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Não ligando para lucros, a Uber pode valer US$ 100 bilhões?

Em seu prospecto, a gigante de mobilidade alerta que suas despesas só tendem a crescer -- e terminar no azul não é prioridade

O logo da Uber: gigante de mobilidade urbana deve protagonizar o IPO do ano para os americanos (Ali Balikci/Anadolu Agency/Getty Images)

O logo da Uber: gigante de mobilidade urbana deve protagonizar o IPO do ano para os americanos (Ali Balikci/Anadolu Agency/Getty Images)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 12 de abril de 2019 às 11h52.

Última atualização em 12 de abril de 2019 às 17h21.

A gigante de mobilidade urbana Uber se define como a referência para ir do ponto A ao ponto B da maneira mais eficiente -- mas, no caso dos seus próprios lucros, a viagem não foi nem iniciada.

A dona do aplicativo que conecta motoristas autônomos e passageiros, que tem no Brasil seu segundo maior mercado e uma receita de 959 milhões de dólares em receita, deu entrada nas informações necessárias para sua oferta inicial pública de ações na Bolsa de Nova York.

A uma avaliação de 100 bilhões de dólares e estimando levantar 10 bilhões de dólares com suas ações, a Uber deve protagonizar o IPO do ano para os americanos, mesmo seu valor de mercado sendo 20 bilhões de dólares abaixo do que vinha sendo comentado há meses. Analisando apenas o último balanço da Uber, com taxas de crescimento desacelerando e perdas bilionárias, essa conta não parece fechar. Para quem aposta em seu potencial de revolucionar a mobilidade, porém, 100 bilhões de dólares pode ser um preço justo a se pagar.

A contradição entre avaliações de mercado positivas e lucros negativos é comum no mundo das startups. O mesmo ocorre com a competidora da Uber, a empresa de capital aberto Lyft, e negócios como a imobiliária tecnológica WeWork. Os negócios valem, respectivamente, 20 bilhões de dólares e 47 bilhões de dólares, com perdas de 911 milhões de dólares e 1,9 bilhão de dólares.

Quanto a Uber deixa de lucrar?

Os 91 milhões de usuários ativos mensalmente da Uber realizam hoje 14 milhões de corridas por dia. Desde sua criação, em 2009, até setembro de 2018 o negócio acumulou 10 bilhões de viagens mediadas -- metade delas obtidas nos últimos 12 meses analisados.

No último ano, a Uber gerou 49,8 bilhões de dólares em corridas por 42 bilhões de quilômetros, o que lhe rendeu uma receita de 11,3 bilhões de dólares. A receita é 42% superior a de 2017, de 7,9 bilhões de dólares. Em 2017, porém, a receita foi 106% maior do que vista em 2016, de 3,8 bilhões de dólares.

A taxa de crescimento da Uber continua surpreendente para um negócio do seu porte, mas vem desacelerando -- e isso pode preocupar alguns investidores. Apenas no último trimestre de 2018, o crescimento de receita foi de 1%. No mesmo período, as despesas cresceram 44%, de 763 milhões de dólares para 1,1 bilhão de dólares.

Com despesas totais de 14,3 bilhões de dólares em 2018, a Uber supostamente teria um prejuízo operacional de 3 bilhões de dólares. Mas colocou em seu prospecto receitas líquidas de 997 milhões de dólares, em grande parte graças a um desinvestimento de 3,2 bilhões de dólares em operações na Rússia e em Singapura.

Por que a Uber ainda não dá dinheiro -- e nem quer

A Uber espera que seus custos para gerar receitas cresçam no futuro, por continuar vendo que sua plataforma pode crescer seu número de viagens. Mais corridas geram custos com, por exemplo, seguros, taxas de processamento de cartões e armazenamento de dados. Para obter tais viagens, também é preciso investir em incentivos para motoristas e para passageiros -- o que reduz os ganhos de cada corrida.

Produtos novos de mobilidade, das bicicletas e patinetes aos caminhões e carros autônomos, possuem custos como porcentagem de receita mais altos do que as viagens de carro da Uber. A gigante segue investindo em suas novas verticais, defendendo que o poder de sua escala eventualmente diminuirá os custos totais com inovações, aquisição de usuários e disponibilidade de motoristas, por exemplo. Em 2018, metade dos consumidores novos ao Uber Eats já usavam o serviço de mobilidade da Uber. Quem usa o Uber Eats faz 11,5 viagens por mês, contra 4,9 viagens de quem só usa o serviço de mobilidade em cidades que possuem o Eats.

Quanto mais as verticais crescerem, mais eficiente é o ganho de escala da gigante. “Geralmente, acreditamos que o operador com uma rede mais ampla terá uma margem maior do que o operador com uma rede menor”, afirma a Uber em seu prospecto. “Nossos produtos com preços baixos nos permitem atender e penetrar uma porção maior de nosso mercado endereçável”.

Com perdas e riscos, a Uber vale 100 bilhões de dólares?

A Uber avisa que pode “não atingir a lucratividade” no futuro próximo. Dependendo de quão arriscada e inovadora for alguma nova vertical que a Uber desejar criar, os ganhos podem não chegar nunca. Olhando para receitas e despesas reportadas no último ano e os avisos da Uber, dificilmente um investidor mais tradicional apostaria na ação da gigante de mobilidade.

Mesmo assim, a Uber já captou 24,2 bilhões de dólares com investidores e é a empresa inovadora mais bem avaliadas dos Estados Unidos, de acordo com a empresa de análise CB Insights. Os fundos de capital de risco estão menos preocupados com balanços financeiros e mais com o múltiplo de capital investido — a avaliação de mercado dividida pela receita de uma empresa. Quanto maior o valuation, mais frutos serão colhidos.

A Uber pretende ser avaliada em 100 bilhões de dólares em seu IPO. Para isso, olha não apenas para despesas atuais com motoristas, melhoras no aplicativo e novos modais de transporte, mas em quanto do globo pode dominar. “A Uber quer ser a maior plataforma de mobilidade urbana do mundo. Se tais promessas se concretizarem, certamente valeriam mais do que isso”, afirmou anteriormente a EXAME Rodrigo Baer, sócio do fundo de investimentos brasileiro Redpoint eventures.

Em seu prospecto, há um ponto a favor da Uber: realmente há espaço para crescer. Segundo a carta de Dara Khosrowshahi no prospecto do IPO, menos de um por cento das milhas dirigidas globalmente passam pela plataforma e eles ainda estão “arranhando a superfície” do futuro da mobilidade urbana, seja na logística de comidas ou na construção de carros autônomos e ampliação de modais de transporte, como bicicletas e patinetes.

Nos 63 países e mais de 700 cidades em que a Uber opera, apenas 2% da população usou os serviços da gigante de mobilidade, com uma penetração inferior a 1% em distância potencial. São poucos usuários percentualmente, e eles viajam menos do que o esperado.

O mercado de mobilidade urbana atualmente endereçável pela Uber vale 2,5 trilhões de dólares, reunindo 57 países. No futuro, imagina expandir sua atuação para um mercado de 7,5 trilhões de dólares, em 175 países.

Para os críticos, porém, toda espera possui limites. Em 2018, companhias levaram 10,9 anos para abrir capital na bolsa, segundo a base de dados Pitchbook. Dois grandes aportadores do fundo de investimento mais poderoso do mundo, o Vision Fund, alegam valuations superestimados dentro do fundo. Criado pelo conglomerado japonês de telecomunicações SoftBank, 70 dos 100 bilhões de dólares do Vision Fund já foram gastos em diversos negócios, incluindo a Uber. “Enquanto o SoftBank existir, haverá uma bolha no setor de tecnologia”, afirmou um capitalista de risco ao Financial Times.

A batalha de ideologias de investimento ganhará a Bolsa de Valores de Nova York como cenário, tendo a Uber como protagonista de uma corrida pelos 100 bilhões de dólares.

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