Guilherme Leal, Pedro Passos e Luiz Seabra: empresas são tão responsáveis pelo bem-estar do mundo quanto governos (Germano Lüders/Exame)
Denyse Godoy
Publicado em 2 de setembro de 2019 às 07h17.
Última atualização em 2 de setembro de 2019 às 10h42.
São Paulo — A Natura, quarta maior empresa mundial de cosméticos, completou 50 anos em agosto assistindo ao aumento de ataques no Brasil aos valores em que sempre baseou seu negócio, como a valorização da diversidade e a sustentabilidade ambiental.
Para os fundadores da companhia, a celebração do aniversário é uma oportunidade de reafirmar sua visão de longo prazo. Na avaliação dos executivos, o avanço do Produto Interno Bruto do país está associado à defesa da dignidade humana e à proteção à natureza, e princípios morais e éticos seguem inegociáveis.
“A Natura não se furta a ter posicionamentos, e historicamente tivemos posicionamentos contra a corrente que prevalece, mas mantemos nossa consistência. Preferia que tivéssemos mais uniformidade numa visão de governo que incluísse no modelo econômico o desenvolvimento social e ambiental”, respondeu a EXAME Pedro Passos, um dos três fundadores da companhia, quando perguntado sobre as diferenças entre a filosofia da companhia e os discursos de outras empresas brasileiras neste momento.
Os três fundadores, que são co-presidentes do conselho de administração da Natura, participaram na sexta-feira, 30, da inauguração da exposição comemorativa do cinquentenário na sede em Cajamar, região metropolitana de São Paulo, e conversaram com EXAME sobre sua visão da relação entre negócios e sociedade. “A evolução do lado econômico pode ser muito prejudicada pelos ruídos em outros setores”, afirmou Passos.
Por isso, a Natura está apreensiva com a direção que o país vem tomando. “Reconhecemos que existem mudanças em curso que eram muito necessárias para o Brasil e estão acontecendo de alguma forma. Mas vemos com muita preocupação a falta de um diálogo mais construtivo e civilizado, porque uma das riquezas do Brasil é a própria diversidade”, disse Guilherme Leal, outro dos fundadores.
“Nós procuramos investir na construção de pontes para promover as mudanças que desejamos. Entendemos que existe um desafio, porque esse patrimônio [Amazônia] é brasileiro, porém é mais do que brasileiro. A comunidade internacional tem que ser coerente com o acordado em Paris [na Convenção Estrutural das Nações Unidas sobre o Aquecimento Global, em 2015]”, disse Leal.
Passos concordou: “Quando falamos em soberania, precisamos hierarquizar a soberania em relação ao planeta. Não adianta ser soberano e prejudicar todo mundo”. A empresa foi pioneira na utilização de insumos como frutos e sementes da região amazônica em seus cosméticos com o lançamento da marca Ekos, em meados da década de 90.
A Natura tem parcerias com cerca de 30 comunidades produtoras da região Norte do Brasil e com organizações não-governamentais para pesquisar e explorar os ativos de maneira sustentável. No mês passado, lançou uma campanha pela defesa da Amazônia, e, na publicidade dos cosméticos, costuma exaltar a beleza da diversidade humana.
Luiz Seabra – que abriu a primeira loja da Natura na rua Oscar Freire, na capital paulista, em 1969 – afirmou reconhecer que existem pontos de vista diferentes, mas que acredita que as empresas não deveriam ser pura e simplesmente agentes que esperam que a economia e o mercado se resolvam e solucionem as questões sociais.
“É uma questão de convergência ou de divergência, mas no nosso caso continuamos achando que a empresa é um agente de transformação social buscando a proteção da vida como um todo”, disse. “As companhias no mundo têm uma missão que transcende a busca do lucro operacional. Acreditamos no triple bottom line [método contábil que considera métricas sociais, ambientais e financeiras para aferir o desempenho de uma empresa] e que mais do que nunca essa crença é necessária e tem que ser expandida.”
Na opinião dos fundadores da Natura, os empresários brasileiros estão ficando agora um pouco mais atentos às tragédias e aos dramas que o Brasil vive. “Seja a questão social, a proteção às classes menos favorecidas, e a viabilização de vidas mais dignas, mais do que nunca isso é um chamamento às empresas. Olho com muita esperança para o futuro, para que as empresas sejam tão responsáveis pelo bem-estar do mundo quando os governos”, disse Seabra.