Nelson Évora, atleta português do salto triplo. O profissional veio ao Brasil participar do BTG Together, evento do BTG, realizado em São Paulo (Nelson Évora/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 26 de abril de 2023 às 17h04.
Última atualização em 3 de maio de 2023 às 15h06.
A Maratona de Boston não terminou com o resultado esperado neste ano. O queniano e recordista mundial Eliud Kipchoge ficou apenas na sexta colocação, longe do espaço em que o mundo está acostumado a vê-lo, o lugar mais alto do pódio. Ele ganhou 15 das 18 maratonas que participou ao longo dos últimos 10 anos, uma regularidade que o colocou no panteão dos maiores atletas da história.
A trajetória de Nelson Évora, costa-marfinense naturalizado português, caminha por linhas mais tortuosas. Campeão do salto triplo nas Olimpíadas de 2008 em Pequim, na China, o atleta acumula títulos desde muito novo, mas tem construído a sua história em cima da resiliência.
A relação entre lesões e vitórias se tornou frequente na vida do atleta. “Sempre que me lesionei e fiz uma recuperação, eu aprendi muitos mais do que quando eu estava só a treinar porque eu aprendi que eu tinha debilidades físicas e que eu tinha que trabalhar para vir mais forte”, disse em entrevista à EXAME.
O atleta veio ao Brasil participar do BTG Together, evento do BTG (do mesmo grupo de controle da EXAME), em São Paulo, que reuniu uma série de especialistas de mercado e ainda personalidades do esporte que compartilharam lições e aprendizados.
Ele começou aos 7 anos as aventuras no mundo do atletismo, se dividindo entre salto em distância e o salto triplo. Por uma dessas coincidências da vida, a família foi morar em residência vizinha à de João Ganço, atleta português e antigo recordista nacional de salto em altura.
Da proximidade geográfica para a afeita foi um pulo, literalmente. Ganço tinha três filhos pequenos e o mais velho ficou muito amigo de Évora. Assistindo às brincadeiras entre as crianças, percebeu o potencial como futuros atletas. Juntos, ingressaram no Odivelas Futebol Clube e depois no Benfica.
O rápido desenvolvimento de Évora, superando as expectativas, inclusive, por causa da sua altura, considerada baixa entre os atletas que disputam em nível profissional, jogou luz sobre o atleta. Aos 15 anos, já se aproximava dos 7 metros no salto à distância e 15 metros no triplo.
Com essa idade também começa a conviver com lesões, uma situação que marca toda a trajetória do atleta, hoje com 38 anos. Em 2001, sofreu uma lesão grave no joelho. O retorno foi com a conquista da medalha de ouro no salto à distância no Festival Olímpico da Juventude Europeia conhecido como EYOF.
A dor maior veio de uma outra forma. No fim da preparação para as Olimpíadas de Pequim, em 2008, o pai descobriu que estava com câncer e o médico deu três meses de vida.
“Aquela informação foi como um soco no estômago. Agarrei-me à fé e disse: ‘vou lutar e trazer a medalha para ele. Eu saí com uma coisa na cabeça: a medalha de ouro é minha’”, contou. Saltou 17,67 metros e cumpriu a promessa. O pai e maior incentivador faleceu três anos depois.
Ao longo desse período, entre 2009 e 2010, Évora voltou a sofrer com lesão, uma fratura por estresse na tíbia. Como a rotina de atleta é muito intensa e cheia de competições, a fase de recuperação acabou servindo para que pai e filhos conseguissem desfrutar mais momentos.
O retorno às pistas durou pouco e em 2012 o português partiu a tíbia. Entre 2012 e 2014, foi operado cinco vezes, passou por inúmeras sessões de fisioterapia e quase teve que amputar a perna. Enquanto se dedicava aos exercícios, mantinha uma rotina fixa de imaginar os treinos e os passos e ajustes para voltar com uma performance melhor.
Em 2015, um novo retorno e a conquista da medalha de ouro no Campeonato Europeu de Atletismo em Pista Coberta, com a marca de 17,21 metros.
Évora parte de uma filosofia de viver 110% a rotina de atleta para manter a alta performance. “Quando vou ao dentista, eu fico fazendo os movimentos dos saltos com as mãos. É a minha forma de me manter conectado com a minha paixão”, afirma. A dedicação constante, as horas a mais de exercícios e a mente focada são as suas receitas para ir além.
Quando o atleta começou a treinar e competir, a ciência do esporte dizia que o perfil ideal para os saltos era o de pessoas mais rápidas, fortes e altas – ele continuou, e a ciência mudou. Assim também faz com as críticas: “eu trabalho tanto que ninguém que está de fora vai definir o que eu posso fazer. Quando dizem ‘não’, podemos dizer: ‘sim, eu posso’”.
É como esse espírito que se prepara para as qualificatórias das Olimpíadas de Paris, na França, no ano que vem. A competição marcará a sua última participação nos jogos. “Eu vou ter 40 anos nesta altura e acabarei por quebrar algumas barreiras. Quero mostrar que é possível chegar e fazer um bom resultado”. Apesar da despedida nos saltos, ele já tem um novo desafio à vista também no atletismo: fazer a sua primeira maratona na vida.