J. Hawilla, da Traffic: desconto máximo de 20% com a crise
Da Redação
Publicado em 5 de janeiro de 2012 às 20h20.
São Paulo - O mês de junho é o mais aguardado do ano para quem ganha - ou tenta ganhar - dinheiro com futebol. É a partir de junho, afinal, que os grandes clubes europeus vasculham o mundo em busca dos maiores talentos disponíveis no mercado. Habitualmente, fazem isso com bilhões de dólares em suas carteiras. Nos últimos cinco anos, o dinheiro desembolsado por esses clubes só cresceu. Impulsionada pelo apetite gastador de magnatas russos, xeques árabes e clubes tão ricos quanto grandes empresas, a venda de jogadores de futebol se tornou um negócio em que era aparentemente impossível perder dinheiro. Somente no ano passado, os 20 maiores clubes do mundo gastaram o equivalente a cerca de 3 bilhões de reais na compra de jogadores. Tamanha quantidade de dinheiro atiçou a ambição de um pequeno grupo de investidores brasileiros. Nomes como a Traffic, tradicional empresa de marketing esportivo, fundada pelo empresário J. Hawilla, e a varejista Sonda criaram uma estratégia de investimento peculiar. Primeiro, compram uma parte ou 100% dos direitos econômicos de jogadores que julgam promissores. Depois, esperam vender esses jogadores para clubes europeus por um múltiplo do valor pago inicialmente. Em 2008, esses grupos investiram mais de 100 milhões de reais na compra de jogadores, um recorde absoluto na história brasileira. Parecia uma estratégia certeira num país tido como o maior "celeiro de craques" do planeta. Mas junho está chegando - e, desta vez, será o mais cruel dos meses para quem investiu no futebol brasileiro esperando lucros fáceis.
A razão para isso é simples - a crise chegou ao mundo do futebol, e com dois vetores. O primeiro é a falta de crédito no mundo. Os clubes estrangeiros, sobretudo os de médio porte, sempre tiveram a ajuda de bancos para fazer a aquisição de atletas. Com a crise e o crédito escasso, os times passaram a ter poucas fontes de financiamento para contratar novos jogadores. No começo de 2009, por exemplo, o Hamburgo, da Alemanha, não obteve crédito do banco para pagar uma fatura de 6 milhões de euros devidos ao grupo Sonda pela contratação do meia Thiago Neves, hoje no Fluminense. "Não conseguimos descontar as notas promissórias emitidas pelo clube", diz o executivo Roberto Moreno, presidente do grupo Sonda. "Fomos forçados a conceder um desconto de 12% para receber o dinheiro." O segundo vetor é a ruína dos donos de clubes europeus, que nos últimos anos se transformaram nos maiores compradores de jogadores do mundo. O quadro mais desastroso é o do russo Roman Abramovich, um dos homens mais ricos do planeta e proprietário do clube londrino Chelsea. Sua fortuna pessoal, que era de 16,7 bilhões de euros no ano passado, caiu para 2,3 bilhões. O magnata passou a estudar a venda do Chelsea em razão de seu empobrecimento. "Vivemos uma espécie de bolha no futebol", diz o advogado Ivandro Sanchez, especialista em esportes e sócio do Machado, Meyer. "Agora, essa bolha estourou." Em 2009, o total gasto em contratações caiu pela metade em centros como a Itália.</p>
O efeito dessa soma de fatores é evidente - será praticamente impossível vender jogadores a preços astronômicos a partir de junho, quando se abre a chamada janela de transferência, período em que os clubes da Europa são liberados para contratar. "As ofertas sumiram", diz Júlio Casares, diretor de marketing do São Paulo, atual campeão brasileiro. Estima-se que o valor de mercado dos jogadores tenha caído em média 50% em menos de seis meses. Diante disso, os investidores que compraram jogadores têm duas opções. Aceitar os descontos ou segurar seus atletas por mais uma temporada e aceitar o enorme risco que isso traz. A Traffic, por exemplo, espera vender apenas 15 dos 23 jogadores que pretendia negociar em 2009. "A crise nos preocupa porque o dinheiro no mundo diminuiu", diz Juliz Mariz, presidente da Traffic, que já investiu mais de 85 milhões de reais na compra de jogadores. "Estamos abertos a negociar até 20% do preço-alvo. Abaixo disso, não há conversa." Em maio, espalharam-se rumores de que o grupo Sonda estaria deixando o mercado, vendendo a preço de banana seus 30 jogadores (que custaram estimados 60 milhões de reais). O Sonda nega. "Nossos jogadores valem hoje cerca de 400 milhões de reais", diz Roberto Moreno, presidente do grupo Sonda.
A estratégia de investimento na compra de jogadores pode ser comparada à de fundos especializados na compra de fatias de empresas iniciantes (ou venture capital). Trata-se de um negócio de altíssimo risco. Uma contusão pode botar todo o investimento a perder. Um técnico mal-humorado pode colocar o jogador na reserva e tirar seu valor de mercado. E, claro, o atleta pode se provar um fiasco puro e simples (veja quadro na pág. 63). A esperança de quem investe em futebol é ganhar muito dinheiro com os poucos jogadores que dão certo, compensando o prejuízo causado pelos muitos que dão errado. A venda do zagueiro Breno mostra como uma boa tacada pode render. Em meados de 2007, o Sonda comprou 30% dos direitos econômicos do jogador por 250 000 dólares. Em dezembro do mesmo ano, essa fatia foi vendida por 5,7 milhões de dólares ao Bayern de Munique, da Alemanha. Em seis meses, portanto, o jogador deu um retorno de mais de 2 000%. Para a maioria dos clubes de futebol, por sua vez, a parceria dos investidores injeta um dinheiro que, sozinhos, os times não teriam condições de levantar para contratar novos atletas. "Além disso, o clube fica com uma parte da venda do jogador. No nosso caso, o percentual equivale a 20% do lucro da transação", diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras, que já embolsou 2,5 milhões de euros na parceria que tem com a Traffic desde novembro de 2007. Em 2008, a Traffic criou um veículo de investimento, o Cedro, que levantou 40 milhões de reais com 21 investidores. Com isso, comprou 37 atletas, 13 deles hoje jogando no Palmeiras. O plano de levantar o Cedro II foi adiado em razão do desaquecimento do mercado.
Apesar do cenário cinzento, os executivos alimentam uma esperança em relação aos próximos meses - a de que algumas megatransferências deem fôlego a um novo ciclo de contratações. Espera-se que os três jogadores mais badalados do momento, o brasileiro Kaká, o argentino Messi e o português Cristiano Ronaldo, sejam negociados por valores que devem girar em torno de 100 milhões de euros. "Isso pode provocar um efeito cascata. O clube que receber dinheiro de uma transação dessa magnitude vai procurar jogadores mais baratos", diz Mariz, executivo da Traffic. O problema, nesse caso, é que a imagem dos jogadores brasileiros não é das melhores nos grandes centros. Em abril, o clube italiano Internazionale, de Milão, rescindiu contrato com o atacante Adriano. A rescisão com a Inter ocorreu depois de várias polêmicas envolvendo o jogador. Adriano faltava com frequência nos treinos e não se reapresentou ao clube italiano depois das partidas com a seleção brasileira pelas eliminatórias da Copa. Recentemente, anunciou que "gostaria de dar um tempo na carreira". Livre para negociar com outros clubes, fechou com o Flamengo. "Isso faz com que os jogadores brasileiros percam valor", diz Sanchez, do Machado, Meyer. Há outros casos notórios de problemas pessoais envolvendo craques brasileiros, como Ronaldinho Gaúcho, Robinho e Ronaldo. Para quem investe em futebol por aqui, a chave para o lucro é uma equação um tanto complexa - dinheiro sobrando na Europa, sucesso dentro de campo e uma vida tediosa do lado de fora.
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*Reportagem originalmente publicada na revista EXAME de 28/05/2009.