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MPF investiga fraude bilionária em planos de saúde

Segundo o MPF, corretores propunham a clientes individuais a abertura de planos coletivos. Tudo para driblar controles. Bradesco e Amil são investigadas

Plano de saúde: a investigação surgiu por meio da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (megaflopp/Thinkstock)

Plano de saúde: a investigação surgiu por meio da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (megaflopp/Thinkstock)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 30 de novembro de 2017 às 18h16.

Última atualização em 30 de novembro de 2017 às 19h12.

O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) investiga as operadoras de plano de saúde Amil e Bradesco Seguros, e alguns de seus corretores, por estarem, segundo o MPF, fraudando a venda de planos. De acordo com o inquérito aberto, corretores propunham a clientes que tinham intenção de fazer convênios individuais a criação de coletivos, que são destinados a empresas. Em alguns casos, os próprios corretores criavam uma Microempresa Individual (MEI) para os interessados, o que configuraria a fraude. Para convencer os clientes, os corretores alegavam que os planos feitos por meio de uma empresa são até 35% mais baratos.

Eles não avisavam, porém, que os convênios coletivos estão sujeitos a menor regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que possibilita que seu reajuste seja mais alto do que nos planos individuais, além de abrirem a possibilidade de o contrato ser rescindido unilateralmente pela operadora e de que a rede de atendimento seja modificada de forma mais fácil.

Em nota, o MPF-SP afirmou que “além da lesão ao consumidor de forma ampla, cada plano vendido dessa forma também configura crime de estelionato”.

A investigação surgiu por meio da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), que recebeu denúncias de clientes que se sentiram lesados. De acordo com essas denúncias, muitos clientes só ficaram sabendo que eram proprietários de uma MEI quando tinham seu imposto de renda cobrado pela Receita Federal. Em alguns casos, em vez da MEI era constituída uma microempresa. A ABCF fez uma investigação própria e visitou 10 corretoras, sendo que oito se ofereceram a criar o CNPJ do cliente para que ele tivesse acesso ao plano mais barato.

De acordo com a investigação, Bradesco Seguros e Amil eram as operadoras citadas pelos corretores que propunham a prática – o que não quer dizer que ela seja restrita somente às duas, nem que elas tenham alguma responsabilidade, já que a iniciativa poderia partir do próprio corretor. Em nota, o MPF afirmou que “já oficiou os planos de saúde Amil e Bradesco, cujos corretores, segundo a denúncia, estariam incentivando a abertura de MEIs, e os planos negaram que incentivem a prática”.

No entanto, o órgão ressaltou que “essa prática criminosa de corretores envolve a questão mais profunda do desaparecimento, na prática, de planos individuais do mercado de planos de saúde. O MPF insiste, há anos, para que a questão seja regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de forma que o consumidor possa ter essa opção”. A Bradesco Seguros descontinuou os planos individuais em 2007. A Amil afirmou que segue trabalhando com a modalidade.

A Federação Nacional dos Corretores de Seguro (Fenacor) disse, por meio de nota, que “tais práticas não envolvem corretores de seguros e, sim, vendedores de planos de saúde, que não têm qualificação profissional”. O diretor de Saúde da Fenacor, Amilcar Vianna, disse que, caso fique provado que quem induziu os consumidores a criar uma microempresa com essa finalidade foram corretores regularizados, eles podem ser denunciados a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e terem seus registros cassados.

De acordo com executivos do setor ouvidas por EXAME, a maior regulamentação da área de planos individuais faz com que as operadoras tenham mais interesse em comercializar os empresariais. Em 2017, a ANS autorizou que os convênios individuais fossem reajustados em, no máximo, 13,55%. Os coletivos, que têm livre negociação entre os clientes e as operadoras, foram reajustados, em média, em 14,71% no caso de pequenas e médias empresas, e 19% em planos corporativos – mais de 30 funcionários.

“Ninguém é obrigado a comercializar uma atividade com excesso de regulação e de controle de preço. Você não pode chegar a um restaurante arrumado e pedir para ele vender prato feito assim como não posso chegar a uma operadora e obrigá-la a vender o plano individual, que sofre inúmeros casos de fraude, judicialização em excesso, entre outros problemas”, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde, a Abramge. Ele ressalta que, se as fraude se confirmarem, é “caso de polícia”. Mas diz não acreditar que as operadoras estejam colocando intencionalmente “para dentro de suas bases” clientes advindos de tal esquema.

Nos últimos três anos, em plena crise econômica, o número de pequenas e médias empresas contratando planos de saúde coletivos aumentou em 70%. A ANS diz não saber quantos planos coletivos estão ligados a somente uma pessoa, mas afirma que são 4,5 milhões de planos com até 30 pessoas.

A Receita Federal suspendeu em outubro 1,4 milhão de MEIs que não pagavam os impostos e não apresentavam movimentação de renda. “Boa parcela dessas empresas havia sido criada nesse esquema e é possível que os devedores nem saibam que estão em débito com a Receita”, diz Rodolpho Ramazzini, diretor da ABCF. Em um cruzamento de dados feito pela associação com um universo de 130.000 CNPJs dos que foram cancelados pela Receita, cerca de 36.000 constam como tendo planos ativos na ANS. “A ANS tem que dizer o que vai acontecer com esses clientes que já foram lesados uma vez, se os planos deles serão cancelados ou se serão transformados em planos individuais”, diz.

A ANS afirmou, por meio de nota, que “a proposta de normativa está em discussão e ainda não há data prevista para a publicação”. EXAME teve acesso à minuta da Resolução Normativa (RN) que foi discutida pela agência. Ela cria algumas regras para a comercialização dos planos para empresários individuais. Uma delas é que a empresa esteja constituída há pelo menos seis meses no momento da contratação, além de obrigar o responsável pelo CNPJ e contratante do plano a “conservar sua inscrição nos órgãos competentes”. Todo ano, no ato da renovação do contrato, as operadoras deverão exigir a comprovação de que está tudo em dia com a empresa.

Nada consta no texto sobre os planos que estão em vigência, mas que tiveram o CNPJ cancelado pela Receita. A agência disse que “não é adequado comentar pontos específicos” neste momento. De acordo com Ramazzini, se for levado em conta contratos de cerca de 300 reais mensais, o esquema é bilionário. “A própria ANS não tem números fechados. Mas em uma conta de aproximadamente 1.000.000 de planos constituídos mediante fraudes com MEIs, o faturamento das operadoras que trabalham errado vendendo esses planos é superior a 3 bilhões de reais anuais”, diz.

De acordo com Scheibe, da Abramge, as operadoras de planos já vinham tomando iniciativas para evitar as fraudes por conta própria há pelo menos um ano. Depois de ouvirem sobre as fraudes, elas teriam passado a exigir que as MEIs já tivessem pelo menos três meses de vigência – em alguns casos, a operadora exige seis meses – e que o cliente assinasse uma declaração de que sabia que estava contratando o plano empresarial. A investigação da ABCF, no entanto, foi realizada em meados de 2017 e nenhuma das corretoras visitadas fez tal exigência.

Procurada, a Bradesco Seguros disse que “segue a legislação em vigor e adota critérios específicos para a aceitação de pequenas e médias empresas nos planos do SPG (Seguro Para Grupos), como a exigência de que a empresa contratante tenha, no mínimo, seis meses de atividade. A sustentação do contrato está condicionada à manutenção regular do registro da empresa”.

Já a Amil disse, por meio de nota, que “informa que tem como política o descredenciamento de corretores que induzem clientes potenciais a criarem um registro de Microempreendedor Individual (MEI) com o único objetivo de contratar um plano de saúde coletivo. Desde abril de 2016, para ter acesso a essa modalidade de plano coletivo empresarial na Amil, são exigidos, pelo menos, três meses de registro de CNPJ; uma carta assinada pelo cliente, na qual ele confirma estar ciente de que está contratando um plano empresarial; e uma declaração, reconhecida em cartório, que certifica as finalidades empresariais da pessoa jurídica. Todos os esclarecimentos a esse respeito estão sendo prestados ao Ministério Público Federal do Estado de São Paulo. A empresa ressalta que combate preventiva e criminalmente qualquer tipo de fraude ou abuso no sistema de saúde”.

A ANS também informou que “como entidade responsável pela regulação das operadoras de planos de saúde, a Agência abriu processo administrativo para apurar a eventual responsabilidade das operadoras em condutas infrativas por parte de seus corretores”.

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