ALERTA DE POLUIÇÃO EM STUTTGART: cidade vive embate entre movimentos verdes e a indústria automobilística (Gordon Welters/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2018 às 16h51.
Última atualização em 21 de março de 2018 às 16h51.
Stuttgart, Alemanha – A estrela de Daimler brilha sobre Stuttgart, literalmente. O emblema luminoso gigante de seu carro mais famoso, o Mercedes, paira sobre a principal estação ferroviária, recebendo os visitantes. É visível a quilômetros de distância.
“Assim que você chega, já sabe quem manda aqui”, disse Manfred Niess, professor aposentado e ativista ambiental local.
Agora, porém, a Daimler e outras montadoras de Stuttgart enfrentam uma nova e surpreendente realidade: em breve pode ser ilegal para algumas pessoas andar de Mercedes nesta cidade, onde o clube de futebol local joga no estádio Mercedes-Benz.
Em 27 de fevereiro, um tribunal alemão decidiu que Stuttgart, uma das cidades mais poluídas do país, pode proibir carros a diesel nas áreas centrais para melhorar a qualidade do ar. A decisão, em última instância, poderia levar a proibições em uma série de cidades na Alemanha, país com milhões de carros desse tipo. Ao contrário dos EUA, onde eles são a exceção, na Alemanha aproximadamente um em cada três veículos de passageiros usa esse combustível.
“É o aviso mais recente à indústria automobilística alemã e aos políticos. E dessa vez eles podem se sentir forçados a mudar”, disse Christoph Bals, diretor de política do Germanwatch, grupo de defesa e de pesquisa de energia limpa.
A decisão mostra uma estranha qualidade bipolar da Alemanha quando o assunto é o meio ambiente: famosa pela reciclagem meticulosa, pela decisão de abandonar a energia nuclear e os subsídios para a energia eólica e solar, a nação há tempos tem a reputação de ser uma potência verde, e agora obtém aproximadamente um terço da sua produção de eletricidade de fontes renováveis. A chanceler Angela Merkel foi apelidada de “chanceler do clima”.
Mas Merkel também fez lobby em Bruxelas para suavizar as metas de emissões e até agora se recusou a definir uma data para o fim da produção de carvão. As emissões de carbono da Alemanha não diminuem há quase dez anos. Tendo recentemente reiterado a meta de reduzir as emissões de carbono em 40 por cento até 2020, acabou admitindo que na verdade não conseguirá cumpri-la.
Em relação à proibição do diesel, ela ficou por muito tempo ao lado da indústria. “Usaremos todo nosso poder para impedir tais proibições”, disse ela ao Parlamento antes das eleições de setembro passado.
“Ela é a lobista nº 1 da indústria automobilística. Em outros países, o ministro do comércio pode fazer a defesa dessa indústria; na Alemanha é a chanceler”, disse Jürgen Resch, da Deutsche Umwelthilfe, organização ambiental sem fins lucrativos que conseguiu a decisão da corte em 27 de fevereiro.
A decisão veio no momento em que a indústria automobilística alemã ainda tenta se recuperar do escândalo de emissões globais que obrigou a Volkswagen a pagar mais de US$26 bilhões em multas e a se declarar culpada de fraude federal e acusações de conspiração nos Estados Unidos. A empresa admitiu ter manipulado os controles de poluição dos veículos para que pudessem passar por testes de emissões, mesmo com os carros excedendo os padrões de poluição estabelecidos.
Em poucas cidades a esquizofrenia ambiental do país é mais gritante do que em Stuttgart, capital do rico estado de Baden-Württemberg.
A estrela de Daimler era visível em 27 de fevereiro, mas o mesmo acontecia com painéis eletrônicos espalhados pela cidade, estabelecendo um alarme em relação às “matérias particuladas”, e pedindo que os habitantes deixassem seus carros em casa.
Em dias assim, uma nuvem amarelada paira sobre Stuttgart. Os tribunais regionais aqui e em Düsseldorf, duas das 19 cidades onde a organização ambientalista abriu processos, haviam decidido que a proibição ao diesel era uma forma viável de diminuir os níveis prejudiciais da poluição atmosférica. Os motores que o têm como base emitem pequenas partículas e dióxido de nitrogênio que já foram associados ao câncer e a mais de 12 mil mortes prematuras na Alemanha, dizem os especialistas. As autoridades locais apelaram das decisões, mas em 27 de fevereiro o Tribunal Administrativo Federal rejeitou os apelos.
Os líderes da indústria ficaram chocados. A Daimler se recusou a comentar, mas outras montadoras expressaram perplexidade. “A Volkswagen não consegue compreender a decisão. Ela ameaça produzir uma cacofonia regulatória na Alemanha que é inquietante para milhões de motoristas”, disse um comunicado da empresa.
A Associação da Indústria de Engenharia Mecânica, cujos membros incluem fabricantes de autopeças e outras empresas da cadeia de suprimentos automotivos, disse em um comunicado que “a proibição do uso de veículos a diesel é a opção errada para resolver um problema que existe em locais determinados e em condições muito específicas”.
Gottlieb Daimler inventou um dos primeiros carros aqui, em seu jardim, em 1886. A cidade é agora o lar da Daimler, da Porsche e da Bosch, maior fabricante de autopeças do mundo. Aproximadamente um em cada cinco empregos na região depende da indústria. O Museu Daimler recebe a visita de inúmeros grupos de escolas. Os amantes de shows assistem apresentações na arena Porsche. Uma vez por ano, pilotos de Fórmula 1 se encontram com os habitantes locais no festival “Stars in Cars”. A maior parte da frota de táxis da cidade é de Mercedes – movidos a diesel.
Mas Stuttgart, localizada em uma bacia cercada por vinhedos e colinas arborizadas, também tem uma longa tradição de clubes de caminhadas e painéis solares nos telhados. A cidade tem um prefeito verde, que dirige um carro elétrico, e é administrada por uma coalizão liderada pelo Partido Verde desde 2011. Há também um vibrante movimento ambiental local, com protestos contra um projeto de muitos anos e vários bilhões de euros no centro, para transferir a principal estação ferroviária para uma área subterrânea.
Indignados com o local da construção imenso e poluente, conhecido como “Stuttgart 21”, os moradores vêm fazendo manifestações todas as segundas-feiras há sete anos.
Na véspera da decisão sobre o diesel, quando as medições da poluição do ar chegaram ao dobro do nível permitido pelas normas europeias, o protesto de número 406 ocorreu. Enfrentando temperaturas congelantes, Resch, o homem que entrou com a ação da proibição, falou a uma multidão pequena, mas barulhenta.
“No estado de Baden-Württemberg não é o povo que decide. É a indústria de carro!”, gritou ele, sendo ovacionado.
O ministro de Transportes do estado, Winfried Hermann, do Partido Verde, diz ser simpatizante. Sempre que os políticos exigem uma ação sobre as emissões de automóveis, disse ele, um padrão familiar se repete: “Pedimos que ‘limpem’ sua tecnologia, mas eles dizem que é impossível”, contou ele.
Hermann aumentou os serviços de trens suburbanos e linhas de ônibus para combater a poluição e também quer criar uma rede de sete mil quilômetros de ciclovias, mas sabe que é uma batalha difícil.
“As pessoas que fazem os carros também querem dirigi-los. É o orgulho profissional. Em certo aspecto, é uma questão de identidade”, disse ele.
Niess, o professor aposentado e ativista ambiental, ganhou três processos contra a cidade por não defender padrões de qualidade do ar. Ele já teve um carro movido a diesel, que comprou após ter sido informado de que as emissões de carbono eram menores do que as de um carro movido à gasolina comum. “Comprei porque me disseram que era bom para a mudança climática.”
“Nós todos já fomos enganados pela indústria automobilística”, disse ele.
Agora, Niess só anda de bicicleta pela cidade. Ele mora em uma esquina da Neckartor, há tempos uma das áreas mais poluídas do país. Stuttgart excedeu os níveis seguros de poluição durante 45 dias no ano passado, e 63 em 2016; o limite estabelecido pela União Europeia é de 35 dias.
Mais de um século atrás, Daimler previu que não haveria mais de um milhão de carros no mundo; hoje, esse número trafega pela Neckartor mais ou menos a cada duas semanas.
O prefeito de Stuttgart, Fritz Kuhn, diz que a única forma de conciliar a dependência empregatícia da indústria automobilística e as receitas de exportação é construir carros limpos.
“A história econômica está cheia de exemplos em que proteger postos de trabalho de hoje destrói os de amanhã”, disse ele. Stuttgart sabe bem disso: uma indústria de relojoaria outrora próspera e altamente qualificada não conseguiu acompanhar a modernização e praticamente desapareceu. A única coisa que sobrou foram os relógios cuco artesanais.