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Na Shein, marketplace vira trunfo, mas fabricação com parceiros locais patina

Companhia cresce no Brasil sem depender da produção local direta, que segue travada em 300 fábricas — longe da meta de 2.000 até 2026

Isabela Rovaroto
Isabela Rovaroto

Repórter de Negócios

Publicado em 13 de fevereiro de 2025 às 07h43.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2025 às 09h06.

A varejista de moda Shein criou um plano para reduzir a dependência de importações no Brasil. Em 2023, prometeu que 85% das vendas no país seriam de produtos nacionais até 2026 e anunciou duas frentes para atingir esse objetivo: um marketplace de vendedores locais e um modelo de produção com fábricas parceiras. Quase dois anos depois, os dois caminhos tomaram direções opostas.

O marketplace disparou. Hoje, 60% das vendas da Shein no Brasil vêm desse canal, que já conta com 30.000 lojistas cadastrados. O número é o triplo do registrado em novembro de 2023. O modelo já é a principal fonte de receita da empresa no país.

Na fabricação local, a situação é outra. A Shein pretende chegar a 2026 com 2.000 fábricas parceiras, mas até agora conseguiu apenas 300. O avanço praticamente parou no último ano, e uma das principais parceiras da marca, a Coteminas, entrou em recuperação judicial.

"O marketplace já vem quase pronto para plugar dentro da Shein e vender. A cadeia industrial exige uma transformação maior e precisa de mais tempo para se adaptar", diz Felipe Feistler, diretor-executivo da Shein no Brasil.

Marketplace cresce, mas fabricação local não acompanha

Quando lançou o marketplace em abril de 2023, a Shein começou com poucos vendedores. Em novembro daquele ano, eram 10.000 lojistas cadastrados, responsáveis por 50% das vendas da empresa. Agora, são 30.000 vendedores e 60% das vendas vêm do marketplace.

A expansão aconteceu sem grandes obstáculos. No início, a varejista de moda focou em digitalizar atacadistas do Brás e, depois, expandiu a captação para outros estados. A operação logística também evoluiu, permitindo entregas mais rápidas para os clientes.

Em 2025, a empresa avança para novos estados. A companhia vai expandir a plataforma para vendedores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal. A primeira etapa será em Santa Catarina, estado que concentra 25% da produção têxtil do Brasil.

Até o fim do ano, a Shein projeta ter até 50.000 vendedores cadastrados e não pretende abrir novos centros de distribuição nos estados, mas parceiros logísticos devem criar pontos de coleta e armazenagem temporária para agilizar as entregas conforme a demanda avançar. Atualmente, a empresa opera três centros de distribuição em Guarulhos (SP), com um total de 250.000 metros quadrados de armazenagem. Além disso, inaugurou nos últimos meses uma área alfandegária no Aeroporto de Guarulhos para acelerar o processamento de produtos importados.

O efeito da taxação das 'blusinhas'

Felipe Feistler, diretor-executivo da Shein no Brasil

Felipe Feistler, diretor-executivo da Shein no Brasil (Wanezza Soares /Divulgação)

A taxação sobre compras internacionais mudou o cenário para a Shein no Brasil. Com a cobrança de 20% de imposto para compras de até US$ 50 e 60% para valores acima, além do ICMS de 17%, os consumidores reduziram a compra de produtos importados. Segundo a Receita Federal, o número de encomendas internacionais caiu 11% em 2024 em relação ao ano anterior, mas a arrecadação sobre essas compras aumentou mais de 40%, chegando a R$ 1,98 bilhão.

Feistler reconhece que o imposto afastou parte dos clientes que compravam peças importadas. "O imposto tirou o acesso de muitas pessoas a produtos que não existiam no mercado local. Pessoas das classes B, C e D, que conseguiam consumir moda, pararam".

Mas, segundo o executivo, essa mudança também impulsionou o marketplace da empresa. "Existe uma transição natural. A pessoa que antes comprava peças importadas migra para o marketplace local em busca de alternativas sem taxação", afirma.

Esse movimento, no entanto, não vale para todas as categorias. Feistler explica que peças específicas, como roupas de inverno, ainda dependem das importações, já que não são tão comuns na indústria nacional. "Produtos que não são encontrados no Brasil continuam vendendo", diz.

Os obstáculos da fabricação local

A Shein trouxe ao Brasil um modelo de produção baseado em pequenos lotes, com fabricação sob demanda com empresas parceiras e reposição rápida de peças que performam bem no marketplace. A lógica funciona bem na China, onde o ecossistema produtivo é altamente integrado. Mas no Brasil, a companhia enfrenta dificuldades para nacionalizar a produção direta de peças.

Felipe Feistler explica que, no país asiático, todas as etapas da cadeia de suprimentos estão concentrados em polos industriais, o que garante agilidade. No Brasil, os insumos vêm de diferentes estados e até de outros países, o que atrasa o abastecimento.

O custo também é um obstáculo. A Shein ajusta a produção conforme a demanda, mas fornecedores locais enfrentam juros altos e dificuldades para manter estoques. “Se os fornecedores precisarem manter estoques no Brasil, o custo financeiro pode ser alto demais e inviabilizar a operação”, afirma.

A Coteminas ilustra esse cenário. A fabricante têxtil foi anunciada como uma das principais parceiras da Shein para produzir peças no Brasil em junho de 2023 e as ações da empresa chegaram a triplicar de valor com a notícia. Mas a parceria não avançou como esperado. Em maio de 2024, a Coteminas pediu recuperação judicial, acumulando dívida líquida de R$ 672,5 milhões. "Nós estamos esperando a Coteminas sair do processo para retomar a parceria", diz Feistler.

O executivo diz que a Shein está trabalhando para melhorar esse cenário, mas não dá detalhes sobre quais mudanças serão feitas para viabilizar o crescimento da fabricação local. A empresa mantém a meta de 2.000 fábricas até 2026, apesar de ter estagnado no último ano. Enquanto isso, segue apostando naquilo que funciona. E hoje, o marketplace é o trunfo da empresa no Brasil.

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