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Indústria de vinagre atingida por quatro enchentes no RS se reergue em novo local: "desistir nunca"

Indústria estava há quase 100 anos no mesmo lugar, mas depois de ser atingida por quatro enchentes em oito meses, decidiu sair dali

Jônia e Janaína Koller, da Prinz: há quase 100 anos no mesmo lugar, a empresa vai agora para longe do Rio Taquari (Leandro Fonseca/Exame)

Jônia e Janaína Koller, da Prinz: há quase 100 anos no mesmo lugar, a empresa vai agora para longe do Rio Taquari (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 14 de agosto de 2024 às 11h13.

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LAJEADO (RS) - As irmãs Janaína e Jônia Koller cresceram entre barris de conserva de vinagre. De uma família de Erechim, no norte do Rio Grande do Sul, elas viram a vida dar uma chacoalhada quando o pai, Walter, comprou a Prinz, uma das maiores indústrias de vinagre do Sul do país. 

Sediada em Lajeado, cidade no meio do caminho entre Erechim e a capital Porto Alegre, a empresa completa 100 anos em 2025. A história centenária da Prinz foi vivida no mesmo local, um complexo de galpões colado ao Rio Taquari, um dos principais a cortar o solo gaúcho.

Quando Walter comprou a empresa, há 30 anos, as irmãs ainda eram crianças. De lá para cá, as duas praticamente cresceram à beira do rio. As águas viram também as garotas começarem a trabalhar com o pai: Janaína como diretora comercial e Jônia como responsável pelo financeiro. Nesse meio tempo, tudo correu em perfeita harmonia entre a Prinz e o Taquari. 

A coisa começou a mudar em setembro do ano passado. Fortes chuvas fizeram o rio subir tanto a ponto de invadir alguns pontos da sede da indústria de vinagres. Dois meses depois, uma nova inundação causou transtornos semelhantes. 

E então chegou maio de 2024. Em pouco mais de dois dias caiu um volume de chuva previsto para seis meses. A enxurrada histórica fez o nível do Taquari subir de 13 para mais de 30 metros. No momento mais agudo da enchente, a água do Taquari inundou completamente a fábrica da Prinz, subindo mais de 6 metros. 

Paredes, portões e barris foram arrastados pela correnteza. Quando a água baixou, sobraram os resquícios de uma história centenária e um prejuízo de 29 milhões de reais.

Como foi o impacto das cheias na Prinz e na comunidade ao redor

Quando a reportagem da EXAME visitou a empresa em sua sede, Lajeado, em julho, a linha de produção de vinagre acabava de retomar as atividades, de forma ainda emergencial. 

Para retomar a operação, a força-tarefa foi grande. A forte correnteza da água derrubou uma parede inteira da fábrica, agora tapada por placas metálicas. Alguns barris de vinagre, todos de aço, chegaram a entortar. Outros, caíram. 

“Temos que trabalhar, produzir, somos líderes de vinagre no sul, nosso produto está em todos supermercados”, diz Janaína. “Quando quebra a cadeia, todo mundo entra em ruptura. E precisamos correr para voltar a produzir para não perder a liderança para alguma outra indústria de vinagre”.

Não foi uma tarefa fácil. A Prinz ficou 45 dias totalmente parada, com o faturamento vindo apenas de parte do estoque que conseguiu ser salvo. Por mais de uma semana, os funcionários e a direção da empresa sequer conseguiram acessar o local. 

Quando conseguiram entrar e limpar tudo, veio a ameaça de uma quarta inundação. A água subiu novamente, mas com menos impacto. Assim que baixou e os primeiros raios de sol do mês pintaram o céu de Lajeado, depois de semanas de chuva e de tempo fechado, foi possível ter uma dimensão da destruição, não só da indústria, mas de tudo ao redor. 

Assim como a Prinz, todas as construções vizinhas à empresa também foram atingidas pela força da água. Bares, pequenos comércios e residências carregam em suas paredes a marca de quanto o rio subiu. Muitos deles seguem abandonados. 

Como está às margens do rio, há outro cenário de choque, relatado por Janaína.

“Do outro lado da margem, havia uma comunidade. Muitas casas de madeira”, diz. “Não sobrou nenhuma”. 

De fato. Ao olhar para o outro lado da margem do rio, só há terra e poeira agora. E algumas poucas árvores, resistentes à força do Taquari. 

Como foram os primeiros dias de enchente 

A administração da Prinz hoje é dividida entre o pai e as duas filhas. Walter é o único que mora em Lajeado. Janaína vive na capital gaúcha, e Jônia, em Erechim, cidade onde nasceu. As duas se revezam nos dias da semana que vão até Lajeado para ajudar presencialmente nos negócios.

Quando a água subiu pela primeira vez em maio, nem Jônia nem Janaína estavam em Lajeado. 

“Nós ficamos completamente impossibilitadas de vir, porque a estrada de Porto Alegre trancou, assim como a de Erechim”, afirma Janaína. “E ficamos assustadas, porque a comunicação também estava ruim. Meu pai precisava ir até um lugar alto da cidade para ter sinal e falar conosco”. 

Quase uma semana depois, as chuvas deram uma trégua e o rio diminuiu de volume. Foi a oportunidade que as irmãs encontraram de ir até Lajeado. Mas uma nova ameaça de enchente estava a caminho.

“Fiquei em dúvida de vir, porque sabíamos que poderia dar uma nova enchente, que foi o que aconteceu”, diz. “Mas quando falei com meu pai e vi que ele não estava bem, entendi que precisava estar aqui de qualquer jeito”.

Amiga de um bombeiro voluntário, Janaína pegou carona com ele para chegar até a cidade do pai. Um percurso que normalmente leva duas horas levou cinco. Mas ela chegou, assim como sua irmã. 

Desde então, começaram um trabalho de reestruturação para reativar a linha, coisa que aconteceu no início de julho. As irmãs e o pai, porém, entenderam que não dava mais para ficar ali.

Como está a recuperação da Prinz

Quando a reportagem da EXAME visitou a Prinz, no início de julho, as irmãs estavam em clima de festa. O motivo: a retomada das vendas e a assinatura de um contrato de migração da fábrica para um local mais afastado do rio, para a cidade vizinha de Estrela.

“Nós tentamos muito ficar em Lajeado, em função até da logística, e porque a gente está há 100 anos aqui. Mas por vários motivos, e pela questão financeira também, do valor do investimento, acabamos negociando com Estrela, numa área bem mais alta”, diz Janaína. 

A decisão já vinha sendo estudada desde novembro, quando houve a segunda enchente na empresa. Na época, a empresa começou a se mobilizar para acessar um crédito que permitisse a transferência.

“Em nenhum momento a gente estava pedindo dinheiro livre, a gente queria um crédito facilitado, que é um crédito para recuperação. De longo prazo”, diz. “Na época, foram atendidas algumas situações de pequenas empresas, mas para as médias e grandes empresas, precisava de mais dinheiro e não teve”. 

Agora, com o crédito em vista, a decisão foi um pouco mais fácil. Além do acesso ao dinheiro, pesou também a distância para que os atuais funcionários pudessem chegar até lá. São cerca de 60 ao total.

“Nossos funcionários também são de longa data, não temos uma rotatividade alta, normalmente os funcionários ficam aqui por décadas. É uma família, mesmo”, diz. “E eles ajudaram muito, muito, desde o primeiro dia. A gratidão é imensa por todos eles e levamos muito em consideração na hora de fazer o plano de reconstrução”.

“Nós concordamos que um dos pontos de mais consideração era ir para um lugar onde pudéssemos levar todos junto com a gente”. 

Enquanto não começam a migração para a nova fábrica, vão atuando na linha construída emergencialmente por ali. A produção já está voltando a se regularizar, assim como as entregas aos supermercados. Além disso, estão criando um estoque para garantir vendas mesmo no momento de transição das plantas fabris. 

No meio desse cenário de reconstrução, e mesmo no de destruição, como o que aconteceu em maio, passam muitas coisas na cabeça das irmãs: da história do negócio ao trabalho de se reerguer. Só não há espaço para pensar em desistir.

“Nós paramos para pensar, e em nenhum momento passou pela nossa cabeça que deveríamos desistir”, diz. “Primeiro porque é o que sabemos fazer, e é o que fazemos bem. E depois, quantas famílias dependem desse negócio? E temos nosso pai. A gente olha para ele e pensamos que temos que estar firme por causa dele. Ele olha para nós e pensa a mesma coisa. E a mesma coisa passa na cabeça dos nossos funcionários, eles precisam estar firmes por nós, e nós por ele. Um faz pelo outro e, de uma maneira ou outra, não deixa a esperança cair”. 

Negócios em Luta

A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.

São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.

Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.

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