Paradoxo: o Brasil é um dos principais produtores de commodities minerais do mundo, mas oferece cenário adverso ao setor (Cedro Participações/Divulgação)
EXAME Solutions
Publicado em 21 de outubro de 2024 às 11h25.
Com amplas reservas minerais e uma matriz energética predominantemente renovável à disposição, a mineração brasileira tem um imenso potencial para liderar globalmente o processo de transição do setor para um modelo produtivo mais sustentável. Falta apenas encontrar condições mais favoráveis para isso.
Responsável por mais de 30% do saldo da balança comercial do país, que é o segundo maior produtor mundial de minério de ferro, há anos o segmento já tem promovido, mesmo com os desafios, inúmeras ações para minimizar o impacto ambiental de suas atividades.
As medidas passam principalmente por questões como eficiência energética e no uso de recursos, novas soluções para empilhamento de rejeitos, tecnologias para otimização das operações e definição de metas de redução das emissões de carbono.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann, o crescente compromisso do setor mineral com a “mineração do futuro” – mais segura, sustentável e responsável – é de suma importância.
“Investidores e empresas internacionais estão atentos às questões de ESG. Integrar práticas sustentáveis não é apenas uma escolha, mas uma exigência do mercado. Isso não só melhora a imagem do Brasil no cenário internacional como também torna a mineração nacional mais competitiva e alinhada com as demandas globais”, analisa.
Um exemplo do comprometimento com uma cadeia mais limpa e eficiente é a Cedro Mineração, especializada em extração, beneficiamento e comercialização de minério de ferro.
Entre as iniciativas relevantes da companhia está a migração, até 2030, de 100% de sua produção para o pellet feed de redução direta, conhecido como “minério verde”. Trata-se de um minério mais fino, rico e puro, além de mais valorizado no mercado, que emite 50% menos CO2 na produção do aço na indústria siderúrgica.
“Esta redução é muito relevante, pois a siderurgia é uma das indústrias que mais contribuem para o aquecimento global, sendo responsável por quase 8% das emissões globais de CO2, já que cada tonelada de aço produzida em um alto-forno tradicional emite cerca de 2 toneladas deste gás de efeito estufa. No Brasil, a indústria do aço contribui com cerca de 4% do total das emissões de GEE, e na China, maior produtora de aço do mundo, corresponde a 15% das emissões, sendo a segunda maior fonte de GEE Chineses”, salienta Lucas Kallas, presidente do Conselho da Cedro.
Até 2030, a Cedro pretende migrar 100% de sua produção para o pellet feed de redução direta, conhecido como “minério verde”, contribuindo para a descarbonização na indústria siderúrgica.
Outro destaque é o Projeto Shortline, em que a Cedro construirá um ramal ferroviário na região de Serra Azul, em Minas Gerais, para escoar o minério extraído localmente. A pequena ferrovia vai tirar das estradas 5 mil caminhões por dia e evitará a emissão de 47 mil toneladas de carbono em 2030.
A mineradora se sobressai ainda pela descaracterização de barragem de rejeitos, usando sistemas de filtragem avançados, que asseguram o empilhamento a seco dos rejeitos (sem utilização de barragens) e reaproveitamento de 85% da água usada no processo de beneficiamento.
“A adoção dessa abordagem mais limpa e eficiente é extremamente importante para a competitividade da empresa – e da mineração brasileira – no mercado internacional”, comenta Kallas.
Apesar do claro interesse em seguir pelo caminho da sustentabilidade, com bons exemplos como estes, e a enorme importância econômica do segmento para o Brasil – sozinho, ele movimentou R$ 248 bilhões em 2023, mais do que o PIB de países como Grécia e Hungria –, a mineração nacional encontra, em muitos aspectos, um ambiente hostil.
“O que mais dificulta esse debate é a falta de reconhecimento da importância da mineração para o país”, ressalta Jungmann. “O setor atrai investimentos bilionários e gera receitas volumosas, mas enfrenta diversos obstáculos para sua competitividade plena.”
Um dos entraves mais significativos para a expansão sustentável é a escassez de incentivos e investimentos. Para a produção de pellet feed, por exemplo, são necessários altos aportes iniciais – até quatro vezes maiores do que os feitos em uma planta convencional. E eles só são viáveis se o governo criar mecanismos que facilitem o financiamento e incentivem a indústria a apostar de forma mais agressiva nesse novo produto.
“Não temos fundos de investimentos específicos para ampliar o desenvolvimento de novos empreendimentos, como há para outros setores, nem linhas de créditos para financiamento de empreendimentos de pesquisa mineral”, argumenta Jungmann.
A burocracia é mais um desafio para a mineração brasileira na corrida por uma indústria mais moderna e sustentável: licenças ambientais para novas minas podem demorar mais de cinco anos, em um processo lento, complexo e ultrapassado, sem reflexo em ganhos na proteção ambiental.
Outro obstáculo é a elevada tributação. “O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias entre os países mineradores, e o movimento atual é de aumentar ainda mais a tributação”, pontua o presidente do IBRAM.
Além da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) paga pelas mineradoras (em 2023, a Agência Nacional de Mineração arrecadou R$ 6,8 bilhões com esses royalties), o governo propõe acrescentar o Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”.
Essa taxa, que segundo Jungmann não existe sobre a mineração em nenhum lugar do mundo, afetaria consideravelmente a competitividade dos produtos minerais brasileiros. Estima-se um custo extra de até R$ 5 bilhões por ano, que poderiam ser aplicados em soluções sustentáveis e de alto valor agregado.
De acordo com Eduardo Couto, presidente da Comissão Especial de Direito Minerário da OAB Nacional, o objetivo do Imposto Seletivo é desestimular determinadas atividades prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No entanto, a produção de minério de ferro não pode ser considerada como negativa, por ser essencial para praticamente todas as cadeias produtivas e por ser a mineração uma atividade extremamente regulada e com todos seus impactos compensados. “O minério de ferro é imprescindível para o desenvolvimento de novas tecnologias e equipamentos que nos conduzirão para uma economia de baixa emissão de carbono, além de constar expressamente na relação dos minerais estratégicos para o Brasil, conforme resolução n. 2/2021 do Ministério de Minas e Energia”, conclui.
A consequência do cenário desestimulador tem sido a perda de competitividade e produtividade do país no cenário global, em especial frente à Austrália, maior produtora de minério de ferro e principal competidora do Brasil no mercado internacional, onde os investimentos na cadeia são expressivos graças a políticas de incentivo.
Segundo o Export Finance Australia, a indústria de mineração australiana investiu US$ 11,5 bilhões (R$ 63 bilhões) só no primeiro trimestre deste ano, 60% mais do que no mesmo período de 2019.
O resultado dos investimentos é nítido quando comparamos a curva de crescimento, segundo Kallas. “Em 2003, o Brasil produzia 235 milhões de toneladas anuais, enquanto a Austrália alcançava 212 milhões. Desde então, o Brasil elevou sua produção para cerca de 450 milhões de toneladas/ano. No entanto, os australianos mais que quadruplicaram sua produção, atingindo 955 milhões de toneladas/ano. O mesmo ocorreu nas exportações, onde o Brasil também ficou atrás. A demanda mundial atual é por minério de altíssima qualidade e a produção brasileira precisa se adaptar rapidamente”, explica.
O Canadá é mais uma boa referência. O país construiu um sólido sistema de financiamento à exploração mineral por meio de incentivo fiscal para investimentos em ações de empresas que operam com recursos naturais.
O mecanismo rompeu com a ideia de que, no estágio de pesquisa, a não descoberta de jazidas significa perda dos recursos investidos. O dinamismo das pesquisas exploratórias diminui os riscos, valorizando os papéis das companhias e agregando conhecimentos geológicos, ganhos que compensam os eventuais insucessos.
Com essa abordagem, hoje a Bolsa de Toronto (TSX) reúne 1.400 empresas do setor de diversas nacionalidades – mais de 40 mineradoras só de capital brasileiro –, enquanto apenas seis empresas do segmento estão listadas na Bolsa brasileira, a B3. “Com nosso potencial, não deveria haver essa diferença”, lamenta Lucas Kallas.
Observando o que é feito nesses países, com os quais o Brasil se iguala em desenvolvimento técnico, os especialistas apontam alguns caminhos para que a mineração nacional tenha, de fato, condições adequadas para fazer os investimentos necessários em alternativas mais sustentáveis.
O primeiro é reconhecer a importância da mineração para o país por meio de políticas públicas específicas para o setor e apoio dos diversos níveis de governo.
“É uma demanda urgente a colaboração entre empresas e governo em torno de objetivos comuns”, diz Kallas. “Ainda estamos nos primeiros passos nesse sentido, enquanto, na Austrália e no Canadá, há fortes políticas públicas, reconhecimento e orgulho pela atividade”, complementa Jungmann.
Depois, é vital criar estímulos financeiros para a atividade. Para o executivo do IBRAM, uma estratégia é desenvolver um mercado de capitais que possa dividir os riscos de uma pesquisa mineral, aos moldes do que é feito lá fora, ampliando a participação de capital privado brasileiro nisso.
O conhecimento geológico do território nacional, comparado a outros países, é baixo: segundo Jungmann, apenas cerca de 4% do território apresenta mapeamento geológico em escala mais adequada para a mineração (1:50.000).
“Possuímos elevada vocação mineral, com províncias minerais espalhadas por todo o território, mas nosso verdadeiro potencial mineral ainda não é totalmente conhecido para que possa gerar novos empreendimentos”, ressalta.
Também é urgente tornar mais simples e ágeis os licenciamentos ambientais, com uso de tecnologia. E embora estejamos observando o crescimento em infraestrutura de transporte no país, esta é outra agenda que precisa avançar, na visão dos especialistas. Por isso, a relevância de iniciativas como a shortline planejada pela Cedro.
Uma alternativa proposta pela mineradora nesse contexto, aliás, são as debêntures incentivadas, oferecidas a outras indústrias. Conhecidas como debêntures de infraestrutura, são títulos em que as empresas captam recursos no mercado para financiar projetos de infraestrutura e têm como retorno a isenção ou redução de Imposto de Renda sobre os lucros obtidos.
“Diante da posição estratégica do aço para a transição energética é fundamental que investimentos sejam feitos no beneficiamento do produto da lavra de minério de ferro, visando a obtenção de minério de redução direta (pellet feed), por se tratar de insumo imprescindível para a produção do aço de forma sustentável e, consequentemente, para a transição energética”, afirma Kallas.
Há ainda a necessidade de mais segurança jurídica. Mesmo tendo hoje um ambiente regulatório rígido e atualizado, principalmente nos aspectos ambientais, Jungmann frisa que é necessário consolidar uma esfera mais estável, clara e objetiva juridicamente, como se vê no exterior. “Continuamente, a mineração lida com novidades em seu ambiente regulatório, somado ao volume gigantesco de legislações que versam sobre o mesmo tema”.
Se tais condições forem garantidas, sendo o Brasil um dos países de maior diversidade e riqueza geológica do mundo e com energia limpa abundante, a mineração nacional tem um extraordinário potencial para liderar a corrida pela sustentabilidade e se destacar como fornecedor global de minerais.
“Riquezas minerais, energias renováveis e água não nos faltam. Com uma melhora nas condições regulatórias, econômicas e institucionais, o Brasil tem tudo para recuperar a competitividade e voltar a liderar o mercado mundial”, resume Kallas.