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Falta ambição ao novo CEO do Uber. E isso é bom

O novo presidente do Uber tem bem menos apetite a risco que o fundador da companhia, Travis Kalanick

Dara Khosrowshahi: ele pode procurar transformar a Uber em uma empresa mais normal, mais lenta, menos intensa e menos interessada em engolir o mundo / Wikimedia Commons (foto/Wikimedia Commons)

Dara Khosrowshahi: ele pode procurar transformar a Uber em uma empresa mais normal, mais lenta, menos intensa e menos interessada em engolir o mundo / Wikimedia Commons (foto/Wikimedia Commons)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 12 de setembro de 2017 às 12h34.

Última atualização em 13 de setembro de 2017 às 13h34.

Em particular, e às vezes em público, Travis Kalanick gosta de descrever a Uber, empresa que oferece serviços de carona paga que ele ajudou a fundar e da qual foi comandante absoluto, como a Amazon do negócio de transportes.

As semelhanças são claras. A Amazon começou como uma livraria online, mas nunca foi um negócio apenas de venda de livros; por mais de duas décadas, seu fundador, Jeff Bezos, expandiu de maneira metódica suas ambições, o alcance e a infraestrutura operacional da empresa para enfim se tornar uma ameaça à própria existência do varejo.

De modo parecido, a Uber, na visão expansiva de Kalanick, nunca foi apenas um negócio de caronas pagas. Para ele, um serviço similar ao dos táxis sempre foi uma porta de entrada para um modelo de negócios que, segundo acreditava, expandiria a indústria de transportes global, que vale trilhões de dólares, mudando a maneira como as pessoas e as coisas se movem pelo mundo, e transformar a companhia em uma das poucas gigantes de tecnologia norte-americanas que dominarão este século.

Essa visão agora está nas mãos de Dara Khosrowshahi, que foi durante muito tempo executivo chefe da empresa de viagens on-line Expedia e acabou escolhido para substituir Kalanick.

Nesse papel, Khosrowshahi vai precisar enfrentar uma questão importante relacionada com ambição: a empresa continuará procurando ser a Amazon do transporte ou vai aceitar ser a Expedia de seu nicho – um dos maiores competidores do mercado nessa indústria, mas não expansionista ou messiânico, focado apenas em se tornar o próximo gigante da tecnologia norte-americana?

Khosrowshahi é um enigma no Vale do Silício. Muito do futuro do transporte, assim como do cenário das start-ups na região, dependem de seus planos ainda desconhecidos. A Expedia não quis comentar, e a Uber não respondeu aos pedidos de entrevista.

O passado de Khosrowshahi na Expedia, no entanto, mostra algo sobre seu temperamento. Ele teve uma carreira muito bem sucedida ali e parece ser um operador paciente que pode dar jeito em uma empresa com problemas.

Seu tempo na companhia também aponta para uma visão bastante diferente da de Kalanick. Em uma das maiores falhas da Expedia na história, Khosrowshahi pareceu cauteloso na hora de assumir um risco grande e com potencial lucrativo enorme de uma ideia muito inovadora em sua área – e saiu perdendo.

Para ser justo, ele ajudou a Expedia a se ajustar depois desse erro, mas seu impulso inicial pode sugerir uma mentalidade mais avessa ao risco do que a de Kalanick, embora isso, claro, talvez seja exatamente o que a Uber precisa neste momento.

A história do tal erro é conhecida na indústria de turismo on-line. A Expedia foi uma das pioneiras das reservas de viagem do segmento. Criada por uma equipe da Microsoft, em 1996, a empresa depois se uniu com a companhia de mídia IAC, se separou e virou uma empresa independente, com ações na bolsa, em 2005, e Khosrowshahi como CEO.

Seu negócio de reserva de hotéis cresceu com uma aquisição que Khosrowshahi fez enquanto era executivo da IAC, no final da década 1990, e, durante vários anos, parecia ótima e cada vez mais lucrativa.

Na época, a Expedia trabalhava de acordo com o que é conhecido como “modelo comercial”. Sob esse sistema, quando você reserva um hotel, paga primeiro para a Expedia, que pega uma parte lucrativa do negócio e compra as diárias em seu nome. E as margens eram surpreendentes: a empresa conseguia até mais de 25 por cento do que pagava pelos quartos.

Mas apareceu um problema no horizonte: como relatou Dennis Schaal, que cobre a indústria de viagens on-line no site especializado Skift, em meados dos anos 2000, um pequeno site com base em Amsterdã chamado Booking.com resolveu revolucionar o modelo comercial.

Em vez de pegar uma parte grande do pagamento, o Booking.com usava o que era conhecido como “modelo de agência”, ou seja, o site deixava os hotéis estabelecerem comissões muito menores, de até 12 por cento, e também permitia que os hóspedes pagassem diretamente no hotel, e não antecipadamente.

Khosrowshahi e sua equipe pensaram em comprar o Booking.com, mas como ele explicou para Schaal em 2016, a Expedia não gostava das margens baixas praticadas pelo site.

“Acho que foi porque estávamos ligados ao modelo comercial e às margens altas na época. Analisando hoje, acredito que isso nos deixou cegos”, contou ele a Schaal.

Foi um erro que custou caro. O maior competidor da Expedia, o Priceline, comprou o Booking.com e o transformou em um monstro.

Sob o Priceline, o Booking.com rapidamente se tornou o maior site de reservas de hotel do mundo, porque seu modelo mais barato criou uma dinâmica que Khosrowshahi e outras pessoas da Expedia não anteciparam. Ele diminui os preços e aumentou muito o número de estabelecimentos no site, tornando-o popular entre aqueles que procuravam vagas e impossível de ser ignorado pelos donos dos hotéis.

Bem Thompson, que escreve a newsletter de tecnologia Stratechery, afirma que Khosrowshahi merece crédito por reconhecer o erro e trabalhar para resolvê-lo. A Expedia começou a aprofundar o modelo de agência e agora administra uma abordagem mais ou menos híbrida e, nos últimos anos, sua taxa de crescimento tem sido parecida com a do Priceline.

“Essa história pode explicar como Khosrowshahi deve lidar com a Uber. Da mesma maneira que o Booking.com se tornou popular porque tinha o maior inventário de hotéis, Khosrowshahi pode entender que o segredo da Uber é sua popularidade entre seu público”, escreveu Thompson.

“O que, na verdade, torna a Uber tão valiosa, e ainda tão atraente apesar de seus problemas recentes, é a ligação que mantém com os usuários. Quanto mais público tiver, mais motoristas vai atrair, mesmo se a questão econômica não for boa em relação a outros serviços: praticar uma taxa não tão boa é melhor do que não dirigir com uma ruim”, prossegue.

Isso parece razoável. Ainda assim, estou focado no impulso inicial de Khosrowshahi de não querer o Booking.com. Suspeito que se você disser para Kalanick – e não estou nem mencionando Bezos – que um concorrente havia descoberto uma maneira de vender o mesmo produto com um preço muito mais barato, ele teria feito algo na mesma hora para comprá-lo ou copiá-lo, sem ligar para os riscos que poderiam ameaçar os lucros de curto prazo. Sacrificar muito dinheiro agora por uma parcela potencialmente imensa do mercado no futuro é uma atitude clássica de Bezos e de Kalanick.

Na verdade, é muito parecido com o que Kalanick fez quando criou o UberX, a versão mais barata de seu serviço original de carros chiques, em resposta aos iniciantes mais em conta como a Lyft.

O fato de Khosrowshahi não ter feito isso demonstra que possui um apetite muito diferente pelo risco. E também sugere que pode procurar transformar a Uber em uma empresa mais normal, mais lenta, menos intensa e menos interessada em engolir o mundo, mas talvez também melhor para se trabalhar, que pode começar a ganhar dinheiro em vez de perder.

Para todos aqueles que já estão cansados dos dramas recentes da Uber, pode ser uma boa troca.

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