Christian Voelcker, vice-presidente da Auxiliadora Predial: "A enchente de 1941 nos ensinou lições valiosas" (Cristiano Junior / Auxiliadora Predial/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 7 de setembro de 2024 às 08h08.
A história da Auxiliadora Predial, a maior imobiliária do Rio Grande do Sul, é marcada por números superlativos. São 2 bilhões de reais em vendas previstos para este ano e 11.000 imóveis na carteira. Também, por uma expansão contínua — como a entrada no mercado paulista nos últimos anos.
Mas há ainda outro adjetivo aí: resiliência. Ela carrega o peso de ter enfrentado e superado as duas maiores enchentes registradas em Porto Alegre, capital gaúcha: a de 1941 e a mais recente, em 2024, quando as águas do Guaíba subiram para mais de cinco metros.
Nos dois casos, porém, a empresa conseguiu dar a volta por cima.
Em 1941, criou um sistema de proteção que salvou os documentos e dificultou a inundação para possíveis enchentes futuras. Em 2024, se mobilizou para organizar os contratos e prestar apoio para quem teve algum impacto de moradia, ao passo que presenciou um aumento forte de demanda nos últimos meses. Não à toa, não para de bater recorde de faturamento e mira um crescimento de quase 50% em um ano.
“Quase 40% do nosso estoque estava em área impactada, mas o cenário que vemos agora é de movimentação alta”, diz Mário Cesar Soares, sócio-diretor da Auxiliadora Predial. “Tem quem esteja vendendo imóveis por um preço menor em áreas atingidas, tem quem queria se mudar para andares mais altos, e tem quem esteja aproveitando para comprar imóveis a preços mais baixos”.
O crescimento em 2024 também está apoiado numa estratégia de expansão agressiva em Santa Catarina e São Paulo, com planos de ampliar sua rede de franquias.
“Só em Santa Catarina, tivemos um valor geral de vendas de 162 milhões de reais nos primeiros seis meses de 2024. É 190% a mais do que no mesmo período de 2023”, diz Soares.
O objetivo é fechar 2024 movimentando 2 bilhões de reais em vendas de imóveis, sem contar as locações e a gestão de condomínios.
O sistema de crescimento da Auxiliadora é por meio de franquias. Essa também é a estratégia para ter um alto faturamento: as imobiliárias franqueadas colocam os imóveis à disposição de toda a rede. Com isso, uma pessoa sendo atendida em Florianópolis, por exemplo, pode comprar um imóvel de Gramado, cadastrado por outra unidade.
“Com isso, temos o maior portfólio de imóveis à venda no estado e uma rede com mais de 100 corretores”, diz.
Atualmente, a empresa possui 70 lojas, entre unidades próprias e franqueadas. Até 2028, a previsão é de alcançar 400 unidades, com 100 no Rio Grande do Sul, 100 em Santa Catarina e as demais em São Paulo e no ABC Paulista.
A Auxiliadora Predial foi fundada em 1931 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com o objetivo de oferecer soluções no mercado imobiliário, especialmente por meio de consórcios para compra de imóveis, algo ainda incipiente naquela época.
A empresa surgiu da parceria entre um engenheiro, dois profissionais do setor bancário e um comerciante. O consórcio imobiliário, comum na Europa e nos Estados Unidos, permitia que várias pessoas se unissem para adquirir imóveis, algo ainda raro no Brasil naquela época.
Com o tempo, a empresa expandiu suas atividades, inicialmente no Rio Grande do Sul e, em seguida, em outros estados, como o Rio de Janeiro. Durante os primeiros anos, a Auxiliadora Predial começou a atuar em diversas regiões, consolidando sua presença no mercado.
Nos anos 1940, com a construção de prédios residenciais, a empresa passou a oferecer serviços de administração de condomínios, outra novidade no país. Até então, não existia um modelo claro para gerenciar esse tipo de empreendimento.
Nas décadas seguintes, a empresa continuou a crescer e se adaptar às mudanças no mercado imobiliário brasileiro. Na década de 1950, com aumento do financiamento, o modelo de consórcios imobiliários perdeu força, mas a Auxiliadora já havia expandido sua atuação para administração de imóveis, vendas e locações.
Nos anos 2000, a Auxiliadora Predial introduziu no Brasil o modelo de franquias, inspirado no mercado imobiliário dos Estados Unidos, onde a maioria das transações é realizada por franqueados.
Esse movimento permitiu que a empresa expandisse suas operações para outros estados, como Santa Catarina e São Paulo.
As enchentes trouxeram um impacto significativo para o mercado imobiliário, principalmente nas áreas mais baixas da capital gaúcha, mas também evidenciaram a capacidade de adaptação da Auxiliadora Predial.
"A enchente de 1941 nos ensinou lições valiosas. Naquela época, nossos arquivos eram todos em papel. Quando a água subiu, tivemos que improvisar para salvar os documentos e proteger o patrimônio de nossos clientes", relembra o vice-presidente da empresa, Christian Voelcker. "Em 2024, já estávamos muito mais preparados. Quando construímos uma nova sede, já pensamos em evitar qualquer risco, com infraestrutura para suportar eventos como esse, preservando nossa operação."
Se por um lado a enchente de 2024 trouxe prejuízos imediatos, com imóveis alagados e um clima de incerteza, por outro, ela impulsionou o mercado de locação. Regiões inteiras ficaram submersas, como as áreas próximas à BR-116, e muitas famílias tiveram que buscar alternativas.
"Nos primeiros 15 dias, as pessoas ainda estavam buscando abrigo na casa de amigos e familiares, mas quando perceberam que os danos seriam maiores e prolongados, nossa demanda por imóveis de aluguel disparou”.
O perfil de busca também mudou durante a crise. Imóveis em bairros mais altos, longe das áreas de risco, se tornaram os mais procurados, o que gerou um efeito de pressão nos preços. “Houve uma percepção de que os preços dispararam, mas a verdade é que a oferta era limitada", diz o executivo.
A crise também trouxe um comportamento interessante em relação às vendas de imóveis. Assim como ocorreu na pandemia, momentos de incerteza fazem com que muitas pessoas tomem decisões importantes, como mudar de casa ou vender um imóvel.
"Registramos um aumento significativo nas vendas, especialmente em imóveis localizados em áreas afetadas pela enchente. Muitos proprietários decidiram vender seus imóveis por preços mais baixos, enquanto outros aproveitaram a oportunidade para adquirir novas propriedades".
Ele também destaca a velocidade com que o mercado se adaptou.
"A normalização da oferta e demanda aconteceu de forma rápida. Muitas pessoas voltaram para seus bairros de origem, e o mercado imobiliário se ajustou. Áreas mais impactadas, como o 4º Distrito, tiveram uma queda inicial nos preços, mas logo começaram a se recuperar".
Olhando para o futuro, a Auxiliadora Predial projeta atingir a marca de 2 bilhões de reais em vendas até o final de 2024, um aumento de 40% em relação ao ano anterior. "Queremos chegar a 400 franquias e ampliar nossa presença em estados estratégicos".
Além da expansão geográfica, a empresa está apostando na digitalização para tornar seus processos mais eficientes e oferecer uma experiência completa ao cliente.
"Acreditamos que o futuro do mercado imobiliário será ‘figital’, uma combinação do físico com o digital. Implementamos visitas virtuais, assinatura digital e processos automatizados de crédito, mas ainda valorizamos o contato humano, especialmente em momentos importantes como a compra de um imóvel", comenta o CEO.
A digitalização também trouxe um novo perfil de corretor para a empresa, com muitos profissionais oriundos do mercado financeiro.
"Hoje, temos corretores que ganham salários médios de 40.000 reais, porque conseguimos aumentar a produtividade com o apoio da tecnologia. O corretor não vai desaparecer, pelo contrário, ele será cada vez mais essencial", afirma Voelcker.
A série de reportagens Negócios em Luta é uma iniciativa da EXAME para dar visibilidade ao empreendedorismo do Rio Grande do Sul num dos momentos mais desafiadores na história do estado. Cerca de 700 mil micro e pequenas empresas gaúchas foram impactadas pelas enchentes que assolaram o estado no mês de maio.
São negócios de todos os setores que, de um dia para o outro, viram a água das chuvas inundar projetos de uma vida inteira. As cheias atingiram 80% da atividade econômica do estado, de acordo com estimativa da Fiergs, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul.
Os textos do Negócios em Luta mostram como os negócios gaúchos foram impactados pela enchente histórica e, mais do que isso, de que forma eles serão uma força vital na reconstrução do Rio Grande do Sul daqui para frente. Tem uma história? Mande para negociosemluta@exame.com.