Série "Coisa Mais Linda", original da Netflix: produção brasileira é uma das apostas da Netflix para atrair público local (Youtube/Reprodução)
Carolina Riveira
Publicado em 17 de julho de 2019 às 06h00.
Última atualização em 17 de julho de 2019 às 13h09.
O Brasil chegou a ser chamado de "um foguete" pelo presidente e fundador da plataforma de streaming de vídeo Netflix, em 2017. Na época, a empresa começava a engrenar de vez no país, vendo sua base de usuários dobrar e o Brasil figurar entre os cinco maiores mercados da Netflix no mundo. "Se eu penso no Brasil, nós eramos bem fracos no primeiro ano e agora é um foguete", disse Hastings em 2017.
O mandatário da Netflix não fez mais declarações sobre a performance no Brasil desde então, mas é possível que sua animação tenha minado um pouco. A Netflix divulga na noite desta quarta-feira, 17, seus resultados financeiros do segundo trimestre, com a expectativa de que o número de novos assinantes caia cerca de 8% globalmente.
E, no Brasil, a tendência também não é tão boa quanto já foi um dia: a empresa não divulga dados de performance e número de usuários nas regiões em que opera, mas estimativas obtidas por EXAME junto a consultorias que monitoram a performance da Netflix mostram que o crescimento vem diminuindo bastante por aqui.
O Brasil foi o segundo país em que a Netflix chegou fora dos Estados Unidos, em setembro de 2011, logo depois do Canadá, e é hoje, com mais de 8 milhões de assinantes, é o terceiro maior mercado da empresa, atrás de Estados Unidos e Reino Unido, segundo estimativas da consultoria Futuresource.
Mas enquanto entre junho de 2017 e junho de 2018 o número de usuários da Netflix (assinantes ou não) cresceu 23% no Brasil, a estimativa para o mesmo período em 2019 é que o crescimento seja de "apenas" 14%, segundo a consultoria de marketing digital eMarketer. É daí para baixo: a expectativa é crescer menos de 9% entre junho de 2019 e junho de 2020, 4% em 2021 e 2,5% em 2022.
Assim, até 2022, a participação do Brasil no número de usuários da Netflix deve continuar na casa dos 7%. Em junho de 2019, a Netflix contabilizou 27 milhões de usuários no Brasil, isto é, pessoas que acessaram a plataforma ao menos uma vez por mês. (A eMarketer explica que o número é maior que o total de assinantes porque muitas pessoas compartilham assinaturas.)
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Já dados da consultoria de métricas digitais SimilarWeb, obtidos com exclusividade por EXAME, também mostram que o número de visitas no site "netflix.com", que totalizou mais de 250 milhões em janeiro deste ano, caiu para a casa dos 200 milhões em junho (um usuário pode visitar o site mais de uma vez, contabilizando nova visita). O desktop ainda representa mais de 70% dos acessos da Netflix ante menos de 30% para celulares e tablets (sem contar as TVs inteligentes, que não aparecem nas métricas analisadas).
Se contabilizados só os celulares e tablet com Android (mais de 90% dos dispositivos no Brasil), os acessos únicos à Netflix também caíram 2% entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, ainda segundo a SimilarWeb, com 7,1 milhões de usuários únicos entre abril e junho (ou seja, com apenas um acesso contabilizado por aparelho).
Uma das possíveis razões para o menor crescimento no Brasil é o aumento do preço da assinatura: a Netflix subiu neste ano o plano básico de 19,90 reais para 21,90 reais e o premium (que dá direito a quatro telas) de 37,90 reais para 45,90 reais. Preços também aumentaram no México e em partes da Europa.
Ainda não é motivo para desespero: o total de acessos únicos por aparelho Android, por exemplo, era de pouco mais de 5 milhões há um ano, o que mostra que a Netflix conseguiu 1 milhão de novos acessos únicos em celulares e tablets brasileiros no período e configura um crescimento anual de mais de 20%.
"O crescimento anual da Netflix ainda é muito expressivo, mas de fato a tendência que se verifica é que esse crescimento vem desacelerando um pouco", afirma Urgel Augustin, diretor de vendas para América Latina da SimilarWeb. "Não dá para dizer o que levou a essa queda, pode ser desde comportamento natural do consumidor a aumento do preço ou alguma série específica saindo do catálogo."
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Qualquer empresa que visse a base de clientes crescer 20% em um ano estaria, no mínimo, bastante feliz. Mas não é caso de empresas de tecnologia, para as quais o crescimento, para os investidores, pode até estar à frente da exigência por faturamento ou margem de lucro.
Precisando crescer sem parar, uma tendência de desaceleração no Brasil é má notícia para a Netflix, que aposta cada vez mais as fichas em mercados fora dos Estados Unidos, sua terra natal, onde o crescimento é lento e a concorrência é alta. Entre o primeiro trimestre de 2019 e o mesmo período de 2018, a base internacional de assinantes da empresa (isto é, fora dos EUA) cresceu 39%, enquanto nos Estados Unidos a alta foi de apenas 9%.
O ano de 2018 foi o primeiro em que o faturamento estrangeiro foi mais alto que nos Estados Unidos, com 7,8 bilhões de dólares ganhos no exterior contra 7,6 bilhões de dólares nos Estados Unidos. O número de usuários também já é maior no exterior: são 88,6 milhões de assinantes no resto do mundo contra 60,2 milhões nos Estados Unidos.
No mercado americano, mais do que em qualquer outro, a Netflix ainda enfrentará a chegada de novos concorrentes de peso, como o HBO Max (serviço de streaming da HBO e de nomes como a Warner) e o Disney+ (da Disney). O "ataque" à Netflix já começou, e a empresa anunciou que vai perder a série "Friends", da Warner, que responde pela segunda maior audiência da Netflix. A Disney também deve retirar em breve suas animações atualmente disponíveis no catálogo da concorrente.
Não há previsão de lançamento das novas plataformas de streaming no Brasil, mas elas não devem demorar, o que pode morder uma fatia da Netflix e também de emissoras de TV por assinatura. Por isso, a Netflix deve investir cada vez mais na produção de conteúdo próprio, ainda que, para isso, precise abrir mão de margem.
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O crescimento no Brasil começando a murchar fez a Netflix voltar as atenções para sua nova menina dos olhos, a Índia, que com seus 1,3 bilhão de habitantes é o lugar onde a empresa mais cresceu sua base de assinantes e usuários nos últimos trimestres. Em visita a Índia no ano passado, Hastings afirmou que "os próximos 100.000 [assinantes] para nós virão da Índia", devido à expansão do acesso a internet no país.
A Netflix também não divulga oficialmente a quantidade de assinantes indianos, mas afirma que o número cresceu mais de 80% nos últimos doze meses. Estimativas externas da consultoria Media Partners Asia apontam para mais de 500.000 assinantes no país.
O número de downloads do app da Netflix na Índia também quadruplicou entre o terceiro trimestre de 2018 e o mesmo período de 2017 e quase dobra a cada trimestre, segundo levantamento do banco Credit Suisse. Enquanto isso, o número de downloads no Brasil cresceu menos de 10% no período, apresentando um crescimento quase tão fraco quanto nos Estados Unidos. Colabora o fato de que a Netflix esteja testando em países como a Índia e a Malásia um modelo de assinatura só para celular.
Mas mesmo na Índia o segundo trimestre da Netflix teve queda de 6% no número de usuários ativos em dispositivos móveis, segundo a SimilarWeb. A Netflix indiana enfrenta ainda a concorrência da empresa indiana Hotstar, que pode roubar valiosos usuários.
Assim, apesar do potencial de a Índia ultrapassar 2 milhões de assinantes nos próximos dois anos, o número ainda será bem menos que os mais de 8 milhões no Brasil ou no Reino Unido.
Ao menos uma boa notícia para a Netflix: um brasileiro com aplicativo da empresa instalado no celular ou tablet passa nada menos que 1 hora e 28 minutos conectado às séries e filmes da plataforma -- e esse número vem crescendo trimestre após trimestre, sendo cerca de 1h e 10 minutos no fim do ano passado, de acordo com a SimilarWeb. Outra: uma em cada três das mais de 200 milhões de pessoas que têm um aparelho Android no Brasil têm o aplicativo da Netflix instalado. E dentre os que assistem suas séries pelo computador, mais de 80% digita o endereço da plataforma no navegador em vez de buscá-lo no Google, prova de que a empresa tem uma marca forte entre seus assinantes brasileiros.
O Brasil pode não ser mais o grandioso "foguete" de outrora para a Netflix, mas vai demorar até a empresa deixar de dominar o mercado por aqui. O que vai ser difícil, contudo, é repetir as taxas de crescimento de três dígitos que animaram Hastings em 2017. De agora em diante, a concorrência só tende a aumentar.