Trabalho é fundamental para manter estrutura para navios (André Zabel/Flickr)
Karina Souza
Publicado em 14 de abril de 2021 às 15h30.
Última atualização em 14 de abril de 2021 às 17h40.
O conceito de “dragagem” ganhou certa popularidade a partir do caso recente envolvendo o navio entalado no Canal de Suez — quem não viu um meme da pequena escavadeira ao lado do gigante empacado que atire a primeira pedra. Mas, o setor de dragagem está longe de representar somente uma alternativa para esse tipo de emergência. Seja no famoso canal a mais de 10.000 quilômetros ou aqui, é esse segmento o responsável por garantir a “limpeza” (em termos simplistas) dos locais para onde os navios vão para embarcar ou desembarcar. Não é algo simples: o Porto de Santos (que movimenta 40% dos contêneires no Brasil) recebe 1 metro de sedimentos por ano.
Para ter uma ideia, 1 centímetro já faria diferença em relação à capacidade de carga e descarga nos portos: aumentando o calado (medida de profundidade para receber navios) nessa medida, é possível carregar de 112 a 115 contêineres a mais por navio, segundo Cláudio Loureiro de Souza, diretor executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave).
Trabalhar dentro desse segmento também é um desafio. Sem contratos de longo prazo (o maior, segundo fontes ouvidas pela EXAME, atualmente, é de cinco anos), fato é que o setor deixa de ser atrativo para se consolidar com empresas 100% nacionais.
Atualmente, apenas uma empresa totalmente brasileira ganhou espaço nesse tipo de licitação: a DTA Engenharia Portuária e Ambiental, que, nos últimos oito anos, fez a dragagem de 100 milhões de metros cúbicos — em outras palavras, 65 estádios do Maracanã cheios até o teto. Em 2020, a empresa cresceu 10% em relação ao ano anterior.
Veja abaixo os principais pontos sobre esse setor — e como ele pode se desenvolver ao longo dos próximos anos, por meio de um bate-papo com João Acácio Gomes de Oliveira, presidente da DTA Engenharia.
EXAME: Como é estruturado o processo de dragagem pelos portos?
João Acácio: Todos os portos arrecadam um valor em função de tonelada de carga ou de contêiner para fazer a dragagem. Quem paga pela dragagem não é o governo, não é a gestão do porto, é a própria carga. Se você vai construir sua casa e vai importar mármore de carrara da Itália e você trouxe um contêiner, você vai pagar, hipoteticamente, quatro reais por tonelada para fazer a dragagem do porto.
O que ocorre é que a dragagem é contínua. E no Brasil nunca foram feitos contratos de longo prazo: o comum é encontrar os contratos de um ano, dois, até três anos. E todo o processo licitatório é sempre muito demorado, demanda tempo, sendo que às vezes até toma caminhos judiciais, por brigas entre as próprias empresas licitantes.
Mas, agora, percebemos que o governo está determinado a privatizar a dragagem, como consequência da privatização dos portos. O primeiro porto a ser privatizado no Brasil deve ser a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), que já está em fase de pré-licitação.
Quais as diferenças da dragagem que o senhor mencionou anteriormente ante a dragagem do Canal de Suez? No Brasil, corremos o risco de ter navios encalhados também?
A dragagem que foi feita no Canal de Suez não tem nada a ver com a dragagem portuária. Esta última é um processo contínuo, lá foi uma excepcionalidade onde houve um navio que cruzou o canal e ficou encalhado.
Agora a dragagem realizada, inclusive foi feita com escavadeira mecânica, é outro tipo de equipamento, não são as dragas que fazem a dragagem portuária navegando, enchendo seus sistemas e lançando esse material no mar. É um processo totalmente diferente.
Essa possibilidade [de encalhar] pode ocorrer em Santos? Pode. Pode ocorrer em qualquer navegação em canal estreito, mas posso afirmar que a relação entre a largura do navio e a largura do Canal de Suez é de duas vezes, enquanto em Santos é de 4,2 vezes. Então, o risco disso acontecer é bem menor aqui do que lá.
Quais são os principais cuidados que vocês têm ao fazer o processo de dragagem? Existe risco ecológico?
Existe, mas o Brasil tem uma legislação ambiental muito rigorosa. Por exemplo: o sedimento que é dragado tem de ter análise de contaminação. Se estiver contaminado, tem de ser ou descontaminado em plataforma terrestre ou encapsulado e levado para aterro ou em fossa submarina.
Hoje, os estuários estão bem resolvidos nesse aspecto. A gente tinha muito problema com isso 15, 20 anos atrás, especialmente no estuário de Santos, que também abrange a região de Cubatão — que, por sua vez, tem um polo petroquímico e um siderúrgico, onde houve no passado muita deposição de material contaminado quando a legislação nem existia sobre isso. Eu falo de contaminação 50, 60 anos atrás.
Hoje não existe mais essa contaminação. A janela ambiental de hoje está relacionada à entrada de desova de peixes, de crustáceos, que mostra em quais períodos não é permitido dragar, além de uma série de critérios e normas a respeito da contaminação.
E como é a disputa por esses serviços?
Esse setor é intensivo em capital. Uma draga média custa 100 milhões de euros, o que hoje dá 700 milhões de reais, numa conversão rápida — se trouxer aqui vai custar 1 bilhão de reais. Uma draga hopper, 1 bilhão de reais. Como disse anteriormente, não há muitos contratos de longo prazo, e ninguém investe num equipamento desses para ter licitações pequenas sem uma periodicidade bem definida.
A DTA, particularmente, criou um modelo de negócios onde a gente faz o afretamento dos equipamentos e concorre com os maiores players de dragagem do mundo, que são duas empresas belgas e duas empresas holandesas.
Nós fazemos esse tipo de contrato com equipamentos chineses, holandeses e russos e temos tido muito sucesso nesse modelo de negócios, tanto é que somos líderes desse segmento no Brasil. Nós “dragamos” 100 milhões de metros cúbicos nos últimos oito anos, isso equivale a 65 estádios do Maracanã, repletos até o teto de areia.
Quais são os contratos mais longos que vocês têm, hoje?
O do Porto de Paranaguá, que é de cinco anos, é o maior contrato de manutenção portuária em termos de prazo. É um contrato de 500 milhões de reais. Temos também o contrato com o Porto de Santos, de 300 milhões de reais para dois anos. O preço sempre depende de variantes hidrográficas e geográficas de cada local.
Outros contratos importantes para nós, ainda que com duração menor, são os de aterro hidráulico, ou seja, o “engordamento” de praias. Estamos fazendo isso hoje em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Mesmo com um prazo menor, são contratos que nos ajudam a distribuir o custo da ociosidade dos equipamentos utilizados.
Hoje, o Brasil tem cerca de 400 terminais capazes de receber navios — entre públicos e privados. Nos terminais privados (caso da VLI Logística e da Vale), e em alguns terminais subordinados à iniciativa pública, como Santos e Paranaguá — as duas maiores dragagens realizadas atualmente no país, esse processo é estabelecido. O desafio é homogeneizar essa atividade em todo o país, segundo Maurício Torronteguy, sócio-fundador e consultor sênior da MTCN Consultoria, especializada em soluções sustentáveis em dragagens, portos e costas.
“A gente não tem um plano de manutenção consistente das vias. Falta previsibilidade, que poderia ser feita de forma inteligente com investimento em tecnologia para capturar variações meteorológicas e oceanográficas, por exemplo. Além disso, falta infraestrutura para que esse setor se desenvolva e seja atrativo desenvolver o setor de dragagem no Brasil”, afirma. Um dos equipamentos mais populares para essa previsibilidade é o Sistema de Gerenciamento e Informação do Tráfego de Embarcações (VTMIS, em inglês), que realiza a integração de diferentes dispositivos e sensores para fornecer informações relevantes sobre o clima, por exemplo.
No Brasil, um investimento de R$ 146,3 milhões nesse sistema foi anunciado em 2016, com o projeto mais avançado sendo o da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) contratado em 2014 por 22,9 milhões de reais, segundo o comunicado oficial. A fornecedora da solução para o porto é a Indra, empresa global de consultoria e tecnologia, que tem a solução implantada em mais de 70 portos pelo mundo.
A tecnologia também contribui para o cuidado ao fazer a dragagem portuária nesses locais. Há situações em que a natureza não permite que profundidades maiores sejam exploradas, sob risco de tudo desmoronar. É o caso do antigo porto do Rio de Janeiro, que “aguenta” uma dragagem de 7 metros — se forem explorados 12 metros, para receber navios por lá, tudo aquilo deve desabar.
“Qual é o desafio que o país enfrenta há alguns anos? É a questão de infraestrutura de aguentar calados maiores e de fazer a dragagem que aguente calados [profundidade do navio] maiores também. Pra você ter uma ideia, os berços mais recentes [locais onde os navios acessam os portos] já foram construídos pensando em calados de 18 metros. Quanto mais novo é o porto, maior é a previsão de profundidade prevista”, diz Claudio Loureiro de Souza, diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave).
Ele explica que, no Brasil, o maior navio que trafega por aqui é o Valemax, capaz de carregar 16 mil toneladas por hora e de levar até 400 mil toneladas de minério de uma única vez. E que ter novos portos com um planejamento mais eficaz poderia aumentar — e muito — o volume de exportações do país.