Sede da Petrobras: depoimento de Barusco ameaça implicar mais pessoas no escândalo (Sergio Moraes/Reuters)
Da Redação
Publicado em 3 de dezembro de 2014 às 17h40.
Rio de Janeiro - O maior escândalo de lavagem de dinheiro e corrupção do Brasil acaba de ser ampliado com o compromisso de um alto executivo de devolver US$ 100 milhões e testemunhar contra os colegas, como seu ex-chefe na Petrobras.
Pedro Barusco, um executivo do terceiro escalão que reportou ao chefe da divisão de engenharia até 2010, entrou em contato com o Ministério Público Federal e confessou ter aceitado subornos de construtoras, segundo o texto de uma decisão de 18 de novembro de um juiz para ordenar a prisão preventiva do ex-chefe de Barusco.
O executivo também recebeu dinheiro da SBM Offshore NV, a fornecedora de plataformas de petróleo holandesa, disse uma fonte com conhecimento direto da investigação, que pediu anonimato porque a informação é confidencial.
O depoimento de Barusco ameaça implicar mais pessoas no escândalo à medida que os procuradores investigarem a origem de sua fortuna, acusada de ser ilícita.
A direção da Petrobras vem lidando com a crise em um momento em que sofre para cumprir as metas de produção e no qual o setor está se ajustando aos preços mais baixos do petróleo desde 2009. Isso tem colocado a presidente Dilma Rousseff, que foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras de 2003 a 2010, na defensiva após ela conseguir se reeleger por uma margem apertada, em outubro.
Renato Duque, o ex-diretor da Petrobras para quem Barusco reportava, nega qualquer participação no esquema de superfaturamento e suborno, disseram seus advogados em um comunicado enviado por e-mail. A advogada de Barusco, Beatriz Catta Preta, preferiu não comentar quando contatada por telefone, em São Paulo. A Petrobras não comentou, quando contatada por telefone e e-mail. Dilma disse, no dia 8 de setembro, que não sabia da corrupção na Petrobras quando era presidente do conselho.
Teori Zavascki, um juiz do Supremo Tribunal Federal, mandou soltar Duque dizendo que ele pode esperar pelo julgamento em liberdade. O juiz federal Sérgio Moro, que preside o caso de lavagem de dinheiro e corrupção conhecido como Lava Jato em Curitiba, Brasil, disse na decisão de 18 de novembro que estendeu a detenção de Duque porque ele possui uma grande quantidade de dinheiro ilícito em contas bancárias e que claramente não estava disposto a obedecer à lei.
Ameaça a projetos
Barusco ofereceu devolver ao país a maior quantia da história vinda de uma única pessoa, segundo o escritório da procuradoria que trabalha no caso. É três vezes mais do que o montante acordado pelo ex-diretor de refino Paulo Roberto Costa, uma das principais figuras, até o momento, na investigação de lavagem de dinheiro e corrupção de R$ 10 bilhões (US$ 3,9 bilhões), chamada Lava Jato.
A investigação também ameaça paralisar projetos de infraestrutura nos quais as empreiteiras da Petrobras estão envolvidas, como represas e rodovias, e neutralizar os esforços de Dilma para reanimar a maior economia da América Latina. A economia do Rio de Janeiro será prejudicada porque uma apuração adicional aos contratos desacelera os investimentos, disse Julio Bueno, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro. A Fitch Ratings Ltd. atribuiu observação negativa a todas as empresas da indústria pesada do país até que haja clareza a respeito dos resultados da investigação.
“O que acontecia na Petrobras acontece no Brasil inteiro: nas rodovias, nas ferrovias, nos portos, nos aeroportos, nas hidrelétricas”, disse Costa a parlamentares, em uma audiência ontem em Brasília. “Às vezes você entra em um processo e não tem como sair”.
Auditoria sobre navio-sonda
O advogado de Costa, João Mestieri, não respondeu a um e-mail em busca de comentário. Costa disse que se arrepende de ter sido promovido por meio de conexões políticas e durante a audiência no Congresso preferiu não comentar a respeito de subornos específicos.
Barusco deixou a petroleira estatal em 2010 e se tornou diretor da Sete Brasil, que ganhou mais de US$ 25 bilhões em contratos para fornecer navios-sonda à Petrobras, a maior produtora em águas com mais de 300 metros de profundidade.
Ele deixou a Sete Brasil em 2013 por motivos de saúde, disse a empresa em uma resposta a perguntas, por e-mail. A Sete disse que está auditando contratos de navios-sonda para identificar qualquer possível irregularidade.
Barusco, 58, tem uma casa em um dos bairros mais exclusivos do Rio de Janeiro, com vista para a praia de Joatinga, informou o jornal Folha de S. Paulo no dia 22 de novembro.
Ele entrou em contato com as autoridades há cerca de um mês depois que seu nome começou a aparecer nas investigações e concordou em colaborar, disse a fonte com conhecimento do caso. Duque, seu ex-chefe na divisão de engenharia, foi preso no mês passado juntamente com executivos de algumas das maiores empresas construtoras do Brasil com as quais os ex-executivos da Petrobras negociaram acordos multibilionários. As mesmas construtoras foram grandes contribuintes da campanha de Dilma.
Nova janela
Dilma disse antes e depois da eleição que seu governo fez mais do que os anteriores para combater a corrupção. Ela afirmou no dia 16 de novembro que a maioria dos funcionários da Petrobras é honesta e que o episódio “acabará com a impunidade” e mudará o Brasil para melhor. Sua assessoria de imprensa preferiu não realizar comentários adicionais, em uma resposta enviada por e-mail.
Barusco oferece aos investigadores uma nova janela dentro da rede de empresas industriais que, segundo depoimentos de pelo menos outros quatro suspeitos, incluídos em documentos judiciais, operavam um cartel para cobrar tarifas infladas dos maiores contratos do Brasil, não envolvendo apenas a Petrobras.
Os fornecedores, em seguida, supostamente subornavam funcionários e uma parte era distribuída aos partidos da base aliada de Dilma que tinham o poder de nomear diretores da Petrobras, segundo o depoimento de Costa, gravado em vídeo. Os partidos da base aliada negaram as acusações de Costa e não responderam a e-mails em busca de comentários adicionais
US$ 22 mi
Costa disse que os políticos tinham influência direta na nomeação da equipe de gestão. José Dirceu, chefe de gabinete do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez lobby para tornar Duque diretor, disse Costa, em depoimento, no dia 8 de outubro. Os advogados de Duque negaram as acusações e disseram que o executivo se reuniu com Dirceu em 2003, depois de ele ter sido promovido, segundo comunicado enviado por e-mail à Bloomberg.
O escândalo também se espalhou para os fornecedores internacionais da Petrobras. Barusco disse que US$ 22 milhões do dinheiro que ele planeja devolver vieram da locatária de plataformas SBM Offshore, segundo a fonte ligada à investigação que pediu anonimato porque a informação é confidencial. A SBM preferiu não comentar, em resposta enviada por e-mail. O jornal O Globo informou a respeito do suposto suborno da SBM no dia 22 de novembro, citando uma fonte com conhecimento da investigação.
"O jogo"
A fortuna de Barusco, que ele construiu ao longo de mais de duas décadas na Petrobras, é mantida em países como Suíça e Uruguai, segundo documentos do processo.
A SBM disse, em um comunicado de 12 de novembro, que concordou em pagar ao escritório da promotoria dos Países Baixos US$ 240 milhões para resolver um caso de pagamentos indevidos na África e no Brasil.
Dois executivos da empreiteira Toyo Setal Empreendimentos Ltda., que estão colaborando com as autoridades com esperanças de terem a pena reduzida, detalharam os subornos que pagaram a Barusco e a Duque, segundo documentos do processo.
Nos documentos, Júlio Camargo e Augusto Mendonça, executivos da Toyo, mencionam pelo menos nove grandes contratos da Petrobras, alguns superando US$ 10 bilhões. Camargo disse que um dos subornos que ele pagou foi de US$ 12 milhões a Barusco e a Duque para construir um grande componente, conhecido como unidade de coque, na refinaria Repar, no sul do Brasil.
“Era parte do jogo” e todos sabiam, disse Camargo, segundo documentos do processo.
"Extremamente cauteloso"
Camargo disse que nunca entregou dinheiro diretamente a Duque porque o ex-diretor era “extremamente cauteloso”. Ele teria depositado dinheiro em contas no exterior e um doleiro clandestino teria entregue dinheiro a Duque e a Barusco por meio de intermediários, segundo documentos do processo.
Toyo Setal não respondeu a um e-mail em busca de comentários. As tentativas de contatar Camargo e Mendonça por telefone não foram bem-sucedidas.
Barusco, Camargo e Mendonça ressaltam os esforços dos investigadores para conseguir colaboração de suspeitos em troca da possibilidade de obterem clemência. Os informantes precisam fundamentar suas declarações com documentos e contas bancárias e estão sujeitos a processos judiciais se a informação for imprecisa, disse o juiz Sérgio Moro, que preside o caso, em documentos do processo.
“Eles não apenas relatam os fatos, mas também identificam contas bancárias, datas de transações, locais de encontros”, escreveram três procuradores em um documento do processo com data de 7 de novembro, em referência a executivos da Toyo Setal. “Eles provam todos os fatos em seus depoimentos”.
"Clube VIP"
Mendonça se referiu ao grupo de construtoras como “o clube VIP” que pagava subornos a intermediários como Alberto Youssef, que confessou o crime de lavagem de dinheiro e que agiu como uma espécie de banqueiro conectando empresas e políticos. Youssef disse que as empreiteiras combinavam a escolha dos vencedores antes de leilões públicos.
O grupo teria entregue uma lista de participantes dos contratos da Petrobras, que incluiria o vencedor, com antecipação a Costa, disse Youssef. Costa confirmou o esquema em depoimentos gravados em vídeo que fazem parte do arquivo do processo e que também estão disponíveis no YouTube.
A “participação ativa” de Barusco e Duque em atividades criminais é “inquestionável”, disseram no dia 17 de novembro três promotores em uma recomendação para uma ação criminal.
A investigação já conduziu à prisão de pelo menos 27 pessoas para interrogatório sobre negócios relacionados à Petrobras, incluindo altos executivos de empresas construtoras, em um país que não está acostumado a ver homens de negócios ricos serem colocados em prisão preventiva.
“Esse é o maior escândalo de corrupção do Brasil e tocou pela primeira vez pessoas que até agora eram consideradas acima de qualquer suspeita”, disse o advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, em entrevista, em Curitiba.