RAFAEL MENIN, DA MRV: “nos últimos três anos a gente gastou quase 700 milhões de reais em terrenos, percorremos um caminho muito diferente do setor” / Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 16 de novembro de 2016 às 10h48.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h41.
Letícia Toledo
Imóveis encalhados e distratos crescentes são o pesadelo da maioria das construtoras do país, que tem apresentado receitas cada vez mais minguadas. Em meio a este cenário, a MRV chama a atenção por conseguir crescer. Nos resultados do terceiro trimestre, apresentados na última semana, a companhia lucrou 5,4% a mais do que no mesmo período do ano passado. Concentrando a produção no atendimento ao programa Minha Casa Minha Vida, a companhia se tornou a líder do setor nos principais indicadores financeiros e, como reflexo, se tornou a maior construtora de capital aberto no país, com valor de mercado de 5,1 bilhões de reais. Em entrevista a EXAME Hoje, o presidente da companhia, Rafael Menin, afirma que, nos próximos anos, a MRV deve crescer muito mais devido à aposta nos investimentos em terras, enquanto as outras construtoras ainda sofrem com a crise.
A que se devem os bons resultados da MRV, mesmo em tempos de crise?
A companhia escolheu ter um foco no segmento econômico. No Brasil, cerca de 1,3 milhão de famílias se formam a cada ano, mas apenas 600.000 moradias são financiadas. Então, a cada ano, 700.000 famílias ficam sem moradia própria, e a maior parte delas está no segmento econômico. Então, a gente escolheu trabalhar no segmento de grande demanda. Além disso, nós somos a única construtora de atuação nacional, com presença em 143 cidades do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e entramos agora na região Norte. Eventualmente, temos algumas regiões indo mal, mas outras vão bem.
A estratégia das outras companhias do setor tem sido a de reduzir o número de lançamentos em meio à crise, mas a projeção da MRV é manter para este ano o mesmo número de lançamentos do ano passado. Por que a postura de vocês é diferente?
No Brasil, o número de lançamentos no passado foi muito elevado para o segmento de média e alta renda. O preço subiu muito mais que a inflação e as condições de financiamento pioraram muito. Já no segmento econômico, que é onde a MRV atua, a situação é diferente. A competitividade reduziu, as empresas passaram a lançar menos, a demanda é muito latente e as condições de financiamento permanecem as mesmas. Quem compra o nosso produto é o comprador do primeiro imóvel. O valor da prestação fica em torno de 730 reais, o valor do aluguel do mesmo imóvel é por volta de 800 reais, então é positivo para esse consumidor comprar um imóvel. O segmento de alta renda está comprando o segundo ou terceiro imóvel, e no momento de crise esse cliente espera. O meu cliente não.
A MRV conseguiu avançar muito por conta do programa Minha Casa Minha Vida. Essa dependência de um programa do governo não é um problema? Sobretudo em um momento em que o país está em crise, os recursos são escassos e o governo está repensando seus programas sociais?
Analisando demografia e necessidade, o nosso segmento é disparado o mais estável. É claro que uma política habitacional é importante para poder endereçar esses imóveis, não adianta ter demanda se não há financiamento. É muito difícil que o governo não tenha uma política pública de habitação econômica porque isso poderia provocar um efeito colateral com problemas de saneamento, violência, saúde pública. Uma criança que cresce em uma favela tem uma situação muito mais difícil do que se ela morar em um empreendimento com lazer, fechado e com segurança, as mazelas sociais são muito mais facilmente combatidas. Um governo que não tem uma política de habitação é um governo irresponsável. Nos Estados Unidos, até hoje há investimento em subsídio e programas de incentivo, são 80 bilhões de dólares por ano. O americano entendeu há muitos anos que para a sociedade funcionar corretamente, habitação é um princípio básico.
Então o Minha Casa Minha Vida deve continuar?
Sim. E nas faixas 2 e 3 do Minha Casa Minha Vida, que é onde a gente atua, 90% do subsídio vem do Fundo de Garantia e só 10% vem da União. Nessas faixas, o imposto é de 4% sobre o valor da unidade e o imposto sobre a cadeia (cimento, aço, serviço, acabamento, etc.) é de mais ou menos 8% o preço da unidade, que custa cerca de 150.000 reais – um apartamento típico da MRV. Então, do ponto de vista fiscal, as faixas 2 e 3 são extremamente eficientes.
E quais os planos da MRV para os próximos anos?
Temos feito um trabalho interessante. Entramos na crise com caixa alto, alavancagem baixa, estrutura de capital folgada e isso nos permitiu uma postura agressiva. Nos últimos três anos, gastamos quase 700 milhões de reais em terrenos, percorremos um caminho muito diferente do setor. O crescimento foi pequeno nesse período, mas o dever de casa foi muito bem feito. Temos 40 bilhões de reais de land banking [banco de terrenos]. No curto prazo, ainda não conseguimos colher o fruto desse trabalho, porque a legalização é demorada, leva cerca de 3 anos. Então, em 2017 e 2018, vamos conseguir desovar uma boa parte desse land banking. Também investimos em tecnologia da informação e em preparação de time. Isso vai pavimentar um caminho de crescimento em uma nova fase do mercado.
Quando a melhora para o mercado imobiliário como um todo virá?
São três fatores: preço, financiamento e confiança. Dois deles já estão endereçados. O preço do imóvel caiu nos últimos dois anos, quando falamos do segmento de média e alta renda. O segundo fator é a confiança, que depende de políticas públicas acertadas no longo prazo – a economia tem que voltar a crescer, o desemprego voltar a cair. O pico negativo de confiança foi no meio do ano, a gente tem visto alguns sinais de recuperação. Vai levar um certo tempo, mas, olhando para frente, eu diria que a confiança vai se recuperar gradativamente – o pior já passou. O terceiro aspecto é financiamento, e aí está a grande ameaça. No segmento de média e alta renda, a saída foi de 80 bilhões de reais da poupança nos últimos 18 meses. Então, é preciso que parte desse dinheiro volte para bancar os financiamentos.
Há construtoras em situação financeira delicada. Já que a melhora econômica tende a ser lenta, é possível que elas se recuperem? A MRV tem interesse em comprar alguma dessas companhias?
Infelizmente, algumas empresas chegaram à crise muito alavancadas e, como o custo da dívida está muito caro, é difícil fechar a conta. Algumas empresas realmente não vão conseguir manter as operações. É possível que haja uma mudança, mas vemos empresas fechando em outros setores do país. A explicação é muito parecida: redução no número de vendas e custo de capital muito alto. A MRV tem 37 anos de mercado e uma cultura de crescimento orgânico. Não faz nosso estilo comprar empresas.