Muitas vezes, os executivos burlam resultados para não deixar que impressões negativas sejam vistas como um sinal do futuro (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 20 de outubro de 2010 às 19h10.
Ninguém chega ao primeiro escalão da gestão corporativa sem uma dose saudável de autoconfiança. A confiança está na base da liderança forte e decisiva, mas o excesso de confiança leva os gerentes a cruzar a linha e cometer fraude?
Uma nova pesquisa realizada pela faculdade de administração Wharton que combina os resultados da literatura psicológica e os registros de fiscalização de fraude da Securities and Exchange Comission (SEC, a comissão americana de valores mobiliários) examina a tendência que tem os altos executivos de se envolverem em comportamento fraudulento em função da confiança excessiva na capacidade da empresa de apresentar bom desempenho no futuro.
Catherine M. Schrand, professora de contabilidade da Wharton, e Sarah L. C. Zechman, estudante de doutorado, estão desenvolvendo um estudo intitulado, "Executive Overconfidence and the Slippery Slope to Fraud" (O Excesso de Confiança Executivo e a Rampa Escorregadia para a Fraude) que estuda modelos de fraudes para determinar se os executivos são levados a cometer fraudes não por interesses próprios, mas porque os executivos estão demasiadamente otimistas de que serão capazes de recuperar suas empresas.
"A principal questão é se o comportamento fraudulento pode ser explicado pelo conhecimento que temos do processo de tomada de decisão humana. Parte do comportamento fraudulento decorre de gerentes que colocam a si mesmos na posição onde a fraude é a única saída", diz Catherine. "Eles não pensavam em cometer fraude no início e não estavam necessariamente tentando prejudicar ninguém, mas acabaram se encontrando numa posição na qual sentiram ser o único meio para sair de uma situação negativa".
Catherine descreve o caminho que conduz à fraude. Um executivo acredita que sua empresa está só passando por um trimestre negativo ou má fase. Ele também acredita ser do melhor interesse de todos os envolvidos - diretores, funcionários, clientes, credores e acionistas - cobrir o problema no curto prazo de forma que esse desempenho fraco não seja interpretado como um sinal do futuro. Além disso, ele está convencido de que mais adiante esse período de desempenho fraco será revertido. É o executivo otimista ou excessivamente confiante que está mais inclinado a ter essas crenças.
"Ele pode reinterpretar as regras ou se envolver no que pode ser chamado de "área cinzenta" do gerenciamento de resultados. Mas digamos que no fim ele estiver errado e a situação não melhora como se esperava", continua Catherine. "Então ele tem de compensar pelo período anterior. Isso pede comportamento fraudulento contínuo e ele tem de produzir ainda mais resultados no trimestre corrente".
Segundo o estudo, o gerenciamento de resultados num único período pode passar despercebido se o desempenho melhorar. Caso contrário, afirma o estudo, os gerentes continuarão manipulando os lucros em somas cada vez maiores. "No final, a única opção dos gerentes é "maquiar os livros" falsificando documentos e produzindo os tipos de contabilidades adulteradas que são objetos de processo por parte da SEC", escrevem as autoras. Um gerente excessivamente confiante que nutre crenças nada realistas sobre o desempenho futuro tem mais chance de cometer fraude "porque tem menos possibilidade de antecipar corretamente a necessidade de ter mais controle sobre os resultados nos períodos subseqüentes".
* Publicado originalmente em 05 de março de 2008. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.
A fraude está se tornando cada vez mais prevalente - e também pública. Duas das maiores fraudes corporativas na história americana, da Enron e da WorldCom, ocorreram na década passada, inspirando cada vez mais atenção por parte tanto da imprensa financeira quanto das agências reguladoras governamentais. Se o excesso de confiança for o motivo, isso significa que a classe executiva está sendo dominada por tomadores de decisões sistematicamente tendenciosos? "Muitos executivos exibem a característica de excesso de confiança na qual suas expectativas são mais altas do que poderia ser indicado", diz Catherine. "O excesso de confiança é uma característica humana que existe na população em geral para certos tipos de pessoas, e prevalece mais nos executivos". Ela destaca que a pesquisa na área psicológica, junto com estudos de empreendedorismo e gestão, mostra que as pessoas que são promovidas para os níveis mais altos de uma corporação são normalmente aquelas que têm confiança suficiente para correr riscos. Além disso, os executivos alcançam as posições mais elevadas devido aos sucessos anteriores, e com base nessas experiências eles se sentem mais confiantes.
Sustentando a farsa
Para determinar se os executivos excessivamente confiantes estão mais predispostos a cometer fraude, as pesquisadoras revisaram os comunicados de fiscalização de contabilidade e auditoria da SEC (AAERs) de 1990 a 2000 para encontrar padrões nas empresas envolvidas em fraudes.
A Waste Management, que em 1998 revisou o lucro de 1982 a 1987 em 1,7 bilhão de dólares - na época a maior revisão de lucros na história corporativa - é citada no estudo como um exemplo. A SEC acusou a empresa de cometer fraude sistemática na qual os executivos estabeleceram metas de lucros para cada trimestre e manipularam a contabilidade, trimestre por trimestre, até que um novo diretor-executivo ordenou uma auditoria das práticas de contabilidade e descobriu o esquema. "As receitas e os lucros da empresa não cresciam em ritmo que fosse suficiente para alcançar essas metas, então os réus passaram a eliminar as despesas e a transferi-las para o período seguinte, na tentativa de inflar os lucros", segundo a SEC. As quantias eram pequenas no começo e não foram detectadas, mas eles necessariamente tiveram de aumentar o valor para sustentar a farsa.
Catherine indica a fabricante de computadores Gateway como outro exemplo de como o comportamento fraudulento pode virar uma bola de neve com o passar do tempo. No segundo trimestre de 2000, os diretores da Gateway iniciaram um programa agressivo de financiamento direcionado para os clientes cujos pedidos de crédito no programa de financiamento da fabricante foram rejeitados. O comunicado de fiscalização da SEC informou que até 8 de junho de 2000 a Gateway havia gerado 10 milhões de dólares por meio desses empréstimos (referidos pela Gateway como empréstimos "externos"). Dois dias depois, a diretoria cogitava revisar a meta para gerar 20 milhões de dólares em empréstimos de alto risco. Quando a diretoria pediu para um chefe de divisão alcançar a meta de receita de 975 milhões de dólares sem a receita incremental do programa de financiamento, o chefe da divisão respondeu que ele já estava contando com 30 milhões de dólares do programa para cumprir a meta de receita.
* Publicado originalmente em 05 de março de 2008. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.
"A situação da Gateway é muito parecida com a presente situação dos empréstimos subprime", observa Catherine. Como ocorreu com os bancos que concederam empréstimos de alto risco, a atividade de empréstimos fundamental da Gateway - o programa de empréstimos externos - não era ilegal. O problema nesses dois casos, contudo, decorreu do fato de o risco do portfólio de empréstimos não ter sido devidamente justificado pelas reservas ou divulgado, e pode inclusive não ter sido do conhecimento dos gerentes - em particular, os gerentes excessivamente confiantes. O resultado nos dois casos foram perdas não previstas quando os devedores não efetuaram os pagamentos.
A não divulgação da mudança na política de crédito da Gateway provavelmente não foi tão grave no início quando o programa era pequeno, mas depois que o programa cresceu se tornou uma ação fraudulenta pelas regras da SEC. As autoras sugerem que uma explicação possível para a situação da Gateway é que os gerentes estavam excessivamente confiantes na perspectiva futura da empresa. Quando deram início ao programa eles não previram que teriam de ampliá-lo para alcançar as metas futuras. Se tivessem previsto, nunca teriam iniciado o programa em primeiro lugar.
As autoras discutem a relação entre a confiança dos executivos e a fraude por meio de suas variáveis nas indústrias, companhias e no plano individual. Elas concluíram que é mais provável que ocorra fraude nas indústrias complexas que passam por crescimento rápido, como as de alta tecnologia. Catherine observa que a variável mais significativa de fraude relacionada a indústrias especificas se deve ao elevado nível de volatilidade do retorno das ações.
"A concentração de empresas em setores industriais de risco, caracterizados pelo dinamismo e pelo alto crescimento, que enfrentam risco idiossincrático significativo são um bom exemplo disso", afirma o estudo. "A literatura de gestão tem mostrado que esses setores são atraentes para os executivos mais confiantes". Mas Catherine reconhece que esses setores também podem exibir mais casos de fraude porque oferecem mais facilidade e incentivos.
Como provas adicionais, as pesquisadoras examinaram as características empresariais e individuais para medir o efeito do excesso de confiança na fraude. Para observar tendências, o estudo comparou as firmas em que foram identificados casos de fraude a uma amostra comparável de firmas de porte similar, e do mesmo setor, que não foram sancionadas pela SEC.
Casos premeditados versus acidentais
Na revisão dos dados da SEC, as pesquisadoras identificaram dois tipos de fraude. Uma é direta, premeditada ou "oportunista". A outra é ingênua, quase acidental, e que se enquadra na idéia das autoras de que os executivos sob pressão tendem a recorrer à fraude para cobrir o gerenciamento de resultados de quantias menores realizado nos períodos anteriores.
* Publicado originalmente em 05 de março de 2008. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.
Catherine reconhece que muitos executivos na mesma posição se afastam dos problemas. "Há claramente alguns executivos que preferem não seguir pelo caminho da fraude", ela explica. Esses diretores tomam decisões racionais e sabem muito bem que se mascararem os lucros fracos estarão cometendo fraude e isso pode resultar em punições pesadas. Catherine diz que a fraude pode ter ocorrido em algumas das firmas comparadas, mas nunca no nível em que é detectado pela SEC, talvez porque o excesso de confiança dos executivos surtiu efeito e um problema temporário foi resolvido.
Para entender melhor essas companhias, Catherine está atualmente examinando as revisões de lucros. Essas companhias, como aquelas que cometeram fraude, podem ter manipulado os lucros por um curto tempo, mas elas não persistiram nesse caminho. Quando o executivo encontrava-se em posição de exigir comportamento inadequado para cobrir "áreas cinzentas" de gerenciamento de resultados, ou gerenciamento de resultados em quantias menores, ele não o fez. Em vez disso, ele confessou ter gerenciado os resultados no período anterior e depois os revisou. O comportamento nunca chegou ao ponto no qual se comete a fraude. "É nessa área que temos de analisar mais os dados. Pode ser que alguns executivos preferiram 'confessar' ter alterado quantias menores de (gerenciamento de resultados) em vez de cometer fraude e a SEC prefere não punir as firmas que admitem ter praticado transgressões menores com uma ação de fiscalização oficial".
No nível das empresas, ela diz, a pesquisa se concentra no exame de outras decisões tomadas pelas empresas que mostram evidências de fraude - incluindo política de dividendos, estrutura de capital e estratégia fiscal - que também estão correlacionadas com o excesso de confiança dos executivos. Se o excesso de confiança serve de explicação para a fraude, então as firmas nas quais ocorreram fraudes também tendem a pagar dividendos menores, ou nenhum dividendo, comparado com as outras firmas. "Essa conclusão é consistente com a evidência levantada pela pesquisa acerca dos executivos excessivamente confiantes e da política de distribuição de dividendos. A idéia é que esses executivos acreditam que tem algo melhor a fazer com o dinheiro do que o ajuste de contas na forma de distribuição de dividendos", diz Catherine.
Quando se trata de examinar as características individuais de executivos que tendem a cometer fraudes, a análise não chega a ser estatisticamente convincente, acautela Catherine. A literatura psicológica identifica as características individuais relacionadas ao excesso de confiança - tais como o compromisso com um projeto - e as características do responsável pela tomada de decisão baseadas na sua experiência, como os sucessos anteriores, educação ou serviço militar, e mesmo os traços fundamentais, como gênero. (Entre todos os acusados de cometer fraude na amostra das pesquisadoras só havia uma mulher). As autoras observaram que nos estudos psicológicos os homens demonstram mais confiança do que as mulheres, mas não está claro se isso se deve a um elo biológico ou às suas experiências. É difícil medir esses tipos de atributos de executivos individuais. Como informa o estudo, os resultados são só descritivos.
* Publicado originalmente em 05 de março de 2008. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.
As autoras também analisaram o papel da governança corporativa como um mecanismo que altera o relacionamento entre o excesso de confiança e a fraude. Elas não encontraram grandes diferenças entre as firmas fraudulentas e a amostra correspondente nos aspectos de governança frequentemente estudados, como as posições acionárias estratégicas de longo prazo, tamanho e composição do conselho. Segundo o estudo, esse resultado sugere que os executivos de firmas fraudulentas estavam mais confiantes do que os executivos de firmas nas quais não ocorreram fraudes, e que não vigorava a melhor governança corporativa para neutralizar a tendência de cometer fraude. Catherine acrescenta que esse resultado é consistente com a conclusão de que os executivos de firmas fraudulentas são diferentes. É inconsistente com a idéia de que o excesso de confiança seja comum para todos os executivos e que as firmas não relacionadas a fraudes simplesmente tinham controles melhores em vigor para conter seus executivos.
Só porque o excesso de confiança pode acarretar más decisões em circunstâncias particulares, não deve ser a única, ou mesmo a principal, consideração quando se avalia o desempenho dos executivos, diz Catherine, acrescentando que um corpo crescente de literatura indica que os líderes otimistas e confiantes podem tomar o que pode ser visto como más decisões em certas circunstâncias, mas no plano geral, eles também têm qualidades que qualquer empresa necessita para ter sucesso. "Dado que a empresa tem de contratar a pessoa inteira, pode-se querer na verdade alguém que tenha essa tendência. Mas, deve-se reconhecer que o excesso de confiança tem aspectos positivos, mas pode também ser uma desvantagem".
* Publicado originalmente em 05 de março de 2008. Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.