a inflar seu patrimônio com a venda de carteiras de crédito a outras instituições financeiras sem dar baixa na contabilidade. Em 2008, com a crise global, o golpe veio à tona.

Em meados de 2015, a cúpula da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) rejeitou, por unanimidade, propostas de termos de compromisso apresentadas pelo Banco Panamericano e quatro ex-diretores para encerrar um processo instaurado pela autarquia para apurar a participação de administradores e conselheiros nas irregularidades da instituição. A empresa de auditoria Deloitte Touche Tohmatsu foi multada em 400.000 reais por ignorar os problemas na contabilidade do Panamericano, deixando passar um rombo bilionário. Ao mesmo tempo, o Banco Central baniu os principais executivos e conselheiros do Banco Panamericano do sistema financeiro, que foram considerados responsáveis ou omissos pelo rombo de 4,3 bilhões de reais, por até 20 anos.

Enquanto no setor privado, as punições às “pedaladas” são implacáveis, no setor público os acusados ainda reagem como os jogadores de futebol que, quando perdem, armam uma confusão para melar a partida. Mas, se considerarmos que as “pedaladas” de Dilma têm consequências dramáticas para toda a população – e não apenas para um pequeno grupo de acionistas – e são lesivas a todos os contribuintes, não haveria por que serem tratadas com tolerância, como defende a petista Gleisi Hoffmann, qualquer que seja o seu impacto nas contas públicas. Os pagadores de impostos certamente agradeceriam.

(José Fucs)

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