Canabidiol: no momento, há duas opções de marcas nas farmácias, da Prati Donaduzzi e Nunature (Tinnakorn Jorruang/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 1 de fevereiro de 2022 às 07h00.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2022 às 10h41.
O ano de 2022 vai marcar um novo momento para os pacientes que usam a substância canabidiol e para a indústria farmacêutica que tem voltado os olhos para esse derivado da cannabis sativa, planta usada também para gerar a droga maconha.
Desde 2015, a Anvisa permite a importação do canabidiol por pacientes - que tem indicações principalmente para o tratamento de dores crônicas e epilepsia.
Já a partir de 2019 a agência começou a autorizar que farmacêuticas processem a substância no país e vendam nas farmácias físicas.
Até dezembro do ano passado, só a paranaense Prati-Donaduzzi detinha esse mercado, apesar de outras empresas terem começado a receber o aval da agência reguladora, como a Nunature, Verdemed e GreenCare.
O aval, porém, não significou a chegada rápida às prateleiras. A Nunature recebeu a permissão da Anvisa no primeiro semestre, e só conseguiu começar as vendas em dezembro. A chegada dela no último mês de 2021 marcou o início de um novo momento para o mercado no Brasil, e para os pacientes. Isso porque abriu a concorrência.
Apesar de a maior parte dos pacientes ainda comprarem canabidiol via importação, agora há duas marcas nas farmácias.
A tendência é que tanto a Verdemed quanto a GreenCare também consigam se colocar neste mercado físico no primeiro semestre.
“Estamos vendo um crescimento de 30% mês a mês pelos relatórios. É uma constante. Estamos muito animados para o futuro próximo”, conta Bruno Santanna, vice-presidente de Logística da Nunature no Brasil.
A empresa está em 3.500 pontos de venda, em redes como a Raia Drogasil, Panvel e Pague Menos. Hoje, a Prati Donaduzzi está em 60 mil.
“A gente percebe que as redes de farmácias estão muito abertas, muito interessadas, por isso a gente tá conseguindo espalhar. Hoje a gente pode dizer que está em todos os estados, em todas as capitais”, reforça Bruno. "A gente não faz nada artesanal. Temos uma planta farmacêutica, como exige a própria Anvisa. Temos um processo de compliance e segurança".
Até o fim de fevereiro, a meta da empresa é estar em 6 mil pontos de venda. A Nunature já distribuiu cerca de 20 mil frascos de canabidiol. A farmacêutica é uma empresa americana, totalmente vertical, e que tem sua própria fazenda de cannabis no estado do Colorado, nos Estados Unidos, e foi fundada por investidores do país para operar no mercado brasileiro.
Para Jorge Lara, vice-presidente de operações no Brasil, não dá para dizer que a parte mais difícil do negócio já passou.
“Ainda tem um preconceito, uma desinformação e existe falta de conhecimento sobre o acesso tanto pelos profissionais de saúde, mas do público em geral. O desafio é conscientização também", opina.
O canabidiol da Nunature e o da Prati Donaduzzi têm lá as suas diferenças. No caso da Prati, a aposta foi em um canabidiol em que a molécula é isolada. A farmacêutica também tem investido em pesquisas para torná-la sintética.
Já a Nunature, assim como pretende fazer a Greencare e a Verdemed, trouxe um canabidiol chamado de full spectrum, que é um extrato da cannabis com diversas outras substâncias da planta, mas que tem pouco tetrahidrocanabinol (THC), a substância psicoativa da cannabis.
Em entrevista à EXAME, o presidente da pioneira Prati Donaduzzi, Eder Maffissoni, afirma que não vê com preocupação a entrada de mais concorrentes neste mercado das farmácias físicas.
“O nosso grande desafio é concluir nosso estudo clínico e o perfil do nosso canabidiol é restrito. A Anvisa exige estudo clínico e não sei se a maioria das concorrentes vai conseguir fazê-lo para ter a autorização definitiva em cinco anos. A concorrência não nos assusta porque o canabidiol é um dos 450 produtos que temos e vemos esses novos produtos que estão chegando como derivados de um processo um tanto quanto artesanal. Nós somos farmacêuticos, com produtos de moléculas isoladas. Nosso canabidiol entra como um complemento à nossa linha de produtos do sistema nervoso central, mas é claro que é sempre melhor trabalhar em um mercado com menos concorrentes”, diz Eder.
Apesar de o presidente da Prati sugerir que os os concorrentes são "artesanais", todos eles passam por rigorosas exigências da Anvisa e o canabidiol aprovado pelas empresas tem grau farmacêutico. Eles têm status de fitofármacos, assim como o da própria Prati Donaduzzi.
As novas entrantes do mercado como a Nunature, Greencare e a Verdemed também pretendem fazer estudos para poder enquadrar seus produtos no status de remédio e ter a comprovação definitiva de eficácia e a indicação para um tratamento específico, assim como a Prati está fazendo. Essa exigência é fundamental para as empresas conseguirem manter a autorização da Anvisa em cinco anos.
Segundo Eder, da Prati, a aposta em uma molécula sintética é para baratear a produção do canabidiol. Assim, não haveria mais a necessidade do plantio da cannabis pelos seus fornecedores.
O executivo afirma que esse foi o direcionamento da indústria farmacêutica nas últimas décadas. As moléculas orgânicas eram descobertas e as sintéticas, idênticas em teoria, eram desenvolvidas para fazer a substituição.
No mercado de importação, existem mais de 300 marcas de canabidiol. Assim como nas farmácias, é preciso de receita médica, além de uma autorização simples da Anvisa que é possível conseguir via internet. Em 2015, a agência emitiu cerca de 15,5 mil. Em 2021, os pedidos mais que dobraram e já tinham batido mais de 33 mil.
Viviane Sedola é empresária do setor de educação médica sobre cannabis, CEO da empresa Dr. Cannabis, e acredita que as duas formas de compra devem se complementar nos próximos anos.
“Quanto mais produtos a gente tiver nas farmácias, mais eles competem entre si. Além do produto isolado da Prati, temos o full spectrum e isso é bom para o paciente. Na farmácia a gente tem um ônus que é de uma prescrição que só vale por trinta dias. Quando se usa a importação, há uma prescrição com validade maior e o preço mais em conta. Outros derivados da cannabis, canabinóides menos comuns, devem permanecer na importação, então esses dois mercados devem coexistir”, prevê.
A própria Verdemed e a GreenCare operam neste mercado de importação e já tem opções do seu canabidiol sendo comprado por brasileiros. Agora estão migrando para vender nas farmácias depois de terem passado pelas exigências da agência reguladora brasileira.
José Bacellar, CEO da Verdemed - que recebeu a permissão em dezembro - acredita que a empresa deva conseguir chegar às prateleiras até o fim deste primeiro semestre. Para conseguir estruturar a logística, a empresa firmou uma parceria com a empresa Eleven Health.
“A gente vai fazer uma distribuição seletiva, não vai estar em todo o Brasil. Vamos ter que ser mais seletivos para conseguir atender. Estamos bem animados, até porque temos registros de dois produtos”, explica José Bacellar.
A meta é chegar a 11 tipos de canabidiol aprovados, com diferentes concentrações, registrados ou em análise, pela Anvisa até 2023.
Já Martim Prado Mattos, CEO da Greencare, deve fazer chegar seu canabidiol um pouco depois, daqui a cerca de seis meses, no início do segundo semestre. Isso porque há uma série de exigências a serem cumpridas principalmente para o processo de importação. A ideia da Greencare é ter sete tipos de canabidiol, com diferentes concentrações nas farmácias.
"A aprovação passa por um processo moroso, tem bastante detalhe por trás, mas a gente ficou bastante contente com essa aprovação agora em janeiro", conta o empresário. "Em parte nosso negócio é digital porque até este ano as vendas da importação aconteciam online, mas a gente tem também uma equipe de educação médica em cannabis que atua presencialmente. Esse processo continua normalmente."
Quem também já recebeu a autorização e está nos mesmos processos que a Greencare e a Verdemed são as farmacêuticas de cannabis Zion Medpharma e Promediol do Brasil. Ambas devem chegar às farmácias também em 2022. Assim, o ano deve ter pelo menos seis marcas de farmacêuticas de canabidiol.
A instituição de pesquisa The New Frontier Data prevê que apenas o setor medicinal de cannabis pode movimentar em 2023 4,7 bilhões de reais no Brasil.
Já a startup de inteligência de mercado para o setor de negócios de cannabis Kaya Mind tem dados mais otimistas, mas que envolvem a regulamentação de todas as formas de consumo, ou seja, medicinal, plantio de cânhamo e recreativo.
Nessas contas, o mercado é de 26,1 bilhões de reais em quatro anos no país, gerando 8 bilhões de reais de impostos.
Dona de um gigantesco portifólio de medicamentos, a farmacêutica Hypera Pharma decidiu apostar também no segmento da cannabis medicinal. A sua subsidiária Cosmed, de produtos naturais, está na fila para conseguir a autorização desde novembro de 2021.
Para Viviane Sedola, do Dr. Cannabis, a entrada da empresa deve mexer com o jogo das farmacêuticas de cannabis no médio prazo pelo tamanho do grupo, pela capacidade de distribuição e de forçar o preço para baixo da Hypera.
Já Tarso Araújo, fundador da Brcann, associação de empresas do setor, lembra que a Hypera ajuda a reduzir ainda mais os estigmas sobre o canabidiol.
“A entrada da Hypera tem um efeito simbólico para os outros grandes players. Se os outros tinham algum receio de entrar e serem estigmatizados, a Hypera ajudou a mudar isso. Ela tem condições de alavancar o crescimento muito rápido, vai poder investir em educação de médicos, rede de distribuição. A Hypera legitima o mercado de canabinoides. Ela legitima o mercado de canabinóides para médicos, pacientes e políticos. Outro grande efeito é a legitimação para fins medicinais. As pessoas se perguntavam se era sério. Quanto mais isso se multiplica, menos se questiona. A entrada dela é a entrada do primeiro grande player da indústria farmacêutica”, explica Tarso Araújo.