Heinz: ação no Brasil "inverte" embalagem (Oli Scarff/Getty Images)
Lucas Amorim
Publicado em 16 de fevereiro de 2018 às 17h02.
Para uma companhia acostumada a fazer muito e falar pouco, a fabricante de alimentos Kraft Heinz teve uma sexta-feira pra lá de desconfortável. Logo após a divulgação dos resultados do quarto trimestre, que voltou a mostrar o baixo crescimento da empresa, seus executivos foram forçados a reconhecer que tiveram um ano difícil.
“Não há dúvidas que nossa performance financeira em 2017 não reflete nosso progresso, nem nosso potencial”, afirmou o brasileiro Bernardo Hees, presidente da companhia.
A Kraft Heinz anunciou vendas de 6,87 bilhões de dólares no quarto trimestre, apenas 0,3% acima do mesmo período do ano passado.
O lucro operacional, de 2,01 bilhões, foi 4% maior, o que voltou a mostrar a incrível capacidade operacional do fundo 3G, que comanda a companhia com um estilo de gestão de custos pra lá de espartano. Mas os olhos dos investidores estão voltados mesmo é para a linha das vendas, atrás de indícios de que a companhia é capaz de crescer por conta própria, sem aquisições. No resultado agrupado do ano o faturamento caiu: de 26,48 bilhões de dólares, em 2016, para 26,23 bilhões, em 2017.
Um relatório do Deutsche Bank revela que em 2017 a empresa perdeu dinheiro e volume de vendas em nove de suas dez principais categorias à venda nos Estados Unidos, com destaque negativo para os três carros-chefes: as marcas Kraft, Heinz e Planters.
O ano de 2017, vale lembrar, marcou o primeiro grande revés do 3G desde que adquiriu a fabricante de ketchup Heinz, em 2013. Depois de um apertado programa de cortes de custos e d e reestruturação, o fundo comprou, em 2015, a Kraft, uma das maiores fabricantes de biscoitos e industrializados do planeta. Depois de novo aperto no cinto, era hora de partir para uma aquisição ainda maior: a Kraft Heinz ofereceu mais de 140 bilhões de dólares pela anglo-holandesa Unilever.
Mas a Unilever rechaçou a oferta e anunciou que daria conta, sozinha, de aumentar a eficiência de seus negócios. A Heinz, por sua vez, precisou provar a seus investidores que conseguiria lançar novos produtos e abocanhar novos clientes de um jeito novo: organicamente. Como os resultados desta sexta-feira deixaram claro, não vem dando muito certo.
A principal dúvida dos analistas na conferência que seguiu a divulgação de resultados, nesta sexta-feira, era se Bernardo Hees e sua turma manteriam o plano de seguir sozinhos, ou se partiriam para novas aquisições. Hees não foi taxativo, mas deixou no ar a possibilidade de novas compras.
“O processo de integração com a Kraft já ficou para trás. E estamos num momento em que as ‘valuations’ das companhias do setor estão mais interessantes que há alguns meses”, disse. “A indústria de comida é menos consolidada que outras. Se o setor entrar num novo ciclo de consolidação, queremos fazer parte dele”.
Hees falou até das características que fariam a empresa analisar uma aquisição: uma empresa com marca forte, potencial global, e oportunidades de cortes de custos para reinvestir no negócios. Ou seja: a Kraft Heinz está prontíssima para fisgar um novo concorrente.
Enquanto isso, os hiperagressivos executivos da empresa precisam lidar com o tedioso trabalho de fabricar e vender ketchup, biscoitos, queijo processado, mortadela. Hess afirmou que a empresa está organizada para ganhar terreno também organicamente nos Estados Unidos e no resto do mundo, e que está iniciando um ciclo de investimentos e de inovação recordes. Como exemplo de produtos com ótimo potencial citou o molho barbecue da Heinz, ou o cheasecake da Philadelphia.
O problema desses e de boa parte dos demais produtos da Heinz, e de seus principais concorrentes, é que os consumidores querem gastar cada vez menos com alimentos processados. Outros fabricantes importantes dos Estados Unidos, como a Campbell Soup Co., e a JM Smucker, também apresentaram crescimentos decepcionantes no último trimestre de 2017. A suíça Nestlé afirmou na quinta-feira que teve o menor crescimento de vendas de alimentos processados nos Estados Unidos em décadas.
Todas têm desempenhos decepcionantes na bolsa. A Heinz caiu 3,6% até as 16h desta sexta-feira, chegando a uma queda de 20% nos últimos 12 meses, ante uma alta de 22% no índice industrial da Dow Jones. A Campbell perdeu 26% em um ano. A JM Smucker, 11%. Ainda assim, analistas estão otimistas com a capacidade de crescimento da Kraft Heinz em 2018.
Dos 19 analistas que acompanham a empresa, 14 recomendam a compra das ações, e nenhum recomenda a venda. O Deutsche Bank fixou o preço alvo em 84 dólares, 20% acima do patamar atual. O que não fica muito claro é se eles acreditam na capacidade da empresa de vender mais molho barbecue mundo afora, ou anteveem uma nova aquisição multibilionária. Mas até as embalagens de molho barbecue apostariam na segunda opção.