Cláudia Rosa: "Empresas globais têm políticas interessantes e acreditam no valor da diversidade. Tenho absoluta convicção de que isso é um dos principais motores para a criação de um ambiente inovador" (Divulgação/Divulgação)
CEO do Ela Investe e colaboradora da EXAME
Publicado em 27 de janeiro de 2025 às 10h12.
Quando trabalhava na IBM – onde permaneci até 2012 - o tema diversidade era constante, com uma área específica de projetos e ações inclusivas. O tema é abrangente, e a igualdade de gênero e a inclusão de mulheres em cargos de liderança sempre me chamaram a atenção.
Empresas globais têm políticas interessantes e acreditam no valor da diversidade. Tenho absoluta convicção de que isso é um dos principais motores para a criação de um ambiente inovador.
Coincidência ou não, nos meus últimos três de IBM meu cargo era Skills & Development Leader - Líder de Habilidades e Desenvolvimento. Fui gerente de carreira de estagiários a diretores de negócios. Já tinha um olhar de como apoiar as mulheres em suas jornadas e desafios de carreira. Eram apenas ações voluntárias, quase instintivas…
Algumas das minhas gerenciadas tinham, por exemplo, mais restrições a projetos longe de casa, precisavam cuidar dos filhos ou dos pais. Eram ótimas profissionais, mas por serem mães ou arrimos de família, não tinham as mesmas oportunidades que os homens: na maioria das vezes, já vinham com um ponto negativo na avaliação anual.
Eu mesma passei por isto, quando minha segunda filha nasceu em 2009. Estava em um projeto em São Paulo e já sabia que minha carreira não escalaria como imaginava nos próximos anos.
A questão é: como equilibrar tudo isto e não perder em performance? São desafios que encontramos ainda hoje. Sem desprezar de forma nenhuma nossa vontade de empreender, também posso afirmar que muitas mulheres acabam se tornando empreendedoras para conseguir este equilíbrio trabalho-família.
Pulando para 2015, quando comecei efetivamente a participar dos eventos de investimento anjo, meu olhar para a falta de diversidade me deixou muito inquieta. Era normal não ter mulheres nos encontros de investidores; aliás, nem se falava sobre diversidade ou participação de mulheres. Foi então que, no final de uma dessas reuniões, questionei se era esse o comportamento do mercado de startups.
Soube ali que a participação que a participação de mulheres investidoras anjo no ecossistema era de pífios 2%. E fiz uma provocação: “Nesse tipo de evento podemos ter sim 50% de mulheres”. Acredito que, para surpresa de ninguém, a minha afirmação foi encarada com uma piada. Fiquei muito desconfortável, cheguei até a refletir se esse era o tipo de ambiente que desejava para mim.
Nesta época eu já empreendia e ao mesmo tempo participava de redes lideradas por mulheres, como a RME – Rede Mulher Empreendedora e o Grupo Mulheres do Brasil, apoiando a inclusão de mais mulheres nos grupos e com ações de mentoria. Era um mundo diferente.
Foi então que comecei a compartilhar minhas experiências como investidora, dividir iniciativas e dores, convidar mulheres para eventos e encontros. Também comecei a me conectar com mulheres que já tinham algumas ações no mercado de investimento anjo, mas que não participavam dos eventos com frequência ou estavam muito isoladas.
Em 2022, criei o podcast Ela Investe, programas semanais de fomento ao empreendedorismo e à diversidade. A bandeira é “uma voz feminina neste mercado”: são conversas com empresários, investidores, empreendedores, mulheres e homens, sobre suas jornadas e desafios. Ela Investe se tornou referência e inspiração para muitos. E já são mais de 150 episódios nos canais do Youtube e canal Markket de TV.
Para se ter uma ideia de como as coisas mudaram, fechamos 2024 com aproximadamente 25% de mulheres investidoras e uma forte tendência de crescimento desse percentual nos próximos anos.
Por isso, como investidora, acredito e pratico a diversidade: uma das minhas teses é de que a Startup ou empresa para ser minha investida tem que ter pelo menos uma mulher no contrato social ou em cargos executivos. Busco também por negócios no Norte e no Nordeste do país para apoiar o crescimento do mercado nessas regiões.
Tenho bons exemplos disso. Como convidada especial da nona temporada do Shark Tank Brasil 2024 investi junto com as ‘sharks’ Carol Paiffer e Monique Evelle na Pittaco de Salvador, Bahia. É uma plataforma de imagem pessoal com foco em mulheres negras, lideradas por Caren Cruz, negra, nordestina, que com sua própria realidade começou a orientar mulheres sobre autoimagem. Ela conta que tinha dificuldade em ser vista, ouvida e entendida como uma profissional – assim, apoiar mulheres passou a ser um propósito.
O fato é que a Caren tem uma força e também uma verdade em suas palavras que me conquistaram. O poder dela vai além da plataforma: ela é catalisadora de uma transformação cultural. Ao fazer parte da Pittaco vou aprender ainda mais - e quero apoiar de perto o crescimento do negócio e da empreendedora.
Outro exemplo bacana: em rodadas de negócios em João Pessoa, Paraíba, em julho do ano passado, conheci o Grupo AME, rede de clínicas para tratamento de crianças de espectro autista, em Feira de Santana, Bahia.
Além das três unidades atuais, estão desenvolvendo tecnologia com realidade virtual para apoiar os tratamentos, implementaram um cartão de saúde próprio com valores acessíveis, e a AME Academy, que capacita profissionais para atendimento e orientação para famílias. Bom lembrar que uma em cada 36 crianças é identificada com Transtorno do Espectro Autista.
E mais um diferencial que pesou muito na minha decisão: o Grupo AME é liderado por três sócias e um sócio. Thays Freitas, que fez o pitch no dia do evento, é nordestina, de origem indígena e tem como propósito transformar a vida de famílias, inclusive com mais dignidade. Há muito amor envolvido em cada tratamento.
Também é muito bacana poder falar e repercutir tudo isso nas regiões Sul e Sudeste, para que esses exemplos possam ser seguidos por investidoras e investidores das regiões onde o ecossistema de startups está cada vez mais consolidado. Por isso destaco a recente entrevista que dei para a jornalista Luiza Gutierrez, do Caderno Mulheres, do jornal ND, de Florianópolis, Santa Catarina, matéria cujo título foi “Precisamos trazer mais mulheres ao setor de tecnologia”.
Esse também foi o meu tom ao participar do PanTech Podcast, o programa de tecnologia da Jovem Pan Floripa, comandado pelo Lito Aguiar, em que o tema foi venture capital, mas enveredei para a importância da diversidade e das mulheres no nosso ecossistema.
E assim vamos fazendo nossa “doutrinação” Brasil afora. A meta é a mesma daquela triste reunião de 2015: “Nesse tipo de evento podemos ter sim 50% de mulheres”. Tenho certeza de que agora essa afirmativa não será mais tratada com sarcasmo.
*Conselheira e maior investidora-anjo em startups do Brasil 2022, CEO do Ela Investe - @claudiarosa_vc