Robert Kyncl: "queremos ser relevantes para todos os segmentos de usuários"
Da Redação
Publicado em 3 de julho de 2017 às 14h18.
Última atualização em 5 de julho de 2017 às 11h55.
Robert Kyncl gosta de ler revistas de papel e ver programas de entrevista, especialmente Stephen Colbert, John Oliver, Seth Meyers e James Corden.
“Esses eu vejo todos os dias”, ele diz. No YouTube, ele acrescenta, para que não haja nenhuma dúvida de que ele, uma “pessoa mais velha” por sua própria definição (47 anos) consome o produto que administra.
Aliás: o produto que, sete anos atrás, no posto de Chief Business Officer, ele começou a recriar e reposicionar, elevando o que era, então, “uma plataforma para vídeos de gatinhos, com imagens fora de foco, granuladas”, num gigante de mais de 1 bilhão de usuários, presença no mundo todo e ambições de se tornar uma plataforma de conteúdo original relevante.
“Neste momento temos 20 milhões de criadores de conteúdo sob contrato conosco”, diz Kyncl. “Há um ano e meio estamos focando na criação de nossa própria marca, no conteúdo original YouTube. E definitivamente vamos expandir para a área do conteúdo de longa duração, incluindo conteúdo com roteiros.”
Um das primeiras investidas no setor – a série reality Run, BigBang Scout!, centrada na banda superstar de k-pop BigBang estreou recentemente na Coreia, com enorme sucesso. Um bom sinal para o YouTube Red, o novo serviço por assinatura que pretende competir com outras plataformas do mesmo modelo, como Netflix, Amazon, Hulu e Crackle.
Kyncl chegou ao YouTube por caminhos incomuns. Nascido em 1970 na cidade de Liberec, ao norte do que era então Tchecoslováquia, Kyncl pensou primeiro em ser um profissional do esqui.
“Liberec fica nas montanhas, entre as fronteiras da Alemanha e da Polônia, e esqui é parte essencial do lugar”, ele diz. Kyncl era parte de um time de esqui quando a chamada Revolução de Veludo encerrou a era comunista no país. Imediatamemte ele pensou em duas coisas: viajar e aprender inglês.
Depois de muitas aventuras pelos Estados Unidos em programas de intercâmbio e pequenos empregos especialmente em colônias de férias, Kyncl resolveu completar seus estudos no país.
“Mas meus pais não tinham dinheiro para pagar algo assim. Então tive que me virar”, ele diz. Kyncl se virou colhendo maçãs numa fazenda na Itália, trabalhando mais uma vez numa colônia de férias e “juntando cada centavo”.
Graduado em relações internacionais pela Universidade de Nova York, Kyncl ganhou uma bolsa para estudar administração na prestigiosa universidade Pepperdine, em Los Angeles.
Seu primeiro emprego nos EUA foi como assistente numa pequena agência de representação artística, de lá como parte da equipe de aquisições da produtora Mutual, parceira da Paramount nos anos 1990, e daí para a HBO como líder das operações internacionais do canal premium.
Em 2003, através de um amigo comum, Kyncl conheceu Ted Sarandos, que estava procurando alguém que pudesse contribuir para a expansão do que era, então, uma empresa de aluguel de DVDs.
Kyncl rapidamente integrou-se à Netflix e, em dois anos, com Sarandos, começou a criar o que ele chama de “o inevitável” – a migração para um modelo de streaming on demand.
Em janeiro de 2007, com Kyncl no comando e depois de várias negociações com estúdios e produtoras para licenciamento de conteúdo para streaming – Universal, NBC, os canais de TV paga Epix e Starz e a independente Relativity foram os primeiros a fechar acordo – a Netflix lançou o modelo que a tornaria o gigante que é hoje, oferecendo filmes e series para exibição imediata.
Três anos depois, o YouTube que tanto havia intrigado Kyncl veio bater à sua porta. “Foi um namoro longo, mas acabei indo parar lá”, Kyncl diz, sorrindo. “ Não planejei nada disso, apenas nadei na corrente certa dos rios certos. E sou muito grato pela experiência.”
Kyncl recebeu EXAME Hoje em Los Angeles para uma entrevista sobre o mercado de streaming, a estratégia de crescimento do YouTube e o futuro da mídia. Os melhores trechos dessa conversa estão abaixo:
O YouTube acaba de atingir a marca de 1 bilhão de usuários por mês. Como chegamos até aqui?
O que acontece agora é que, com as plataformas de internet você agrega uma grande quantidade de usuários numa escala global, mas eles querem consumir conteúdo de forma diferente. Não querem mais ter acesso ao conteúdo em horários pré-determinados, em formatos de 22 minutos ou 90 minutos.
Isso alterou a própria produção do conteúdo – houve uma democratização tanto da produção quanto do consumo. E a monetização desse conteúdo também mudou. Plataformas como Netflix, Amazon e Apple adotaram e adaptaram o modelo “assinatura”, que nós no YouTube também estamos explorando, agora.
Mas inicialmente tivemos que criar novos formatos de monetização que não existiam no universo da TV, com coisas como anúncios de seis segundos, anúncios que podem ser evitados. O plano é integrar esses dois modelos em nossos canais.
Qual é, na sua visão, o impacto das plataformas de streaming na produção de conteúdo?
Estamos vivendo, de fato, uma era de ouro da produção de conteúdo, seja na televisão seja nas plataformas da internet. Você tem um universo imenso, agora, englobando televisão tradicional, televisão a cabo e por satélite e a internet. É uma indústria de muitos bilhões de dólares movida a conteúdo – se você é um produtor de conteúdo, nunca houve uma era melhor.
A diferença é que, antes da internet, tínhamos um universo desconectado (na indústria audiovisual). Seja um canal de TV, a cabo ou não, tudo era baseado na venda de unidades com tempo pré-determinado, que ficavam nas prateleiras, por assim dizer.
A negociação envolvia a venda de nacos de tempo, por exemplo, entre 21h e 22 h, que eram valiosos, e nacos de tempo, digamos, às 2 da madrugada, que não era tão valioso.
Com a chegada da internet e plataformas como YouTube – mas também blogs e sites pessoais – de repente a distribuição se tornou mais democratizada. Não havia mais aquela escassez de oportunidades, não havia mais tempo para ser vendido em pequenas porções. A internet criou um novo universo, um universo conectado.
Existe uma imensa variedade de conteúdo no YouTube, e também uma variação imensa em temas, propostas e na própria qualidade desse conteúdo. Não apenas como executivo, mas como pai e cidadão privado, como você vê os riscos dessa gama de conteúdo?
Eu definitivamente sinto uma enorme responsabilidade. Operar uma plataforma dessas dimensões exige que você faça sempre o melhor. Eu acredito profundamente que um universo aberto é melhor que um universo fechado.
Com todos os riscos, um universo aberto é melhor – eu cresci num universo fechado e intensamente controlado e sei o que isso representa. Como pai eu vejo que minhas filhas são muito mais inteligentes do que eu era na idade delas, e em parte isso se deve ao acesso a esse universo aberto.
Claro que um universo aberto tem espaço para pessoas que não tem a menor intenção de usar essa liberdade para algo bom e construtivo.
Quais medidas o YouTube tem para enfrentar esta questão?
Em primeiro lugar quero dizer que não apoiamos violência e levamos muito a sério o uso do YouTube como disseminador de violência. É uma tarefa difícil monitorar conteúdo que incita à violência numa plataforma como a nossa, que recebe 400 horas de vídeo por minuto, todos os dias.
O que não quer dizer que não estamos alertas – estamos constantemente implementando medidas de identificação de conteúdo que prega a violência e que, por nossos termos de uso, é proibido e é imediatamente banido.
Temos um sistema de monitores que foi triplicado recentemente, e que nos alerta muito rapidamente sobre a existência desse tipo de conteúdo.
Somado a isso temos um sistema que imediatamente reorienta o usuário para um conteúdo que é o oposto da radicalização e da disseminação do ódio. Esse sistema tem funcionado muito bem.
Esse é um dos problemas do universo aberto, como você define. Mas existe também a questão das notícias falsas…
As notícias falsas são outra questão. Elas são o resultado da personalização, que todas as plataformas têm. A câmara de eco da personalização dá ao usuário apenas o que ela ou ele quer ver, e aí você abre a oportunidade para a notícia falsa.
Estamos ativamente envolvidos num processo rigoroso de identificação dos provedores de notícias falsas – e infelizmente isso tem se multiplicado furiosamente, porque é claro que é muito barato criar notícias falsas, porque, por definição, são falsas… e não necessitam de apuração, de mão de obra especializada, nada.
Para nós, identificar e eliminar notícias falsas é parte do nosso controle de qualidade, e estamos implementando várias medidas nesse sentido.
Os números do YouTube são realmente espetaculares. Mas, além dos números, você acredita que o YouTube tem relevância cultural?
Essa é uma grande pergunta, e algo que debatemos constantemente, especialmente quando estamos analisando conteúdo para os millennials. Eles não são nossa única audiência – temos usuários e criadores de conteúdo de todas as idades – mas é a faixa de público que acessa mais frequentemente o YouTube e permanece mais tempo na plataforma.
Para os millennials nós já somos relevantes, extremamente relevantes. Uma pesquisa recente da revista Variety revelou que entre as 10 maiores celebridades para os millennials, apenas três eram astros de Hollywood, todos os demais eram estrelas do YouTube. Aí está parte da resposta.
Mas queremos ser relevantes para todos os segmentos de usuários – sabemos que é difícil para pessoas mais velhas mudar de hábitos de consumo, mas estamos trabalhando para isso.
Sete anos atrás, quando você foi recrutado pelo YouTube, você tinha metas a cumprir, um projeto a realizar? Acha que, agora, atingiu essas metas?
Eu não tinha propriamente uma meta a cumprir. Na época, o YouTube tinha passado por um grande momento de crescimento e achávamos que 50 horas de novos conteúdos de vídeo por dia era muita coisa.
Agora temos um bilhão de usuários por dia e 400 horas diárias de vídeo carregadas na plataforma. O que não tínhamos sete anos atrás era um maior controle das nossas operações e uma estratégia clara de mercado. Não sabíamos como falar com a indústria sobre nós mesmos.
Hoje temos tudo isso, e, como resultado, nossos negócios cresceram tremendamente. A questão é que tudo isso é como um alvo móvel. Chegamos a este estágio, mas agora o alvo mudou de lugar.
Onde está o alvo, agora?
Em muitos lugares. Como disse, queremos ir além de conteúdo apenas para millennials. Estamos investindo em conteúdo original, narrativo, de longa duração. Nosso primeiro título nesse setor, BigBang, uma produção coreana, estreou em nossa plataforma coreana e foi, digamos, um big bang.
Sempre tivemos recursos para apoiar nossos criadores, os criadores que demonstram saber conectar com o público. Estamos expandindo esse apoio com investimento direto em produções.
Também estamos explorando o modelo de monetização por assinatura, em conjunto com anúncios. É claro que para que tudo isso se dê certo precisamos expandir, aumentar o número de usuários por dia e continuar focados num crescimento de receita, para garantir que nosso conteúdo seja pago, e bem pago.
Qual a solução para isso?
A expansão no que chamamos de nossos próximos grandes mercados de usuários: Índia, Indonésia, México, Brasil e Rússia. Estamos também começando iniciativas na África, mas ainda há muito trabalho pela frente para realmente atingir todo o potencial desses grandes mercados de usuários.
Estamos trabalhando com as empresas de telecomunicação no sentido de dar mais acesso à internet por preços mais razoáveis e com melhor qualidade de transmissão.
Netflix, Amazon e companhia devem ficar preocupados?
Acho que não. Olhe para a televisão – HBO, Showtime, Starz estão convivendo lado a lado e indo bem, e falo apenas do mercado dos Estados Unidos. E todos esses canais existiam antes de Netfix e Amazon, e continuam a existir.
Há um modo de todos esses canais e plataformas coexistirem. Estamos apenas abrindo nosso próprio espaço com conteúdo que é único, que é nosso.
Como você definiria esse conteúdo?
É pessoal, é original e é global. Nossa força vem da habilidade de acessar gente criativa do mundo todo, descobrir a incrível criatividade que está oculta pelo mundo afora e iluminar esses criadores.
Como você vê o panorama geral da mídia daqui a dez anos? Ainda teremos mídia impressa, televisão?
A TV na verdade está num momento de expansão. Na França, o Canal Plus, uma plataforma top por assinatura, lançou canais gratuitos. No Brasil, a rede mais forte tem alcance global e é gratuita. Na Índia, acontece a mesma coisa.
Não me preocupo com a TV broadcast – ela está forte e está bem porque é capaz ainda de atender as necessidades de muita gente.
Midia impressa é uma situação mais complexa. Eu, pessoalmente, leio revistas em papel e livros em papel porque descobri que é uma experiência melhor que ler numa tela. Outro dia descobri que minhas filhas acabaram de fazer uma assinatura de Teen Vogue.
Por quê? Porque a revista passou por uma tremenda transformação, nova editora, novas lideranças, deixou de ser uma revista apenas de moda e passou a ser uma revista que atende os interesses gerais do público jovem.
Almocei outro dia com o pessoal da Condé Nast [que publica Teen Vogue] e soube que todos os índices da revista cresceram – assinaturas, vendas, tiragem. É a diferença que faz a visão da liderança.
Há uma coisa que só a internet pode dar – verdadeira interatividade e completa personalização. Mas, fora isso, tudo é uma questão de visão e criatividade.