Farm to fork: movimento está associado à compra de alimentos de produtores locais, para que cheguem ao consumidor em menor tempo e com propriedades nutricionais preservadas (Yoshiyoshi Hirokawa/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2022 às 10h40.
Última atualização em 12 de agosto de 2022 às 15h09.
A produção de alimentos está no centro dos debates sobre mudanças climáticas. Quase um terço das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) está relacionado aos sistemas alimentares e, por isso, um redesenho dos modelos produtivos do setor é crucial para o futuro do planeta.
Nesse contexto, um dos conceitos mais discutidos hoje em todo o mundo, como um caminho para conduzir essa mudança, é o Farm to Fork (da fazenda ao garfo, na tradução em português) ou Field to Table (do campo à mesa).
Resumidamente, a expressão Farm to Fork é associada à compra de alimentos de produtores locais, para que cheguem à mesa do consumidor em um prazo menor e, assim, tenham suas propriedades nutricionais preservadas, haja menos uso de aditivos químicos e garanta uma redução de custos e do impacto ambiental em toda a cadeia.
Sandra Mian, especialista da Planta Inovações Colaborativas, ressalta, entretanto, que o conceito vai muito além. “Tem a ver com repensar todo o sistema alimentar, cada uma das etapas, de modo que se forme um círculo sustentável – produção, transporte, transformação, armazenagem, distribuição, consumo e retorno de resíduos.”
“E o ‘farm’, ou ‘field’, aqui não é só o campo, a terra. Estamos falando de floresta, criação de animais, pesca”, acrescenta a engenheira de alimentos.
Para entender melhor essa tendência, é preciso voltar um pouco no tempo. No século 19, com a Revolução Industrial, o sistema alimentar se rompeu, separando a produção do consumo. O que antes era um processo mais fechado se tornou cada vez mais globalizado, com a produção de alimentos em um lugar do mundo e o consumo em outro.
Um exemplo, cita Sandra, é a carne que era consumida na Inglaterra naquele período, que passou a ser produzida em Austrália, Nova Zelândia ou Argentina.
Além disso, quem trabalhava no campo passou a trabalhar nas fábricas. “É nesse momento de ida maciça das pessoas do campo para a cidade que houve a ruptura de forma mais severa no sistema alimentar, com consequências que estamos vendo hoje em termos de sustentabilidade”, comenta.
Um exemplo dessas consequências são as enormes perdas de alimentos, sejam no campo, durante o armazenamento, no transporte ou no consumo. No modelo de produção atual, em média, 30% dos alimentos que produzimos são perdidos – em alguns produtos essa taxa é ainda maior.
“Se as perdas alimentares fossem um país, seriam o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Só essas perdas já seriam suficientes para alimentar todas as pessoas que têm fome”, destaca Sandra. “Então, não resolver o problema do sistema alimentar é não resolver o problema de sustentabilidade geral do planeta.”
O modelo de agricultura intensiva é outro exemplo. “Sim, a gente conseguiu produzir muito mais comida, acompanhando o aumento da população mundial. Só que, no fim das contas, está criando mais problemas: solo cansado, perda de nutrientes, compactação, contaminação da água por aditivos etc. Resultado: estamos perdendo produtividade”, diz.
O conceito de Farm to Fork propõe exatamente repensar toda essa dinâmica de como temos produzido e consumido os alimentos desde a Revolução Industrial.
A ideia esbarra, no entanto, em fortes interesses econômicos, falta de vontade política e uma visão limitada de curto prazo. “Quem está ganhando com o sistema como ele é hoje não quer se mexer. Por isso, é preciso criar políticas públicas que incentivem e promovam aqueles que querem mudar. É o que a União Europeia está tentando fazer”, pontua a especialista.
Na UE, a filosofia Farm to Fork é uma estratégia oficial, inclusive com iniciativas regulatórias. O F2F é o coração do European Green Deal, um abrangente projeto que visa condicionar todas as áreas de atuação política e econômica do bloco a combater as mudanças climáticas.
As principais metas da estratégia até 2030, para acelerar a transição para um sistema alimentar sustentável, são ambiciosas:
O programa prevê ainda premiar os operadores da cadeia alimentar que já passaram pela transição para práticas sustentáveis, viabilizar a transição para os demais e criar oportunidades adicionais para seus negócios.
“Mas não adianta se isso acontecer somente na União Europeia”, lembra a especialista. Segundo ela, nem mesmo dentro da UE todos estão fazendo seu dever de casa.
O conceito Farm to Fork já é colocado em prática por aqui especialmente pelos pequenos agricultores. Porém, na visão de Sandra, o agro brasileiro como um todo ainda está longe de abraçar de verdade essa filosofia, tendo um olhar ainda bastante imediatista e voltado para a exportação.
“Infelizmente, ainda não estamos onde deveríamos, mas tenho percebido – e isso me deixa muito feliz – o quanto as empresas brasileiras estão falando de sustentabilidade, especialmente empresas de alimentos, em um movimento integrado.”
Segundo Sandra Mian, o Brasil pode ser um exemplo nesse sentido, porém, precisamos conscientizar a população e principalmente ter políticas públicas muito claras, com incentivo governamental não só para punir quem está fazendo a coisa errada, mas incentivar os agricultores que estão no caminho certo.
Ela finaliza lembrando que, com um sistema Farm to Fork realmente forte e abrangente, estaríamos pensando acima de tudo na saúde das pessoas. “Afinal de contas, tudo isso é comida. Sem isso o ser humano não vive. Repensar o sistema alimentar é repensar a saúde.”