Thiago De Luca, presidente da Frescatto: objetivo é que peixe chegue mais barato à mesa do brasileiro (Stefano Aguiar/Frescatto/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 12 de outubro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 12 de outubro de 2019 às 12h42.
A agropecuária vem sendo o centro das notícias nos últimos meses. Da gripe suína africana na China que fez subir as ações e oportunidades de frigoríficos como JBS, Marfrig e BRF às queimadas e desmatamento na Amazônia — pelas quais muitos culpam o setor —, as notícias sobre exportações e consumo de proteína no Brasil se baseiam em frango, bois e porcos.
Enquanto isso, um esquecido setor da indústria brasileira busca provar seu valor: o pescado. Uma das empresas do setor, a fabricante de pescado fluminense Frescatto, completou em 2019 seus 75 anos com a expectativa de que a economia e o consumidor brasileiro ajudem a fazer o peixe “great again”.
Thiago De Luca, presidente da Frescatto, é a terceira geração no comando da empresa, que nasceu como uma pequena peixaria fundada no Rio de Janeiro por seu avô, Carmelo, que veio ao Brasil fugindo da guerra na Itália e criou a empresa em 1945.
Hoje, a Frescatto produz mais de 20.000 toneladas por ano e tem cinco centros de distribuição espalhados pelo Brasil, com vendas voltadas sobretudo ao mercado nacional. A empresa trabalha com duas marcas, a Frescatto, de mesmo nome do grupo, e a Buona Pesca, com mais de 50 opções de produtos.
Um dos principais desafios é que a indústria de peixe no Brasil ainda depende muito de matéria prima importada, ficando mais sensível à alta do dólar. “Nossas contas a pagar aumentaram em 10% no ano passado sem termos nenhum controle sobre isso. O custo aumenta sem ter um quilo a mais de produto”, diz De Luca. Com os custos de produção nas alturas, o preço do peixe também fica alto no supermercado e espanta o consumidor.
Em 2018, afetado pelo dólar que começou a disparar e beirar os 4 reais no segundo semestre, De Luca afirma que cortou “tudo que podia ser cortado”. A Frescatto conseguiu aumentar o faturamento em 9% em 2018 (os valores são de mais de 600 milhões de reais segundo declarações anteriores, embora a empresa não revele os números atuais). A expectativa para 2019 era uma alta de 13%, que pode acabar sendo um pouco menor com o cenário macroeconômico que ainda não engrenou.
O mercado de pescado no Brasil movimentou 5,4 bilhões de reais em 2017, segundo a Associação Brasileira de Indústrias e Pescados (Abipesca). A produção foi de 691.700 toneladas de peixes, alta de 8% na comparação com 2016. Os dados referentes a 2018 ainda não foram computados, mas De Luca afirma que basta olhar “a propaganda dos supermercados na TV”, que raramente vem mostrando promoções com pescado, para perceber que o ano não foi dos melhores.
Na outra ponta, o Brasil ainda exporta pouco, o que o faz excessivamente dependente do consumo interno. No ano passado, a indústria nacional vendeu para o exterior 261,1 milhões de dólares em pescado — a categoria inclui peixes, crustáceos e moluscos. Os maiores compradores são Estados Unidos e China. Enquanto isso, o país importou 1,3 bilhão de dólares em pescado, principalmente dos países árabes e do Chile, segundo dados do Ministério da Agricultura.
É do Chile que vem 25% do pescado importado pelo Brasil, sendo o país do qual mais compramos pescado. Os chilenos são responsáveis por boa parte do carregamento de um dos peixes mais tradicionais no Brasil, o salmão (além do Chile, somente cerca de 1% do produto vem do Alasca, nos Estados Unidos).
Embora o consumo de pescado seja ainda barrado pelo preço — o salmão, por exemplo, pode passar de 100 reais o quilo no supermercado —, De Luca conta que as vendas ganharam um incentivo nos últimos anos com as compras de restaurantes. A popularização de restaurantes com comida japonesa em grandes centro urbanos, além de serviços de delivery como iFood e Rappi, ajudam a movimentar a indústria em meio a preços altos no supermercado.
A alta dos serviços de alimentação vindos de restaurantes (o chamado food service), seja por meio de entregas ou presencialmente, também vem impulsionando os próprios peixes da indústria nacional. Entre os campeões brasileiros, estão peixes como a tilápia e o atum. Além de clássicos como salmão e bacalhau, tipos de pescado como camarão, lagosta ou polvo também são bastante requisitados por restaurantes.
Para dar conta de atender a todo o país, a Frescatto tem centros de distribuição em São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Pernambuco e Rio de Janeiro, onde, na cidade de Duque de Caxias, também concentra sua fábrica. A cadeia logística é um dos principais desafios. O caminho entre o pescador e a mesa é longo, e o peixe precisa ser congelado a temperaturas baixíssimas e transportado com ferramentas de alta tecnologia para que não perca suas propriedades.
Tentando aproveitar a onda do food service dentro de casa, a Frescatto possui ainda, no Rio, uma loja própria de pescado voltada para consumidores, com pequenas porções congeladas e vendedores especializados que podem indicar opções. “Temos de tirar essa história de que peixe congelado é ruim. Se você compra fresco, vai congelar depois. É melhor que deixe o congelamento com a gente, que sabemos fazer”, diz De Luca.
Parece estranho que um país com 12% da reserva de água doce e mais de 7.000 quilômetros de litoral junto ao mar tenha uma produção e consumo pequenos de pescado. Para De Luca, alguns pontos da legislação atrasam a indústria de pescado — na opinião do empresário, em partes por falta de vontade governamental. Uma das vitórias recentes no setor foi uma portaria que facilita a venda de pescado com “peso desigual”, isto é, com uma camada de gelo no congelamento do peixe.
O empresário lembra que o Brasil está impedido de exportar pescado para a União Europeia desde o ano passado. A UE respondeu em 2017 por 16% das exportações de pescado brasileiras, ou 24,5 milhões de dólares, segundo o Ministério da Agricultura. “Se fosse exportação de carne, o governo resolveria no dia seguinte”, diz De Luca.
"A cadeia também é muito complexa, há centenas de espécies, cada qual precisa ser manuseada de um jeito. Ainda jogamos fora um terço do pescado por falta de estrutura", diz Juliana Galvão, pesquisadora da área de pescados da Esalq, faculdade de agronomia da Universidade de São Paulo (USP). Galvão afirma que a maior parte da produção brasileira vem de pescadores artesanais, e, com os peixes criados soltos, o pescado também é muito mais suscetível ao ambiente do que proteínas como gado ou frango, já que a água vai refletir a qualidade do alimento.
Newman Costa, analista do Sebrae especializada em pescado, diz que a produção deste setor no Brasil foi melhorando nas últimas décadas. Mas ainda há barreiras como o custo da ração, a legislação e mesmo a cultura do consumidor brasileiro, acostumado a consumir mais carne bovina e de frango. "A aquicultura [pescado criado em cativeiro] também ainda é uma coisa muito recente, só nos últimos 30 anos o Brasil despontou na produção", diz a consultora. O pescado criado em cativeiro, se feito de forma correta e sustentável, é visto pelos especialistas como a melhor forma de alavancar a produção.
Na Frescatto, De Luca também alavancou a partir de 2016 projetos de sustentabilidade, de modo a reforçar o discurso de que, em meio a discussões sobre a pegada ambiental da criação da carne bovina, o peixe é a opção mais saudável e sustentável disponível. Desde 2016, 100% da energia nos processos industriais na Frescatto é renovável, mais de 13 milhões de litros de água foram economizados com reuso e 3,6 milhões de quilos de resíduos de pescado foram reutilizados na fabricação de produtos para o mercado pet. “O ano de 2018 foi muito para organizarmos, cortar o que precisava. Em 2019, esperamos colher alguns frutos”, diz o empresário.
Curiosamente, uma boa notícia para os produtores de pescado pode vir a ser a própria peste suína africana na China. Com a oferta de carne de porco menor, frigoríficos brasileiros estão alavancado as exportações para os chineses, o que pode fazer o preço da carne subir no Brasil. Sempre que há baixa na exportação de outras proteínas, elas ficam mais baratas no mercado interno e o peixe não consegue competir, diz De Luca, mas o contrário também pode ser verdadeiro. Agora, da mesma forma como os fatores internacionais atrapalham a venda de pescado no Brasil, podem trazer tempos melhores para o setor.