FÁBRICA DA TESLA: a empresa afirma que não há evidências para provar “um padrão de discriminação e assédio” / Justin Kaneps/The New York Times
Da Redação
Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 13h14.
Última atualização em 13 de dezembro de 2018 às 13h43.
Fremont, Califórnia – Owen Diaz tinha visto suásticas nos banheiros da montadora de carros elétricos Tesla, e tentava ignorar provocações racistas na fábrica.
“Você ouve: ‘Ei, garoto, venha cá’, adjetivos pejorativos, você sabe, essas coisas”, disse Diaz, que é afro-americano. Então, durante seu turno nos elevadores, ele notou um desenho em um fardo de papelão. Era uma boca grande, olhos grandes e um osso preso no cabelo de um rosto longo, com “Booo” escrito embaixo.
Quando um supervisor admitiu ter desenhado a figura como uma piada, Diaz disse que não aguentou mais. Digitou uma queixa a um gerente da Tesla em seu telefone. “Imagem racista” era o assunto.
“Quando você examina a situação, acaba se perguntando em algum momento: ‘Qual é meu limite?'”, disse Diaz, 50 anos, que trabalhou na fábrica como funcionário terceirizado por 11 meses, antes de sair em maio de 2016.
Entrevistas, declarações legais e comunicados internos apresentados por mais de 20 funcionários e contratados, atuais ou antigos, da Tesla descrevem as preocupações entre alguns trabalhadores afro-americanos na fábrica em Fremont, incluindo ameaças de colegas, tarefas humilhantes e entraves nas promoções. Três processos de ex-funcionários acusando a montadora de não controlar a discriminação racial e o assédio foram abertos desde o início de 2017, incluindo um de Diaz.
A Tesla rejeita o retrato do local de trabalho descrito nas queixas, por considerá-lo impreciso, afirmando que não há evidências para provar “um padrão de discriminação e assédio”. Ela não é a única empresa a enfrentar alegações de racismo nos últimos anos, e reconhece que “em uma empresa do tamanho de uma pequena cidade, algumas vezes haverá alegações de mau comportamento”, reais ou falsas. Mas disse que não havia nenhuma indicação de que a fábrica tivesse um número incomum de queixas.
“Nós nos esforçamos para proporcionar um ambiente de trabalho respeitoso a todos os funcionários, e fazemos o possível para evitar a má conduta”, disse a empresa. Os trabalhadores afro-americanos em vários níveis de autoridade, escolhidos pela Tesla, disseram que suas experiências eram positivas.
Crystal Spates, gerente de produção que supervisiona 500 pessoas que trabalham no Model 3, disse que insultos raciais não eram tolerados na fábrica. “Eu mesma nunca ouvi ninguém usar essa terminologia”, disse Spates, 30 anos, afro-americana que está há dois anos na Tesla.
Diaz também comparou a fábrica a uma pequena cidade – uma onde as experiências podem variar. “Você pode ver algo que acontece em uma parte da cidade que não acontece em outra parte”, disse ele. Mas, quando seu filho encontrou insultos raciais e caricaturas em uma parte diferente da fábrica, Diaz concluiu que a questão não era isolada.
Um processo que acusa a Tesla de discriminação racial e assédio, aberto no Tribunal Superior da Califórnia, busca ser uma ação de classe. Os advogados – Lawrence A. Organ e Bryan Schwartz, cujas práticas se concentram no direito trabalhista – dizem ter identificado dezenas de possíveis vítimas. Os dois advogados já ganharam causas multimilionárias por assédio ou discriminação contra grandes empregadores. A Tesla quer levar o caso para a arbitragem, o que exigiria que os trabalhadores abrissem processos individuais, em vez de uma causa conjunta.
O Departamento Estadual do Emprego Justo e da Habitação diz que emitiu dez cartas de “direito de processar” – condição prévia para um processo de discriminação – a funcionários que se queixaram de preconceito racial na fábrica de Fremont.
DeWitt Lambert, eletricista afro-americano, tinha pouco menos de 40 anos quando saiu de sua casa em Mobile, Alabama, em 2012 e veio para a Califórnia em busca de trabalho. A Tesla o contratou em junho de 2015 como assistente de produção, basicamente na instalação de cintos de segurança.
Logo, disse Lambert, alguns colegas de trabalho começaram a zombar de seu sotaque sulista. Ele começou a usar fones de ouvido para evitá-los, mas, quando as provocações ocasionais se tornaram insultos raciais frequentes, ele conta que foi difícil ignorar.
A empresa concordou com seu pedido de transferência, mas os provocadores começaram a se aproximar de seu novo local, e ele temeu que pudessem “fazer algo contra mim”.
Entre junho de 2016 e fevereiro de 2017, Lambert enviou pelo menos uma dúzia de mensagens de texto, e-mails, fotos e vídeos para o RH.
Entre as evidências, havia um vídeo de celular de 58 segundos cheio de insultos raciais, em que um narrador não identificado andando pelo chão da fábrica diz que é o telefone de DeWitt e ameaça “cortá-lo… para que todos possam ter um pedaço de você, seu preto”. Ele disse que o vídeo fora gravado por colegas de trabalho que pegaram seu telefone e fizeram isso como uma ameaça.
Sentindo que tinha uma causa de direitos civis em potencial, consultou um advogado sobre as opções legais, e apresentou uma queixa no Departamento Estadual de Emprego Justo.
O conselheiro geral de Tesla, Todd Maron, propôs um acordo em março de 2017.
“Estamos dispostos a pagar US$ 100 mil ao Sr. Lambert, mas só se resolvermos esse assunto antes que chegue à mídia”, escreveu Maron em um e-mail fornecido pelo advogado de Lambert.
Anexado, havia um documento de quatro páginas delineando informações que a empresa tinha recolhido para minar a causa de Lambert. “Nosso CEO, Elon Musk, analisou o caso pessoalmente e, não obstante tudo que está no documento anexado, ele sente muito pelo fato de não ter tido conhecimento da situação antes e concorda que uma mudança é necessária”, afirmou o e-mail.
Lambert, que recusou a oferta de acordo em favor de uma chance de levar a ação a julgamento e reivindicar danos mais elevados, foi posto em licença administrativa remunerada.
Em junho, depois que a Tesla conseguiu mover o caso para a arbitragem, Lambert recebeu uma carta de demissão, dizendo que a empresa tinha descoberto atos “inconsistentes com os valores da Tesla”. A empresa disse que o próprio Lambert estava envolvido no uso de palavras ofensivas. Ele admitiu usá-las ocasionalmente, mas apenas com outros afro-americanos.
Depois que a Tesla buscou um acordo, um árbitro emitiu uma decisão preliminar dizendo que uma consideração mais completa era necessária.
“Sinto que tudo foi tirado de mim. Tudo foi tirado de mim desde que fiz a reclamação”, disse Lambert.
– O caminho paralelo de um filho
Diaz disse achar o ambiente tão degradante que lutava para sair da cama e ir para o trabalho.
Quanto ao desenho, a Tesla disse que Diaz mostrou “uma única imagem a seu supervisor” e que o caso “foi pronta e exaustivamente investigado”. A empresa afirma que um funcionário terceirizado envolvido havia recebido um aviso e fora suspenso sem pagamento.
Apesar do que disse ter vivido, Diaz estava ansioso para dar a seu filho mais novo, Demetric, uma chance de emprego na empresa, com salário e opção de ações. Então o recrutou como terceirizado em 2015 para trabalhar em uma área diferente.
As primeiras semanas foram bem para Demetric, hoje com 23 anos. Mas ele começou a notar incidentes que o incomodavam.
“Eu contei a ele: ‘Ei, pai, eu vi isso”, disse Demetric. Quando estava no banheiro, ele contou que viu uma pichação vulgar que incluía um insulto racial.
Demetric se queixou com sua empresa de contratação e depois com um supervisor da Tesla sobre o abuso racial, dizendo que o supervisor “se referia a mim com palavras ofensivas todos os dias”, de acordo com um processo judicial. A ação diz que, depois de alguns dias, ele recebeu um aviso por escrito de má conduta e foi logo dispensado. A Tesla afirma que isso ocorreu após repetidas advertências sobre a falta de roupas de proteção.
O pai aguentou mais uns meses. Então, pediu demissão.
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