PHILIPPE ENAUD: Empresário francês comenta as dificuldades de estabelecer uma PPP no Brasil /
Gian Kojikovski
Publicado em 15 de novembro de 2016 às 12h08.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.
O executivo francês Philippe Enaud está à frente da Vivante, empresa fundada em 2013, especializada em terceirização e manutenção de estruturas, principalmente no setor de saúde. A empresa surgiu como uma forma de abraçar as oportunidades brasileiras, já que o país ainda tem expandido a área de serviços terceirizados e o número de Parcerias Público-Privadas. Ao mesmo tempo, encontrou aqui problemas que não estava acostumado em outros países, principalmente na questão jurídica.
A história de Enaud no Brasil não é recente. Ele foi convidado a trabalhar aqui pela empresa em que trabalhava em 2012, a Dalkia, multinacional do ramo de eficiência energética e manutenção de facilities. Mas, antes de aceitar coordenar a venda da porção nacional da empresa, ele já havia morado no país entre 1998 e 2006, quando criou e liderou o escritório brasileiro da companhia. Com a experiência no setor, se juntou com dois sócios e, com a ajuda do fundo Axxon, comprou as operações da Dalkia na América Latina e deu à luz a Vivante. Em entrevista a EXAME Hoje, o executivo falou sobre a evolução e os desafios das PPPs no Brasil.
Quais são os principais problemas com que vocês se deparam quando entram na concorrência de uma Parceria Público-Privada?
Eu diria que os problemas fundamentalmente têm a ver com a estrutura jurídica. Uma parte das garantias não são suficientemente sólidas. Normalmente, as garantias funcionam muito bem para a fatia tradicional do contrato, que seria a construção. A grande dificuldade é quando você tem um desequilíbrio, por exemplo, na demanda esperada para o projeto, que obriga o contrato a ser renegociado. O tempo da administração pública é totalmente diferente do tempo do mundo privado. Dentro dos contratos, existem cláusulas que tem que ser melhoradas, para dar a estabilidade necessária para que o investidor consiga trabalhar de maneira serena e se concentrar sobre o objeto do contrato. Se o contrato é mal feito e o país não tem uma estrutura jurídica que traga garantias ao negócio, o investidor fica mais tempo fazendo ações judiciais para receber o dinheiro do que dedicando esforços para a atividade-fim, seja um hospital, uma escola ou uma concessão de transporte público. Isso tem acontecido com frequência no Brasil.
Então, os principais problemas têm a ver com a renegociação?
Sim, a remodelagem do contrato é um problema. Tem o exemplo do hospital de Manaus, que está pronto há um ano e não é utilizado. Normalmente, no caso de hospitais, são feitos dois contratos: um para a construção e para a administração da parte operacional, como limpeza, que é chamado de bata cinza; outro para a parte de saúde, conhecida como bata branca, que é administrada pelo setor público. O local que está há um ano sem ser utilizado não devolve o valor para os investidores, que colocaram dinheiro na expectativa de operar o hospital. E isso não acontece por falta de profissionais que deveriam ser pagos pelo governo. Aqui no Brasil, esses problemas começam na hora da operação, não são tantos problemas na construção.
Isso acontece só no Brasil?
Tradicionalmente, os primeiros atores dos mercados de PPPs ou concessões são as construtoras. Na Espanha é assim também, e em vários outros países. Quando uma construtora faz parte da licitação para operar o local, o objetivo acaba sendo fazer a obra logo para retirar o máximo do valor investido dali, e depois, se possível, vender a participação. Pela natureza do projeto, construtoras não têm interesse em ficar muito tempo com a operação. Isso é ruim porque entregar a construção acontece em um prazo curto, dois ou três anos, mas a entrega do serviço com que você se comprometeu vai durar décadas. O cliente, que nesse caso é o cidadão, espera mais do que a construção, ele quer a operação funcionando bem. Um dos riscos é que as construtoras que ganham esses contratos acabam apresentando propostas irreais, com um custo inicial demasiadamente alto e gastos com operação super enxutos. Então, depois, a operação fica debilitada e o cidadão não fica satisfeito com o serviço. Isso aconteceu lá fora, mas as coisas se ajustaram com o tempo. Como no Brasil o sistema de PPPs é novo, acho que os próximos contratos devem ser melhores, porque tanto o setor público como o privado parecem querer melhorar.
Qual é a solução para isso?
A solução é o modelo inglês, onde você tem atores diferentes e instituições financeiras como garantidoras. A construtora executa a obra em um contrato de preço fechado. O banco que entrega o financiamento exige um contrato de responsabilidade da construtora e outro contrato de responsabilidade do operador. Aí entra a figura do verificador independente, que tem um papel fundamental: o de cobrar a execução do serviço de maneira exemplar. Nós não podemos aceitar que o setor público entregue algo parcial ao setor privado e repasse algo parcial à população. Os indicadores têm que ser públicos e esse verificador tem que ser responsável por colocar isso na internet, por exemplo, e por cobrar a concessionária. Esse controle é fundamental.
A primeira PPP do Brasil, que foi a do metrô de São Paulo, tem menos de 10 anos de vida. É pela pouca experiência que os erros são comuns?
Eu acho que é como tudo, as coisas têm que seguir uma evolução. A estrutura jurídica tem que evoluir, com garantias reais mais claras, para evitar a abertura de processos de reequilíbrio e remodelagem. A cláusula de ajuste tem que ser acionada de maneira excepcional. Além disso, para melhorar o ambiente, outros pontos têm que ser melhorados, como os reajustes de preços, porque alguns contratos não consideram a estrutura do curso operacional. Quando o contrato considera um reajuste de 25 anos pelo índice da inflação, mas o reajuste dos dissídios é superior ao índice, existe um problema que não é sistemático. As fórmulas de reajuste têm que tomar em consideração a real estrutura do preço e não ser uma decisão unilateral. O objetivo de uma PPP é dar bons serviços para a população e ponto. A administração pública tem que entender isso e não deixar a iniciativa privada insegura com a mudança de governos, por exemplo. E a iniciativa privada tem que estar aberta a mais transparência e controle.
Uma grande parcela da população desconfia das PPPs, achando que não vai ser bem servida. Como quebrar essa barreira?
É preciso explicar a situação, mas a população só vai entender quando ver que o sistema funciona, que ela é bem atendida. Por isso o controle é fundamental. A transparência tem que ser total para que o cidadão tenha certeza que o projeto está sendo executado da maneira correta.