José Bacellar: executivo presidiu a Bombril, trabalhou na indústria farmacêutica e hoje é CEO da Verdemed (Verdemed/Reprodução)
Victor Sena
Publicado em 29 de junho de 2021 às 10h50.
Última atualização em 30 de junho de 2021 às 10h50.
O ano era 2017 quando o executivo Martim Prado Mattos decidiu trocar o comando financeiro da Hyperamarcas (hoje Hypera Pharma) por um setor que ainda começava a engatinhar no Brasil: o de cannabis medicinal.
Quais são as tendências entre as maiores empresas do Brasil e do mundo? Assine a EXAME e saiba mais.
Essa transição de carreira (e de segmento) aconteceu depois que ele se inspirou em anúncios que buscavam “analistas do setor de cannabis” para bancos nos Estados Unidos. O executivo começou a estudar o assunto e a entender como poderia empreender dentro do ramo de maconha medicinal no Brasil.
De lá para cá, ele pediu demissão, criou um fundo de investimentos em negócios globais de cannabis e lançou a GreenCare, uma empresa produtora de canabidiol, o famoso derivado medicinal da maconha sem compostos psicoativos que tem uso permitido em mais de 40 países do mundo, incluindo o Brasil.
A empresa é um dos principais e-commerces que disponibilizam o produto no país, de forma importada, e está na fila da Anvisa para conseguir um aval para vendê-lo nas farmácias. Hoje, apenas duas marcas têm essa autorização: a farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi e a americana Nunature.
O consumo de canabidiol no Brasil é permitido desde 2015, mas até ano passado a Anvisa não autorizava a venda de canabidiol em drogarias. O único jeito de pacientes obterem o derivado da maconha era importando em e-commerces com receita médica e permissão obtida via site da agência. Esse modelo ainda é o mais forte, com diversas empresas operando.
Com a liberação da venda em farmácias, empresas do setor têm solicitado a permissão à Anvisa, impulsionando no Brasil negócios relacionados a esse ecossistema, como mostra esta reportagem na última edição da Exame. A expectativa de uma pesquisa da New Frontier Data é que o mercado atinja 4,7 bilhões de reais no país em três anos.
Apesar de à primeira vista a transição ser vista como uma transição de carreira, Martin conta que a entrada no segmento de cannabis medicinal no Brasil, que ainda tem regras rígidas no Brasil, está ligada à sua história como executivo.
“Eu sempre participei da indústria de bens de consumo e farmacêutica e uma das visões que eu tinha lá de trás é que a cannabis viraria uma bem de consumo ou medicamento como qualquer outro, integrado nas cadeias globais. É uma nova categoria que estaria inserida nos bens de consumo farmacêutica. Eu percebi que disso eu conhecia e vi que não fazia sentido estar de fora”, conta o empresário.
Quando Martin estava prestes a sair da Hyperamarcas, ela passava por uma transição. Estava deixando de ser uma empresa de consumo para ser uma indústria farmacêutica, o que estimulou que Martin buscasse novos ares.
A GreenCare faz parte do fundo Greenfield Global Opportunities, criado também por Mattos em 2017 e pelos empresários Marcelo Marco Antônio, herdeiro da família fundadora do Hospital São Luiz, e Nelson Cury.
O fundo de venture capital baseado no Canadá tem investimentos em 16 empresas de cannabis no mundo, com 250 milhões de dólares em ativos.
Enquanto o aval da Anvisa para a venda não é dado, a empresa mantém os investimentos. A GreenCare já recebeu R$ 40 milhões em aportes e tem 80 funcionários, baseados entre a cidade de São Paulo e a fábrica recém adquirida em Vargem Grande Paulista.
Com a autorização para a venda em farmácias, a Anvisa também autoriza que as empresas produzam canabidiol no país. A ideia da GreenCare é fazer a importação da matéria-prima e finalizar o envasamento do óleo de canabidiol. Por enquanto, empresas não podem plantar cannabis mesmo com fins medicinais ou científicos no Brasil.
Um projeto de lei que prevê essa autorização foi aprovado em uma comissão da Câmara no mês de junho, mas ele ainda precisa ser referendado pelo Senado e pelo presidente Jair Bolsonaro.
A história do empresário José Bacellar é parecida com a de Martin Mattos. O brasileiro também trabalhava na indústria farmacêutica quando percebeu a chance de empreender no segmento.
Antes disso, ele foi presidente da Bombril no começo dos anos 2000 e passou pela indústria farmacêutica depois de se mudar para o Canadá como chefe de Desenvolvimento de Negócios da ACIC Pharmaceuticals. Foi no país, onde mora há 12 anos, que ele começou a ter contato com o segmento de cannabis medicinal.
O empresário explica que a criação da Verdemed teve uma série de felizes coincidências: ele entendia do mercado farmacêutico e o Canadá, onde ele morava, tinha uma legislação extremamente facilitadora para os negócios de cannabis.
Assim, “era muito fácil” criar uma farmacêutica especializada em cannabis com foco em exportar para países da América-Latina, que começavam a se abrir para o canabidiol.
Como há consumo recreativo e medicinal permitido no Canadá, um verdadeiro ecossistema empresarial já existe no país, tanto que a maior empresa global do setor é de lá. A Canopy Growth é avaliada em 12 bilhões de dólares e tem ações abertas na bolsa de valores de Toronto e de Nova York desde 2018.
Desde a criação, a empresa já conseguiu levantar cerca de 7 milhões de dólares e no momento está mirando mais 3 milhões para fazer este lançamento de seus produtos no Brasil.
A ideia de focar na América Latina é porque a região ainda tem espaço para empresas do setor, diferentemente dos Estados Unidos e Canadá. Para José Bacellar, que toma todos os dias uma dose de 25 mg de canabidiol como relaxante muscular e medida preventiva para dores, o CBD “é o grande business”, mesmo que existam diversos outros compostos na maconha. Para isso, o avanço legal pode seguir junto a autorizações para o plantio do cânhamo, planta macho da cannabis que não produz nada componentes psicoativos.
Cargos de executivos como o de Martin e Bacellar têm crescido em países onde o ecossistema da cannabis medicinal é mais maduro. Nos Estados Unidos, por exemplo, que tem um mercado de produtos medicinais na maioria dos estados e de consumo recreativo em algumas como Nova York, Califórnia e Colorado, a indústria da cannabis já emprega mais de 320 mil pessoas. Em 2020, eram 243 mil.