Motivadas pelo crescente acesso de celulares à internet, pesos pesados como Apple, Google, Facebook e Amazon têm alcançado pessoas que até então não eram atendidas pelas instituições financeiras tradicionais (Isotck/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 12 de outubro de 2020 às 14h38.
O avanço das big techs, como são chamadas as gigantes do setor de tecnologia, no setor financeiro têm sido maior em países emergentes do que nas economias desenvolvidas, aproveitando-se da lacuna gerada pela baixa inclusão financeira nessas regiões, de acordo com relatório publicado ontem pelo Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês).
Motivadas pelo crescente acesso de celulares à internet, pesos pesados como Apple, Google, Facebook e Amazon têm alcançado pessoas que até então não eram atendidas pelas instituições tradicionais. Por outro lado, alerta a entidade, esse avanço pode dar origem a vulnerabilidades e riscos ao sistema.
"O uso da tecnologia deu origem a serviços financeiros que podem ser mais baratos, convenientes e adaptados às necessidades dos usuários, oferecendo oportunidades para melhorar o bem-estar do consumidor e apoiar a estabilidade financeira", afirma o órgão internacional. "No entanto, a expansão da atividade das big techs também dá origem a riscos operacionais e à proteção ao consumidor e preocupações sobre seu domínio no mercado."
Comandada pelo vice-presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), Randal Quarles, o FSB é responsável por coordenar o trabalho internacional de autoridades financeiras a fim de estabelecer políticas de regulamentação e supervisão que contribuam para a estabilidade do sistema financeiro. O Brasil participa do órgão desde sua criação, em abril de 2009.
Para realizar o relatório, o FSB analisou informações de 27 jurisdições, incluindo o Brasil. Segundo o organismo, a experiência de alguns países mostra o papel positivo que uma forte regulamentação, supervisão e outras políticas podem desempenhar no apoio à inovação do setor financeiro e, ao mesmo tempo, na mitigação dos riscos. Para 70% das 27 jurisdições consultadas, a regulamentação local apoiou o avanço das gigantes no sistema, como, por exemplo, na África Subsaariana.
A China é o maior mercado de crédito para big techs, por meio de empresas como as gigantes Alibaba e Tencent, dona do WeChat. Conforme o FSB, o volume de empréstimos concedido por big techs no País foi estimado em US$ 516 bilhões em 2019, com centenas de milhões de usuários individuais. "Níveis mais baixos de inclusão financeira nos países emergentes criam uma fonte de demanda para os serviços das big techs, particularmente entre populações de baixa renda e em áreas rurais, onde são mal atendidas por instituições tradicionais."
Impulsionadas pelo crescente acesso da população a telefones celulares com acesso à internet - 65% da população global possuem algum tipo de dispositivo móvel -, as gigantes de tecnologia têm conseguido oferecer serviços financeiros, incluindo crédito, a consumidores que até então ficavam à margem do setor justamente por não ter histórico de crédito. Além disso usam novas fontes de informações sobre os clientes, apoiando-se sobretudo, nos dados gerados com seus negócios de tecnologia, principal preocupação de órgãos reguladores ao redor do mundo.
"Quando as big techs são as principais ou mesmo as únicas provedoras de serviços financeiros para algumas populações de países emergentes, elas podem ser particularmente propensas a dominar o mercado", diz o FSB.
O Banco Central brasileiro tem monitorado as gigantes de tecnologia bem de perto e já demonstrou, em diversas ocasiões, que esses grupos não vão passar ilesos ao crivo regulatório. Há cerca de quatro meses, por exemplo, ordenou a suspensão do sistema de pagamentos do aplicativo de conversas WhatsApp, do Facebook, alegando a necessidade de apurar questões de concorrência e fragmentação do sistema. Vale lembrar que a big tech optou por ofertar a ferramenta primeiro no Brasil, onde tenta avançar sobre serviços financeiros, aliando-se a nomes locais como Banco do Brasil, Cielo e Nubank.
O BC brasileiro já admitiu que as big techs representam um "desafio" sob a ótica da regulação. Assim como o FSB, o órgão também vê ganhos de eficiência e impulso à inclusão social com a chegada das gigantes da tecnologia, mas, por outro lado, teme novos e "complexos" trade-offs (trocas) em relação à tríade estabilidade financeira, competição e proteção de dados. "As big techs possuem uma grande base de consumidores, fácil acesso a informações e modelos de negócio robustos. Essas diferenças podem ser um grande desafio na regulação", avaliou o BC, em recente relatório.