Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea: "Abertura comercial precisa ser feita de maneira planejada" (Anfavea/Divulgação)
Gabriel Aguiar
Publicado em 7 de julho de 2021 às 16h01.
Ainda faltam semicondutores para a indústria automotiva. Só que, no momento em que as empresas nacionais lutam para vencer a escassez de componentes, outro problema pode surgir: a redução das tarifas de importação, já em estudo pelo governo. “Se reduzirem essas tarifas de maneira agressiva e unilateral, vamos competir contra nós mesmos”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Com os emplacamentos superando 1 milhão de unidades no primeiro semestre deste ano, qual é a previsão de vendas para 2021?
“A previsão é de que a gente possa atingir 2,32 milhões de emplacamentos, uma pequena redução em relação à estimativa de janeiro, que era 2,367 milhões. Não é uma grande diferença, só que existe uma mudança estrutural importante, por reduz a participação de automóveis e aumenta de comerciais leves e caminhões.
Isso porque os automóveis são mais impactados pela falta de semicondutores, enquanto as picapes e os furgões crescem mais forte, muito por conta do aumento do e-commerce. Em relação aos caminhões, também prevíamos crescimento, mas está sendo mais acentuado.
Para produção, nós também reajustamos a previsão por conta do impacto, reduzindo de 2,52 milhões para 2,46 milhões de unidades. Portanto, devem ser produzidas 60 mil unidades a menos do que prevíamos”.
Alguns setores comentam que o pior da escassez de componentes já passou. Qual é a previsão da Anfavea? E o que está sendo feito para evitar que esse cenário piore?
“No começo do ano, a gente tinha falta de alguns tipos de aço, borracha e pneus. E esses itens já têm melhor disponibilidade, com algum problema menor para pneus. Mas o que afeta o setor é a falta de semicondutores, utilizados em muitos veículos por conta dos componentes eletrônicos.
E o aumento da demanda no mundo também afetou a indústria brasileira. Mostramos o impacto na indústria global, que indica a possibilidade de reduzir entre 5 a 7 milhões de unidade produzidas no mundo. Não é uma solução que se resolve a curto prazo e a estabilização, segundo especialistas, só deve começar em meados do ano que vem.
O aumento da capacidade de produção de semicondutores não se faz de um dia para o outro. Porque, para colocar uma fábrica para funcionar, demora entre 2 a 4 anos desde o início dos investimentos até a produção. São investimento grandes. É um problema que, a curto prazo, ainda vamos sofrer”.
E o fechamento da fábrica estatal de semicondutores, anunciada há poucas semanas, afeta a indústria automotiva de alguma maneira?
“Essa fábrica não supria o setor automotivo, porque a indústria nacional de semicondutores está mais focada na fase final de produção e não nacionaliza todas as etapas. Além disso, elas atuam de 30 a 40% para celulares e 70% computadores.
Então, o setor automotivo não era atendido. Nós dependemos da Ásia, principalmente. E nem importamos diretamente, então, são os fornecedores que sofrem mais e nós somos impactados indiretamente”.
Está em discussão a redução da Tarifa Externa Comum (TEC) no Mercosul e também da tarifa de importação. Como a Anfavea enxerga essas possibilidades?
“A gente vê redução da TEC, caso seja adotada, como algo unilateral. Entendemos que deveria ser por acordos comerciais, porque abre para importação, mas também para exportação. E tem que ser feita também com a redução do ‘custo Brasil’. Nós defendemos isso porque a indústria em todo o mundo saiu de uma produção entre 93 ou 97 milhões em 2019 e caiu para 84 milhões em 2020. Então, existe uma ociosidade da indústria mundial.
Se reduzirem essas tarifas de maneira agressiva e unilateral, vamos competir contra nós mesmos. E a chance de trazer produtos de outros países aumenta, o que, por sua vez, diminui a chance de aprovarmos novos investimentos no Brasil. Isso precisa ser feito de maneira planejada e com redução do ‘custo Brasil’. Temos muitas dificuldades, questões tributarias, taxa de juros alta e problemas para resolver antes de nos tornarmos competitivos.
Nossa balança comercial, já falei e repito, é muito boa de saldos substanciais, mas é muito pobre em valor agregado. Ou seja, produtos de média e alta tecnologia, na nossa balança comercial, têm participação muito pequena. E esse tipo de produto traz pesquisa, desenvolvimento, tecnologia, mão de obra mais qualificada, renda e salários maiores.
Reconhecemos trabalho da mineração e do setor agrícola. Mas um país do tamanho do Brasil não pode ficar só com exportação de petróleo, soja, minério de ferro. Temos indústria para exportar média e alta tecnologia. Só que, para isso, precisamos de políticas que estimulem pesquisa, desenvolvimento e a indústria nacional”.
Houve um sutil aumento nas exportações nos últimos meses. Isso está relacionado a alguma política de incentivo?
“Essa recuperação de deve aos mercados da América Latina, basicamente. Não foi por ação ou política específica, já que não temos linha de financiamento, seguro de crédito ou políticas de estímulo às exportações de produtos de transformação com média e alta tecnologia. Competimos com todas as dificuldades. Essa exportação é muito pequena perto do que precisamos e se deve à recuperação dos países vizinhos neste cenário pós-pandemia”.
Como a Anfavea encara o cenário da política atual e como o pedido de superimpeachment é encarado pela indústria?
“Não vou entrar em detalhes da decisão do congresso, mas toda instabilidade política traz volatilidade do câmbio e piora a percepção de risco de investidores. E esse cenário posterga qualquer decisão de novos projetos. Então essa é a principal preocupação. Nós estamos monitorando e esperamos que sociedade encontre um cenário que não traga tanta instabilidade e volatilidade ao mercado”.